Com marmoreio e sabor mais intenso, gado nelore se torna o ‘terroir da carne’ em MS
Fazenda de Mato Grosso do Sul é uma das poucas do Brasil que faz a ultrassonografia de carcaça para marmoreiro
Graziela Rezende –
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No mundo dos vinhos, a expressão ‘terroir’ nasceu como um conceito complexo, o qual determina as características da produção ao engarrafamento, como se fosse um DNA e agregando valor à bebida. Agora, passando para o lado da carne, a seleção genética do gado nelore é que vem sendo desenvolvida há algumas décadas e permitindo fazendas a terem verdadeiras minas de ouro, com a transferência embrionária de animais superiores desta raça.
Em Mato Grosso do Sul e em todo o país, são poucas as propriedades que trabalham desta forma, ganhando destaque em leilões com animais que deixam seu legado por gerações. Na prática, o que o consumidor recebe é um alimento com sabor muito mais intenso, descobrindo que o marmoreio não é só coisa da raça angus, por exemplo, já que o conceito se popularizou mais ao ver a gordura presente entre as fibras desta carne.
Assim, quando se fala em gado nelore, a “raça mãe” da pecuária bovina do Brasil – já que representa mais de 80% do rebanho, com mais de 220 milhões de cabeças de gado – temos o ‘terroir da carne’. Ao todo, são cerca de 200 fazendas que fazem a ultrassonografia de carcaça para marmoreiro, proeza de poucos e motivo de orgulho ao saber que a tecnologia é empregada também em nosso Estado.
Ultrassonografia de carcaça para marmoreiro em MS
Funcionário da Fazenda Sete Estrelas, localizada em Terenos, a 31 km de Campo Grande, o gerente de marketing Naur Barbosa caminha pelo mesmo pasto há quase 20 anos e conhece muito bem o patrimônio genético presente ali. “São poucos criatórios que fazem este trabalho no Brasil e nós somos um deles, que usamos a ultrassonografia de carcaça para marmoreiro. Há dois anos, a Sete Estrelas também se tornou integrante da Confraria da Carcaça Nelore, principalmente por ter, o que eu considero, uma mina de pedras preciosas, com um rebanho de grandes campeãs nacionais”, disse.
Conforme Naur, anualmente, quando é feito o levantamento do rebanho, a equipe sempre descobre animais que, em breve, serão destaque. “Para se ter ideia, o marmoreio do nelore brasileiro é 1,7, não chega a 2. E a média de todos os produtos da 7 Estrelas, das fêmeas, é 3,6, então, é mais que o dobro da média. Tivemos, recentemente, a contratação de um macho, cuja média acima de 3 é espetacular e ele tem 4,4 de marmoreio. Pouco antes disso, também houve a venda de um touro com 4,8 de marmoreio. Foi um dos recordistas de preço neste leilão, de expressão nacional, em março deste ano”, relembrou.
Mas, antes do resultado, existe muito trabalho e tecnologia. Em um dia de campo e de evento da Genex (Genética Bovina) na propriedade, em que estava sendo discutido o “bezerro do futuro”, o Jornal Midiamax conheceu o funcionamento da técnica.
“Durante a produção a avaliação é feita constantemente. Os animais passam no mangueiro, são pesados, daí mede a circunferência escrotal, o ganho de peso e depois tem ultrassonografia de carcaça, para ver a espessura de gordura e o marmoreio. É algo relativamente novo no Brasil. Nos Estados Unidos fazem desde 1995 e, no Brasil, chegou cerca cerca de cinco anos depois”, explicou Naur.
Nesta linha de seleção é que sai a carne de melhor qualidade. “Temos, por exemplo, o caso do touro Golias, com 84% dos filhos dele com carne premium, de melhor valor no mercado do nelore. A grande vantagem é o que já falamos, o sabor mais intenso, o terroir da carne, da raça que domina a pecuária brasileira. Ou seja, para ter uma evolução na qualidade da carne, da pecuária brasileira, não tem como escapar de selecionar o nelore para isso”, argumentou.
