O dólar à vista acelerou o ritmo de alta à tarde e chegou a se aproximar do nível de R$ 5,50 nas máximas, acompanhando a onda de valorização da moeda norte-americana em relação a divisas pares do real, como o peso mexicano e rand sul-africano. Operadores afirmam que houve nesta terça-feira, 20, um movimento de ajustes e realização de lucros com moedas emergentes, após a onda recente de apreciação deflagrada por apostas em corte mais agressivo de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) a partir de setembro.

Além do ambiente externo desfavorável, pesa sobre o real o tom mais ameno do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em relação aos próximos passos do Comitê de Política Monetária (Copom). Boa parte da apreciação da moeda brasileira nos últimos dias havia sido atribuída a falas duras do diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, interpretadas por ala relevante do mercado com sinalização de elevação iminente da taxa Selic.

Em alta firme desde a abertura, o dólar à vista rompeu os R$ 5,45 logo após a abertura dos negócios. A máxima, a R$ 5,4924, veio no início da tarde, em sintonia com o exterior. No fim do dia, a moeda avançava 1,31%, a R$ 5,4831 – o que reduziu a desvalorização acumulada em agosto, que, na segunda-feira, era de 4,30%, para 3,04%.

O giro de negócios foi moderado, o que sugere ausência de alterações relevantes no posicionamento dos investidores. Principal termômetro do apetite por negócios, o contrato de dólar futuro para setembro movimentou pouco mais de US$ 12 bilhões. Na segunda, os investidores estrangeiros reduziram a posição “comprada” em dólar em cerca de US$ 1,7 bilhão, segundo dados da B3.

Para o head de câmbio da B&T Câmbio, Diego Costa, parte do tropeço de divisas emergentes nesta terça se deve à falta de novos estímulos à economia chinesa. Na segunda-feira à noite, o Banco do Povo da China (PBoC, o banco central do país) decidiu manter inalteradas suas principais taxas de juros. “Isso reforçou o cenário de aversão ao risco, em quadro já de cautela com a divulgação da ata do Fed amanhã e o discurso do presidente Jerome Powell, na sexta-feira, no Simpósio de Jackson Hole”, afirma.

O economista André Galhardo, consultor da Remessa Online, ressalta que o peso mexicano e o real são as divisas emergentes que mais perdem hoje. Ele observa que ainda “há incertezas” sobre a magnitude do provável corte de juros pelo Fed no próximo mês, após dados recentes colocarem em xeque a aposta em uma redução de 50 pontos-base.

“As duas moedas refletem preocupações internas e incertezas sobre os próximos passos do Fed. O movimento do real pode ser quase integralmente atribuído às falas do presidente do Banco Central, que adotou um tom mais brando sobre eventual aumento na taxa de juros”, diz Galhardo.

Em tese, a combinação de uma alta da taxa Selic com início de relaxamento monetário pelo BC americano seria benéfica para o real por aumentar o diferencial de juros interno e externo, elevando a atratividade das operações de carry trade. Além disso, há quem considere que o discurso duro de Galípolo, se seguido por uma alta da taxa Selic, traria ganhos de credibilidade ao BC. Isso poderia reduzir prêmios de risco e, por tabela, levar a uma queda do dólar no mercado doméstico.

Em entrevista ao jornal O Globo, Campos Neto jogou água na fervura das apostas em alta dos juros. “A gente sempre disse que se fosse necessário subir os juros, subiria, mas não lembro de ter falado de alta de juros”, afirmou o presidente do BC. “O mercado já vinha colocando um pouco de expectativa de alta na curva. Mas não depende só do mercado, precisa olhar o cenário daqui para frente.”

Para Galhardo, da Remessa Online, o presidente do BC foi ainda mais “dovish” durante participação em evento do BTG Pactual, quando afirmou que a inflação no Brasil, no México e no Chile se deve basicamente à pressão dos preços de alimentos e energia. “Campos Neto ressaltou ainda que, embora represente um risco em potencial para a inflação, a redução da taxa de desemprego ainda não havia promovido perturbações inflacionárias”, afirma.

Mais cedo, ao Globo, Campos Neto revelou que o BC se preparou para “intervir de fato” no mercado de câmbio, mas que a decisão de ficar de lado se mostrou acertada. Ele ressaltou que não havia problemas de liquidez, mas que a desvalorização rápida da moeda trouxe um debate. Para Campos Neto, a forte pressão sobre a divisa era passageira e uma intervenção poderia passar “a percepção errada” ao mercado.