“Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras fatigadas de informar.
Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.”
O apanhador de desperdícios, de Manoel de Barros.
Assim como Manoel de Barros valorizava o simples e o singular, o modo de falar sul-mato-grossense nasce desse olhar atento ao cotidiano e ao jeito particular de nomear o mundo.
Em um repertório marcado por gírias e entonações diversas, o sotaque local se constrói como uma poesia e revela um estado moldado pela migração e pela convivência de diferentes culturas. Juntas, essas diversidades compõem uma identidade linguística própria, ainda que os linguistas debatam se existe, de fato, um ‘dialeto sul-mato-grossense’.
Um estado de muitas vozes

A partir das teorias variacionistas e interacionistas — que estudam como as línguas variam de maneira sistemática e previsível em seus usos sociais —, a professora Adriana Lúcia de Escobar, dos cursos de Letras e Psicologia da UEMS (Universidade Estadual de MS), explica que a língua mantém uma relação intrínseca com os aspectos sociais de seus falantes.
“A língua não é apenas um instrumento de comunicação, mas também um veículo que expressa e constrói a cultura, já que todo ato de fala carrega a marca de quem fala, do lugar em que vive, da memória coletiva e das tradições que compartilha”, afirma.
No caso do português falado em Mato Grosso do Sul, essa dimensão cultural se manifesta de forma evidente. Isso porque, o modo de falar dos sul-mato-grossenses revela influências históricas e sociais, fruto do contato entre indígenas, paraguaios e migrantes vindos de diferentes regiões do Brasil.
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“Cada escolha lexical, cada sotaque e cada entonação são representações do universo cultural do falante e constituem formas de afirmar pertencimento. A língua, portanto, é ao mesmo tempo, herança e criação, continuidade e mudança, e se relaciona diretamente com a construção das identidades regionais”, explica Adriana.
Existe um sotaque típico de MS?
Mas existe, afinal, um sotaque típico de Mato Grosso do Sul? Haveria aqui um traço fonético ou uma entonação capaz de diferenciar a fala sul-mato-grossense de outros estados brasileiros? Para a professora Adriana, conceber um sotaque único não é tarefa simples. Isso porque o Estado é marcado por influências de diferentes regiões e culturas, que se entrelaçam no modo de falar de seus habitantes.
“O que podemos observar são alguns traços recorrentes, que se manifestam em maior ou menor grau dependendo da cidade, da faixa etária ou do grupo social do falante”.