Dieta no piquete, com silagem de capim
Diferente de outros criatórios, que tratam os animais com silagem de milho, a Fazenda Sete Estrelas utiliza a silagem de capim, o que favorece os animais reprodutores. “Como trabalhamos com a seleção de genética, esta é uma alimentação diferenciada, no qual eles podem expressar, ao máximo, a genética que possuem. Eles então recebem a silagem e uma pequena suplementação de sal mineral ou sal proteico. Em outras condições, estes animais não teriam o mesmo desenvolvimento”, comentou.
Neste sentido, caminhar pelo local é também sentir um “cheiro diferenciado”, da fermentação do capim. “Existe aqui um local específico, que recebe uma inoculação de bactérias para o capim fermentar e aumentar a digestibilidade e também ficar mais rico em nutrientes. Tudo isto vai influenciar na carne, na qualidade desta carne com toda certeza”, ressaltou Barbosa.
Nutridos, os animais dão excelentes resultados. “Nós também congelamos o sêmen aqui na fazenda e fazemos o processamento para que se multiplique, contando com o apoio da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e seguindo todas as regras do Ministério da Agricultura. Em seguida, é feira a inseminação nas fêmeas, em uma técnica sincronizada. A fêmea recebe hormônios e ovula no período pré-determinado, então, todas podem ser inseminadas todas ao mesmo tempo”, disse.
Outra forma de trabalhar com a inseminação artificial e encaminhar o sêmen e os selecionados para as centrais. “Temos animais em Uberaba, Botucatu e outros locais. Ele fica lá um período, até que se obtenha um estoque favorável e depois retorna para a propriedade aqui em Mato Grosso do Sul. Isto tudo envolve a nossa discussão sobre o bezerro do futuro, filhos destes touros e vacas que compões o nosso patrimônio genético”, finalizou Naur.
‘Produtor de touro tem muito, selecionador não’, diz proprietário
O famoso ditado que diz que “a paixão move o mundo” é o que se aplica na vida do proprietário da Fazenda Sete Estrelas, Juliano Beraldo. “Trabalho com pecuária no Pantanal, em Mato Grosso, na área de floresta amazônica, mas, a paixão pela genética está aqui. E eu sou médico veterinário, trabalhei por anos aqui, quando tive o desejo de ter essa genética, já que antes eu era comprador de touros. Era algo que eu pensava ter dentro do meu rebanho, só que as coisas acabaram ficando maiores e nosso projeto foi aumentando cada vez mais”, comentou.
Recentemente, ao conversar com um pecuarista sobre o negócio, Juliano teve uma devolutiva. “Ele disse: ‘Produtor de touro tem bastante, selecionador não. E a gente tenta se encaixar dentro desta situação de selecionador, em que a gente pode, na verdade, produzir e fazer criadores melhorarem a genética dentro do rebanho deles. Não é simplesmente produzir um touro que vai produzir um bezerro. Não é um bezerro a mais, é mais produtividade e rentabilidade”, ressaltou Beraldo.
Outro foco é a fêmea, é ter o patrimônio genético também por conta das reprodutoras. “O foco é sempre no boi e eu sempre achei isso muito ruim. A fêmea é quem permanece, é onde está o patrimônio genético. Olhando aqui na fazenda, no piquete, estamos vendo uma geração de machos logo adiante. Ano que vem não estarão mais ali, agora as irmãs deles estarão. As irmãs, posso garantir, estarão, então, este é também o nosso foco”, afirmou.
Por fim, Beraldo se emociona ao falar do agronegócio brasileiro. “Infelizmente, estamos passando um período onde o agro está sendo tratado como bandidagem. E nós não somos. Nós alavancamos o país e a pessoa que vai no supermercado, por exemplo, precisa ter noção que leite não se acha dentro da geladeira, nem dentro de caixinha. É um criador, que tem que ter uma vaca, tem que ter um hectare de terra e esta terra é tratada. Ele acorda de madrugada todos os dias. Aliás, o produtor de leite só não trabalha na sexta-feira santa. Os outros 364 dias do ano ele está trabalhando, cuidando da vaca, então, eu admiro demais estas pessoas e muitos precisam saber mais deste importante papel que desenvolvem. No nosso caso, são 36 anos de seleção genética, algo que iniciou lá atrás, com o meu sogro”, finalizou.
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