Cleisson Nantes Sandim realizou o sonho de atuar nos bastidores do Carnaval do RJ

Quando o maior espetáculo cultural do mundo começa na Marquês de Sapucaí, não é raro sentir-se minúsculo diante da suntuosidade criativa que culmina em sambas-enredo, figurinos graciosos e carros alegóricos que, em uníssono, percorrem a avenida motivados pelo som harmônico da bateria. No percurso com aproximadamente uma hora de duração até fecharem os portões, surge aquela alegria que dá sentido ao trabalho incansável de 11 meses, no qual milhares de pessoas se concentraram numa força-tarefa até meio difícil de se imaginar.

O carnaval do Rio de Janeiro só é possível por conta da dedicação da comunidade, que faz do evento uma obra de arte a céu aberto, que canta e encanta pessoas de todo o mundo. No entanto, de tão tradicional que se tornou, o amadorismo passa longe dos barracões. A mão-de-obra especializada é sempre mais que bem-vinda e necessária para não haver erros no desfile.

Foi assim que o arquiteto campo-grandense Cleisson Nantes Sandim abandonou o hábito de virar a madrugada gravando em fitas VHS os desfiles para, finalmente, fazer parte do carnaval. De tão apaixonado pelo ziriguidum do samba e pelo capricho dos figurinos, alegorias e, sobretudo, pela energia do carnaval carioca, Cleisson decidiu fazer da festa uma de suas metas de vida. Para chegar lá, muita dedicação e trabalho árduo, no qual até mesmo a criatividade precisou ser lapidada.

Mas como um campo-grandense se apaixona assim pelo carnaval carioca? Isso ele mal sabe explicar, só aposta que foi algo que surgiu naturalmente e que desde muito jovem o coração batia diferente quando via uma escola se apresentar. “Sempre fui apaixonado por carnaval, desde guri. Gravava tudo em VHS, deixava de me divertir com amigos no carnaval para assistir aos desfiles. Gravei tudo durante uns 15 anos. Assistia e reassistia aos vídeos, tentava entender como um carro enorme daqueles era feito. Foi isso que me inspirou a ser arquiteto”, explica Cleisson.

 

 

Das coxias à Sapucaí

A profissão escolhida, de fato, ajudou a compreender a técnica dos recursos visuais das escolas. Mas dali à execução havia um abismo. Trabalhar com teatro após a formatura, portanto, foi uma escolha coerente para substituir o sonho de carnavalesco que não vinha. “No meu segundo ano de formado veio a oportunidade de trabalhar com teatro de rua, na Usina de Arte Conceição Ferreira, que não existe mais. E lá eu fiz o meu primeiro trabalho, uma peça inspirada numa cena carnavalesca. Tinha a boca de cena, tinha a arquibancada, a parte cênica toda. E ali eu comecei”, relata.

Cada vez mais envolvido com os bastidores do teatro, Cleisson, participou de diversos grupos teatrais de Campo Grande. Desenvolveu um trabalho com texturização de superfícies para cenários e teve até um projeto aprovado pelo FIC (Fundo de Investimento Cultural). “Foi então que senti necessidade de estudar uma pós-graduação. Passei uns três anos procurando até que encontrei uma que me interessava”.

Ele se refere à pós-graduação em figurino e carnaval, oferecido pela Universidade Veiga de Almeida, no Rio. Assim, foi juntar dinheiro por um tempo e fazer as malas para a Cidade Maravilhosa. Uma vez no Rio e estudando a pós, ele não contava com a sorte quando uma oportunidade única surgiu. Logo em seu primeiro ano na cidade, em 2011, a Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro) lançou o concurso de bolsa-estágio Joãosinho 30, com 24 vagas, para estagiar nas 12 grandes escolas do grupo especial.

“Na verdade era um grande vestibular, porque a gente tinha que entrar no concurso, ter três desenho de fantasias, com os respectivos briefings, ter sinopse de um enredo desenvolvido e outras coisas. “Tinha que fazer, também, uma fachada de alegoria, além da carta de apresentação e do currículo. Meu projeto foi selecionado em sexto lugar das 24 vagas. Fui designado estagiário da Portela”, conta.

Durante quatro meses e recebendo apenas um salário mínimo, Cleisson aproveitou como pode a experiência nos bastidores dos barracões. Decidiu até atrasar a entrega do trabalho final da especialização para ‘aproveitar bem o estágio’. “Foi uma decisão correta, porque no ano seguinte eu retornei ao Carnaval pelo atelier do Ronaldo Silveira, que era o costureiro e modelista da Portela naquele ano. Nos voltamos como chefia de atelier e eu fui assistente dele. Reproduzi as roupas de duas alas, foi trabalho para deixar a mão bamba”, brinca.

Detalhe frontal do carro alegórico (Divulgação)

 

 

Técnica e criatividade lapidadas

O carnavalesco Alexandre Lousada, que atualmente assina os trabalhos na Mocidade Independente de Padre Miguel, foi um dos termômetros para que Cleisson visse que estava no caminho certo. “Ele viu meus mostruários de textura, que eu já havia desenvolvido com o FIC. Mas, na pós-graduação, o Samuel Abrantes, que é um grande figurinista do Rio de Janeiro, me ensinou muita coisa. Eu fui aperfeiçoando meu mostruário com a minha técnica que usa os materiais reciclados e que aplica tecidos em cima. Quando o Lousada viu as peças, ficou encantado. Já queria me levar para São Paulo. Isso não foi possível porque eu já tinha compromisso com o Ronaldo, a gente tinha que por as duas alas da Portela”, relembra.

A maré de sorte aconteceu de vez quando Cleisson foi convidado por Alexandre Lousada para ser aderecista dele no carnaval seguinte, em 2012. “Ele optou por um trabalho diferente, que foi o das latinhas. Foi legal, porque não precisava por cor, bastava jogar a luz. E foi aí que meu trabalho finalmente apareceu como eu queria”.

Em 2016, o arquiteto estreia na Mocidade (Divulgação)

 

 

O que vem por aí

Morando no Rio de Janeiro desde 2011, Cleisson só vem a Campo Grande para rever família e amigos. “Estive aí recentemente para fazer a minha mudança definitiva. Agora que estou acompanhando o Lousada na Mocidade, a gente vai trabalhar um navio negreiro, moinhos de vento e mais um dragão. A escola vai abordar Dom Quixote, e desse contexto vai ser feita uma crítica à situação do Brasil atualmente. É um enredo bem crítico. Tem que ficar de olho”.

Além do Carnaval, o arquiteto também guarda no coração espaço para outra paixão, o cinema, muito disso por ter atuado com cenários e figurinos em Mato Grosso do Sul. “Além do Carnaval, eu também sou apaixonado por cinema, pela parte de direção de arte, que atualmente chamamos de design de produção. Também gosto da parte de figurino. Acho que são opções profissionais para mim. Eu quero me misturar com o cinema, até mesmo para expandir meu trabalho, minhas referências”, aponta.

As telinhas também podem ser uma aposta para o arquiteto, que teve seu mostruário elogiado pela cenógrafa da novela ‘Meu Pedacinho de Chão’, da TV Globo. “Então, meus mostruários de textura também foram parar na Globo (risos). Sou cadastrado na empresa e quando houver um trabalho que a linguagem venha ao encontro da minha, certamente é uma oportunidade que poderá acontecer. Quem sabe, não é?”.