Traços que unem e distinguem
Um desses traços é o /R/ retroflexo, conhecido como “R caipira”, perceptível em palavras como poRta e caRne, diferente do /R/ mais forte, fricativo, falado no Rio de Janeiro ou em cidades do Nordeste. Adriana explica que essa característica veio sobretudo com as migrações de paulistas e mineiros para o Estado.
Para Daniela de Souza Costa, doutora em Estudos da Linguagem e professora no curso de Letras da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), é justamento o ‘R forte’ que une os diferentes sotaques do Estado.
“Mato Grosso do Sul, assim como o restante do Centro-Oeste, norte do Paraná e oeste de São Paulo têm um traço que os une. O R forte, que chamamos de retroflexo, a língua dá uma voltinha para trás dentro da boca, por isso esse nome”.
Outro traço recorrente em MS é a pronúncia do /S/ alveolar, mais seca e direta (como em sapo), diferente do /S/ chiado do carioca (meshmo).
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“Essa característica ajuda a distinguir o falar do nosso estado do falar do litoral do Sudeste. Além disso, em algumas regiões, a fala soa mais cadenciada, com ritmo mais pausado, quase musical, possivelmente influenciada pelo contato histórico com línguas indígenas, como o guarani”, complementa Adriana.
Sotaque sertanejo
Há ainda marcas do chamado ‘sotaque sertanejo’, associado ao interior e fortemente presente em áreas pantaneiras. Ele traz simplicidade na pronúncia, vocabulário ligado ao campo e influência tanto do espanhol paraguaio quanto de línguas indígenas.
Para além dos sotaques, Mato Grosso do Sul também se destaca pela sua diversidade linguística. O estado abriga povos que preservam línguas como Guarani, Terena, Kaiowá e Kadiwéu, que segundo a especialista, mesmo quando não faladas no cotidiano por todos, influenciam o português local em expressões e na musicalidade da fala.
Por isso, Adriana defende que o mais adequado não é falar em um sotaque único, mas em uma construção plural. “Em vez de pensar em um sotaque típico, é mais correto dizer que o português sul-mato-grossense é a soma de diferentes vozes e histórias. Elas se entrelaçam e formam um modo de falar característico, mas também diverso.”
Gírias e sotaques que marcam o falar sul-mato-grossense
O falar sul-mato-grossense é cheio de expressões que revelam tanto criatividade popular quanto influências externas, como os seguintes exemplos:
- “Alas” – surpresa ou espanto, como um “olha só!”.
- “Ala puxa” – interjeição de origem espanhola expressa surpresa, admiração, espanto, ou até mesmo tristeza e preocupação
- “Pior” – usado para concordar, equivalente a “é mesmo” ou “verdade”.
- “Aff/affe” – impaciência ou incômodo.
- “Nossa” – surpresa, com intensidade variável conforme a entonação.
- “Trêsontonte” – três dias atrás, antes de anteontem.
- “Bóra” – disposição em acompanhar alguém.
- “Toda vida” – orientação espacial, “siga em frente”.
- “Mas quá” (Bonito) – indignação ou descrença.
- “Muxiba” – pessoa franzina ou doente.
- “Mundiça” (Campo Grande) – grupo de pessoas, em tom pejorativo.
- “Voootii” (Corumbá) – espanto, dito com entonação prolongada.
Outras marcas coloquiais são “má rapaz”, “se tá loco”, “vou lá mexer o doce” e “brinca demais, moço”. “Essas expressões têm origens diversas: algumas nasceram da oralidade local, outras vieram com migrantes paulistas, mineiros e gaúchos, e muitas surgiram do contato com espanhol e guarani na fronteira”, diz Adriana.
A língua como mosaico
Além do vocabulário, também há diferenças perceptíveis no sotaque entre as regiões.
- Campo Grande – fala plural, resultado da migração de diferentes partes do Brasil. Uso recorrente de diminutivos em situações de afeto: “cervejinha”, “um pouquinho”.
- Três Lagoas – forte influência do interior paulista, tanto no vocabulário (“demais da conta”) quanto na pronúncia do /s/ alveolar (seco).
- Ponta Porã – fronteira multilíngue. Mistura português, espanhol, guarani e jopará no dia a dia. É comum o portunhol: “vou pegar la factura”.
- Corumbá e Ladário – influência histórica da Marinha e do sotaque carioca, orinudo dos perceptível no /s/ chiado (“mes[ʃ]mo”, “dois[ʃ]”). Forte ligação cultural com o carnaval e a sociabilidade expansiva.
“Em Corumbá e Ladário, há uma história particular. Como durante muito tempo o escoamento de produtos e mercadorias de Mato Grosso se fazia pelo Rio Paraguai, foi ali que a Marinha se instalou. Assim, trazendo militares cariocas numa época em que o Rio de Janeiro ainda era a capital do Brasil”, ressalta a pesquisadora.
Movimentos migratórios na construção do falar sul-mato-grossense
Assim como em Corumbá, as migrações foram determinantes para moldar o jeito de falar em todo Mato Grosso do Sul. O estado é, por natureza, um espaço de encontro de povos, e cada grupo deixou marcas específicas na língua.
Adriana destaca que as correntes migratórias internas (entre estados) trouxeram traços muito visíveis. Os paulistas e mineiros, por exemplo, a migração no início do século XX (20), não trouxe apenas o sotaque, mas também modos de narrar e expressões próprias.
“Em comunidades rurais é comum ouvir termos como ‘roça’, ‘roceiro’ e ‘lavoura’, além de construções de frases mais coloquiais. Já os gaúchos, que migraram para o sul do Estado em busca de terras e trabalho, deixaram uma herança ligada ao universo campeiro, com a palavra ‘estância’ e hábitos associados ao chimarrão e ao trato com o gado”.

