O Tribunal de Contas da União suspendeu os efeitos da decisão que havia considerado “regular” um contrato celebrado pela agência de propaganda DNA, que pertencia a Marcos Valério, com o Banco do Brasil. Um negócio de R$ 153 milhões anuais, que vigorou entre 2003, primeiro ano de Lula, e 2005, quando estoutou o escândalo do mensalão.

Em nota veiculada no seu portal nesta quarta (1o), o TCU informa que a representação do Ministério Público no tribunal recorreu contra a decisão. O recurso tem efeitos “devolutivo” e “suspensivo”. Significa dizer que o processo será devolvido ao plenário, para nova deliberação. Enquanto esse novo julgamento não ocorrer, ficam suspensos os efeitos jurídicos da decisão questionada.

O contrato da DNA com o BB é mencionado na ação penal do mensalão, que começa a ser julgada nesta quinta (2) pelo STF. Segundo a Procuradoria Geral da República, parte do dinheiro que financiou o mensalão proveio de irregularidades praticadas nesse negócio. Ao tachar a transação de “regular”, o TCU oferecera munição a dois réus do processo que corre no Supremo: o próprio Marcos Valério e o petista Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil.

A defesa de Valério já havia inclusive requerido ao STF a inclusão do veredicto do TCU nos autos da ação do mensalão. Relator do processo, o ministro deferira o pedido. Com a suspensão dos efeitos jurídicos da decisão do TCU, o documento perde sua validade como peça de defesa.

Conforme já noticiado aqui, a decisão que levou o Ministério Público a recorrer ao plenário do TCU havia sido tomada pelo tribunal de contas em 4 de julho. Baseara-se num voto da ministra Ana Arraes, ex-deputada federal do PSB e mãe do governador pernambucano Eduardo Campos.

Ao considerar “regular” o contrato da DNA com o BB, Ana Arraes dera de ombros para as conclusões de uma auditoria feita pelo próprio TCU, que identificara malfeitos no contrato. A agência de Valério apropriara-se, em valores da época, de R$ 4,4 milhões pertencentes ao Banco do Brasil.

A DNA negociava a venda de anúncios do banco estatal em veículos de comunicação. Como a quantidade era grande e os valores expressivos, obtinha-se um desconto chamado tecnicamente de “bonus de volume”. Pelo contrato, esses descontos deveriam ter sido creditados ao BB. Mas a agência de Valério apropriou-se deles.

No seu voto, Ana Arraes não negou a irregularidade. Mas escorou-se numa lei aprovada em 2010, cinco anos depois dos malfeitos, para sustentar a tese segundo a qual os contratos foram limpos. Trata-se da lei 12.232. A mãe de Eduardo Campos apegou-se a dois artigos.

Num, o de número 18, está escrito que a devolução dos descontos ao contratante do serviço de publicidade é facultativa. Noutro, número 20, anotou-se que a lei poderia ser invocada em casos pretéritos. Os demais ministros do TCU endossaram o voto de Ana Arraes.

Com isso, além de fornecer munição aos mensaleiros em apuros no STF, o TCU cancelara multas que haviam sido impostas ao petista Pizolatto e a outros dois ex-diretores do BB: Cláudio de Castro Vasconcelos e Renato Luiz Belineti. Além das multas, os três teriam de devolver ao BB cerca de R$ 5 milhões. No caso de Pizzolato, seriam R$ 3,7 milhões.

Pelo regimento do TCU, o processo muda de relator quando é suspenso graças a um recurso. Em vez de Ana Arraes, responderá agora pela relatoria o ministro Aroldo Cedraz. Não há prazo para a realização do novo julgamento no plenário do TCU. Pode ocorrer inclusive depois da decisão do STF sobre a ação penal do mensalão.

O procurador Paulo Bugarin, que representa o Ministério Público no TCU, discordara do voto de Ana Arraes por duas razões. Para ele, uma lei de 2010 não poderia retoragir no tempo para legalizar negócios realizados entre 2003 e 2005. Realçara, de resto, que o contrato da DNA com o BB continha uma cláusula que previa explicitamente a devolução dos descontos na veiculação de anúncios, os ‘bônus de volume’, ao Banco do Brasil.

Um procurador da República que trabalhou na investigação do mensalão informou ao blog que o negócio contém outra irregularidade. O grosso das verbas destinadas pelo BB à DNA era usada para despesas alheias à compra de anúncios. O dinheiro era usado para aquisições diversas –de material de escritório a brindes. E a agência creditava-se dos tais bônus de publicidade mesmo nessa parte dos gastos que nada tinha a ver com publicidade.

Quer dizer: o montante desviado do Banco do Brasil é bem maior do que o detectado pelo TCU. Segundo o procurador, o tribunal de contas sabe disso. Dispõe de todas as notas fiscais recolhidas em feita por amostragem. Se quiser, tem todos os elementos para separar a publicidade dos outros gastos.