O jeito ainda tímido de uma para com a outra deixa evidente a falta de intimidade. Foram 50 anos em que uma não tinha a menor ideia de onde estava a outra. Separadas quando os pais deixaram de viver juntos, Dirce e Maria Aparecida, também sofreram a ruptura do casamento. Enquanto uma ficou vivendo com o pai, a outra foi morar com a mãe. E assim se perderam e nunca mais se viram.

A mudança no destino começou a cerca de 4 anos, quando o filho de Dirce, Adriano Duarte, de 34 anos, gerente de restaurante, de tanto ouvir a mãe falar de saudades, decidiu ajudar. “O dia que a mãe falou que não queria morrer sem encontrar a irmã partiu meu coração. A pessoa vai ficando velha e vai achando que vai morrer. E eu não queria vê-la assim”, conta.

As palavras de Dirce cravaram no pensamento do filho e a partir dali ele impôs como meta encontrar a tia. No começo fez uma campanha para encontrá-la, mas as pistas não o levaram a lugar algum. “Fiz a campanha há três anos para achá-la. Até encontrei um endereço de uma suposta casa dela, mas ninguém a conhecia, ninguém sabia nada”, conta.

André então ficou desiludido, mas não desistiu da luta. Conversando com um e com outro descobriu que havia um blog que ajudava a procurar pessoas desaparecidas. A luz fez-se novamente e as buscas começaram a ter mais consistência. “Comecei a conversar com todo mundo que eu conhecia, advogado, político, policial federal, até que encontrei alguém pudesse ajudar”, revela.

“Achei um blog que procura pessoas desaparecidas. Aí fiquei mais esperançoso”, emenda.

Aos poucos novas pistas foram surgindo e diferentemente da vez anterior, estas tinham mais consistência. “Descobrimos que havia uma moto no nome dela e que ela vivia em Presidente Prudente. Aos poucos fomos encontrando mais informações e a bola parou de bater na trave”, compara.

Até que chegou o grande dia. A confirmação de que Maria Aparecida de Ruiz de Freitas, de 56 anos, estava viva. “Foi a realização de um sonho. Chorei muito. Tenho muito orgulhoso de ter realizado o sonho da mãe”, diz.

A mãe, Dirce Ruiz, de 65 anos, conta como se fosse hoje o dia que André entrou pela casa e avisou que Maria Aparecida estava viva. “Ele chegou e foi falando: mão pode arrumar as malas”, conta Dirce.

Mas, não foi daquela vez. Os afazeres de ambas fizeram o encontro demorar um pouco mais para ser concretizado. E passado quase um ano do dia da confirmação, elas por fim podem ficar lado a lado.

Tanto uma como outra ainda se olham com timidez. Mas o brilho dos olhos não esconde o carinho que o tempo tentou apagar. Foram 50 anos de separação, e agora apenas alguns dias de convivência para tentar recuperar o que se foi.

Dirce sabe que não é fácil trazer o tempo perdido para junto delas, mas diz que não irá desistir. “Somos irmãs e quase não nos conhecemos. Só sei que não quero nunca mais ficar longe dela. Ficar anos sem ver não dá”, diz.

O sonho agora é que Cida venha morar aqui. “Queremos que ela venha para cá, ficar perto da gente”, diz.

Cida afirma que até topa mudar a vida para vir para perto da irmã, desde que tenha trabalho para ela. “Se tiver o que eu fazer venho”, diz mais animada.

Mesmo destino

A história é de desencontros, mas o destino não deixa de pregar peças. Mesmo distantes ambas traçaram o mesmo caminho. Para poderem sobreviver, sem pais para protegê-las, foram trabalhar em casas de família.

Enquanto Dirce esfregava o chão no Mato Grosso do Sul, Maria Aparecida areava panelas no Paraná. O trabalho duro começou cedo. Com 14 anos, as duas já cuidavam das casas dos outros para bem depois terem as próprias.

Maria se casou nova, assim como a irmã. Elas contam que o casamento era a forma de saírem da casa dos outros para terem a sua. “Eu queria ter minha casa. Não queria mais morar em casa de família”, diz Maria Aparecida.

Hoje, as duas são mães, e aguardam o momento em os primos também poderão se conhecer.