As migrações externas também tiveram grande impacto. A influência paraguaia é talvez a mais perceptível, sobretudo nas cidades de fronteira. Segundo a professora, ela se reflete no vocabulário cotidiano, em palavras emprestadas do espanhol e adaptadas ao português local, como “frigorífico” no lugar de açougue e “coletivo” no lugar de ônibus. Além disso, aparecem formas híbridas de fala, como “voy ali pegar uma coisa”, resultado do contato direto entre as duas línguas.
“Cada onda migratória, interna ou externa, não substituiu a anterior, mas se sobrepôs e se mesclou. Assim, o português falado em Mato Grosso do Sul se construiu como resultado de encontros sucessivos, em que diferentes grupos foram deixando suas marcas e criando, juntos, uma forma de falar que não existe em nenhum outro lugar do Brasil.”
Memória lexical

Para Daniela essa influência se manifesta sobretudo nos sons (aquilo que chamamos de sotaque) e no léxico (as palavras usadas no dia a dia). “A história das migrações, e a sua continuidade até hoje, deixa vestígios não só na fala, mas também na culinária, nos gostos musicais, nos hábitos e nas crenças. O famoso “R caipira” chegou ao estado com os paulistas ainda no período das bandeiras, entre os séculos XVII e XVIII, mas também tem raízes indígenas, vindas do tupi”.
Já dos gaúchos herdamos termos como “guri” e “guria”, usados para meninos e meninas, e também “piá“, expressão trazida das regiões do Sul. Das línguas indígenas, além do R retroflexo, vieram nomes como gambá, arara e a até a tão famosa capivara, todos incorporados ao português do Brasil e presentes no vocabulário do sul-mato-grossense.
Em Campo Grande, a diversidade de origens é ainda maior, já que a capital recebeu migrantes de todas as partes do Brasil. Segundo docente da UEMS, isso faz com que a fala seja menos marcada por um único traço específico, justamente porque se formou a partir da convivência de diferentes sotaques e variedades do português.
“Essa pluralidade não elimina as diferenças, mas torna o falar da capital mais híbrido e abrangente, em contraste com outras regiões do estado, onde certas influências se destacam de forma mais observáveis”.
Elo entre ancestralidade e território

Mais do que um meio de comunicação, a língua reflete a identidade cultural de todo um povo. No Brasil, embora o português seja o idioma oficial e predominante, muito antes da colonização milhares de povos indígenas já se expressavam por meio de suas próprias línguas. Atualmente, estima-se que existam 274 idiomas indígenas no país — oito deles preservados em Mato Grosso do Sul.
“Esses povos influenciaram diretamente o português falado em Mato Grosso do Sul, seja pela introdução de nomes de rios, frutas e animais ou pela convivência próxima em espaços de trabalho e de sociabilidade urbana. Esse contato produziu um português marcado por expressões de origem indígena, que carregam significados culturais importantes e tornam o falar sul-mato-grossense singular”, conta Adriana.
Aqui, são mais de 100 mil indígenas pertencentes a oito etnias — Guarani, Kaiowá, Terena, Kadiwéu, Kinikinau, Atikun, Ofaié e Guató —, que abrigam a terceira maior população indígena do Brasil. Quando se trata de diversidade linguística, Mato Grosso do Sul ocupa um lugar singular na formação da identidade cultural brasileira. Isso porque, para os povos originários, a língua vai além de um simples meio de comunicação – ela preserva a memória ancestral, as cosmovisões e a própria identidade.
Voz ameaçada

No coração do Pantanal e do Cerrado, Mato Grosso do Sul abriga oito línguas indígenas, ligadas a cinco famílias linguísticas: O tronco Tupi, representado pelas línguas Guarani (Kaiowá, Mbya e Nhandeva); Tronco Macro-Jê, que têm as línguas Ofayé e Guató; Língua Terena e Kinikinau, pertencentes à família Arawak; enquanto os Kadiwéu integram a família Guaicuru.
No entanto, algumas delas estão em processo de extinção. É o caso da Guató, Ofayé e Kinikinau, que possuem poucos falantes. Um ponto fundamental para entender esse processo de extinção são os impactos da imposição histórica do português como idioma oficial e a ausência de políticas públicas contínuas. Embora a Constituição de 1988 reconheça as expressões culturais como patrimônio imaterial, a legislação brasileira ainda é falha no que diz respeito à diversidade linguística. Ao contrário de países como México e Paraguai, que estabelecem direitos linguísticos explícitos em suas constituições, o Brasil carece de normas mais eficazes.
Línguas indígenas mantêm viva a memória ancestral em MS
A professora Daniela Costa ressalta que a posição geográfica também reforça esse contato. “Além de dividirmos fronteira, temos um intenso fluxo de pessoas pelo comércio, especialmente com o Paraguai. Há muitos exemplos disso no cotidiano, como o próprio tereré, hábito herdado dos guaranis e cujo nome vem dessa língua, assim como a chipa.”
Essas marcas também se expressam nos chamados topônimos (nomes de lugares que têm origem indígena) como Anhanduí, Aral Moreira Amambai e Ivinhema. Palavras como guavira, fruta típica do Cerrado, e pindó, nome de uma palmeira, são outros exemplos citados e que mantêm viva a relação entre língua e natureza.
‘Guarani não é apenas uma língua que cedeu palavras ao português regional’
No caso específico do Guarani, essa influência vai além do léxico (dicionário de línguas clássicas antiga). Ela também se manifesta na musicalidade e no ritmo da fala.
“Em comunidades onde o contato foi intenso, observa-se uma cadência mais pausada, como se as frases fossem ditas em compassos mais longos. Há também a tendência de alongar vogais em certas palavras, algo que pode estar relacionado ao ritmo melódico do guarani”, destaca Adriana.
Segundo ela, isso se reflete, por exemplo, em falas mais “cantadas”, típicas do interior e da fronteira, em contraste com o português mais rápido e “cortado” das grandes cidades brasileiras.
Outro aspecto importante é a dimensão cultural do guarani no modo de se comunicar. A língua é organizada de forma coletiva, valorizando o estar junto. Adriana explica que essa lógica atravessou o português falado em MS, de modo que a comunicação muitas vezes não serve apenas para transmitir informações, mas também para reforçar laços comunitários, como se cada palavra fosse, ao mesmo tempo, um convite à convivência.
“Assim, o Guarani não é apenas uma língua que cedeu palavras ao português regional. Ele está presente na cadência, na sonoridade e até na forma de construir sociabilidade pela fala. Um fio invisível que conecta a identidade linguística de Mato Grosso do Sul às raízes indígenas que seguem vivas e pulsantes”.
Do portunhol ao guarani, palavras atravessam fronteiras
Na região de fronteira de Mato Grosso do Sul, especialmente em cidades como Ponta Porã, Corumbá e Bela Vista existe uma convivência multilíngue. Adriana conta que o português circula lado a lado com o espanhol e o guarani, e muitas pessoas usam naturalmente o jopará — a mistura de espanhol e guarani comum no Paraguai e que atravessa para o Brasil.
“Essa multiplicidade não fica restrita às línguas mais conhecidas. No comércio de importados e nas feiras, é possível ouvir árabe, japonês, chinês, coreano e turco, línguas trazidas por comunidades migrantes que se estabeleceram na região. Essas vozes fazem parte do ambiente sonoro e da experiência cotidiana da fronteira.”
Também é frequente o chamado portunhol (português + espanhol), empregado no comércio e nas interações cotidianas, quando brasileiros e paraguaios adaptam palavras e estruturas para facilitar a comunicação.

Espaço multilíngue e dinâmico
Daniela, por sua vez, destaca que esse fenômeno não seu resume ao bilinguismo, quando falantes dominam duas línguas, mas sim a uma diglossia, situação em que duas línguas coexistem em um mesmo espaço, cada uma com funções sociais específicas. Em Ponta Porã, por exemplo, há quem use guarani no convívio familiar, espanhol em documentos e ritos oficiais, e português para se comunicar com brasileiros.
“Quando há mais de uma língua em uma sociedade, cada uma delas tem função e ‘valor’ para seus falantes. Vemos isso quando vamos a Pedro Juan, os atendentes do comércio usam entre si o guarani (língua materna de boa parte deles) e, conosco, falam português (pois é a que usamos), ainda havendo manifestações em espanhol”, exemplifica.
O resultado é um espaço multilíngue e dinâmico, onde mudar de código linguístico ou misturar idiomas é parte da vida cotidiana. “Esse fenômeno revela uma riqueza cultural e linguística única no Brasil, fazendo da fala fronteiriça um patrimônio vivo, que combina necessidade prática com identidade cultural”.
O futuro de uma língua conectada

O português falado em Mato Grosso do Sul, assim como em todo o Brasil, está em constante transformação. Entre os jovens, esse processo é ainda mais perceptível, impulsionado pela internet e pelas redes sociais, que aceleram a circulação de palavras, expressões e até formas de construir frases, conforme explicam as pesquisadoras:
Nos últimos anos, verbos derivados de termos estrangeiros se popularizaram, como “printar” (capturar a tela) e “deletar” (apagar). Outro fenômeno em destaque é o uso de marcadores discursivos. Palavras como “tipo” tornaram-se frequentes para organizar a fala, dar ênfase ou ganhar tempo. Gírias de outras regiões, como “mano” e “parça”, também chegaram aos jovens do estado, mas muitas vezes combinadas com vocabulário regional, em usos singulares.
Mas é justamente nas redes sociais que essa cultura e tradição ganham força. Um exemplo é o perfil “Dicionário do MS” — criado por um professor de Educação Física sul-mato-grossense — Com uma ararinha como mascote, o perfil se dedica a difundir o dialeto local e valorizar a forma de falar do Estado.
Na pronúncia, Adriana observa uma tendência de simplificação em contextos informais, como no apagamento do plural em frases do tipo “as menina chegou”. Esse fenômeno, presente em várias partes do Brasil, encontra no MS um terreno fértil por dialogar com tradições orais já presentes em áreas rurais.
Língua viva em transformação
Com o passar do tempo, a forma de contar histórias também se transformou. Os jovens incorporaram ao português oral um ritmo mais rápido e fragmentado, muitas vezes marcado por referências da cultura digital, como memes e vídeos virais. “Isso cria uma oralidade própria, marcada por humor, ironia e espontaneidade, mas que ainda mantém a cadência característica da fala regional”.
Para a professora Daniela de Souza Costa, isso é um reflexo natural da vitalidade da língua. “Uma língua só não muda se não estiver mais viva, como o latim. No caso do português sul-mato-grossense, vemos justamente o contrário: ele está em movimento, absorvendo influências da internet, das migrações e da cultura local, sempre em diálogo com a sociedade.”
No entanto, essas transformações não significam perda, mas renovação. Conforme as pesquisadoras, o português falado em MS continua a carregar marcas históricas e regionais, ao mesmo tempo, em que se abre às inovações da tecnologia e da globalização.
“Nesse movimento de renovação, tradição e inovação se entrelaçam, reafirmando a identidade cultural do estado e revelando como a língua continua sendo espaço de criação, resistência e apropriação”, conclui Adriana.
Mato Grosso? Do Sul!

Em meio à mistura de culturas, tradições e sotaques, Mato Grosso do Sul ainda revela um orgulho linguístico que se manifesta no dia a dia. Nas rodas de tereré, por exemplo, a maneira de convidar alguém ou comentar sobre o sabor da erva já carrega traços identitários, conforme explica Adriana Escobar:
“Dizer ‘vamos marcar um tereré’ vai muito além da bebida, é uma forma de afirmar laços de amizade e reforçar a cultura regional. Em feiras livres e mercados populares, o vocabulário típico, como chamar de ‘guavira’ a fruta nativa ou ‘chalana’ o barco que atravessa o rio, é usado naturalmente e funciona como uma ‘senha cultural’ compartilhada”.
O orgulho linguístico também se reflete na música regional. Segundo a professora, quando artistas interpretam chamamé ou polca paraguaia, misturando palavras do cotidiano, o público se emociona ao reconhecer ali a própria forma de viver e de falar. No teatro e na literatura produzidos em Mato Grosso do Sul, expressões locais são mantidas propositalmente para valorizar a oralidade, como marcas de autenticidade.
“Ele também se manifesta quando alguém de fora percebe um traço fonético ou uma expressão típica. Muitos sul-mato-grossenses se divertem com essa atenção, transformando o reconhecimento em motivo de pertencimento e celebração”.
Orgulho de pertencer
Esse orgulho, comprovado cientificamente, é uma extensão da valorização da identidade cultural avalia Daniela. “Recentemente, uma pesquisa mostrou que os brasileiros se orgulham de seu país e de sua cultura, e o mesmo acontece com Mato Grosso do Sul”.
Assim, o falar sul-mato-grossense se constrói como um reflexo das influências históricas e culturais e como forma de afirmar a própria identidade coletiva.”Nos sentimos em casa ao ouvir o R puxado, ao tomar tereré e explicar a diferença entre tereré e tererê. Isso une as pessoas e fortalece a sensação de pertencimento à comunidade”, conclui.
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