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Cotidiano

Psicólogos alertam sobre rotina de exaustão e adoecimento mental em hospitais da Capital

A morte recente de dois profissionais da saúde leva especialistas a refletirem: quem cuida de quem dedica a vida a cuidar dos outros?
Idaicy Solano -
Profissional de enfermagem no Hospital Regional. (Foto: Ilustrativa, Henrique Arakaki, Arquivo/Jornal Midiamax)

A morte recente de dois profissionais da saúde em acendeu um alerta sobre a saúde mental de quem trabalha em hospitais, e leva a especialistas a refletirem: quem cuida de quem dedica a vida a cuidar dos outros? Conforme avaliam profissionais da saúde mental, a alta exposição ao sofrimento humano, sobrecarga de jornadas e condições precárias de trabalho e desgaste emocional profundo pode refletir em conflitos pessoais, familiares e sociais.

Além disso, especialistas ouvidos pelo Jornal Midiamax apontam que, além da pressão profissional, o desafio de ‘cuidar sem ser cuidado’ e a dificuldade de se desligar do ambiente hospitalar contribuem para um cenário de exaustão e adoecimento psíquico.

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Conforme o psicólogo Walkes Jacques Vargas cuidar do outro em momentos tão delicados é bastante complexo, e, somado à jornada excessiva e condições de trabalho precárias, pode impactar na saúde mental, bem como desencadear relações pessoais, afetivas, familiares e sociais conflituosas.

“A OIT (Organização Internacional do Trabalho) elenca como riscos psicossociais: carga de trabalho excessiva; ritmo elevado; jornada de trabalho; comunicação deficiente; conflitos nas relações interpessoais; assédio moral no trabalho; problemas nas relações familiares; ausência de vida social devido a longas jornadas de trabalho; dentre muitos outros”, destaca.

Dificuldade em se desligar do trabalho 

Para o psicoterapeuta Renisson Araújo, um dos principais fatores que afetam a saúde mental dos profissionais da área de saúde é a dificuldade de se desligar do trabalho. Muitas vezes, especialmente as mulheres, criam vínculos emocionais com pacientes e levam essas preocupações para casa. Além disso, como o trabalho envolve cuidado, espera-se que fora do hospital esses profissionais também sigam cuidando de outras pessoas, o que aumenta ainda mais a sobrecarga.

Isso ocorre principalmente com as profissionais mulheres. Conforme avaliação do psocterapeuta, mulheres já nascem condicionadas ao papel de cuidar. Dessa forma, é esperado que elas cumpram esse papel não apenas dentro das paredes dos hospitais, mas também dentro de casa, com o marido, os filhos, a família e amigos. Isso causa uma sobrecarga emocional e de trabalho. Essa sobrecarga constante leva à exaustão e reforça a desvalorização do cuidado exercido por elas.

Quem cuida de quem cuida? 

O psicoterapeuta Renisson Araújo avalia que os profissionais de saúde estão acostumados a cuidar, mas, muitas vezes, têm dificuldades de se colocar no lugar daquele que precisa ser cuidado. Isso pode ocorrer como mecanismo de defesa contra o sofrimento, que os levam a  rejeitar a própria vulnerabilidade. 

“Isso é muito comum para um profissional da saúde. Às vezes até subestimam [o próprio sofrimento], porque como eles já viram de tudo, eles sentem que na hora de avaliar sua própria condição, [o quadro de saúde] não é sério. Eles alteram essa visão como alguém que tem bastante conhecimento, que sabe o que tá acontecendo, que tá tudo bem”, descreve Renisson.

Walkes completa destacando que os seres humanos estão inseridos em uma sociedade que exige uma alta performance profissional e social. Quando um indivíduo não se encaixa nesse padrão, a responsabilidade é colocada sobre ele próprio, sem levar em consideração as condições que a impediram de alcançar essa normatividade.   

“É preciso cuidar da saúde de quem cuida. E para isso, é necessário também que a vida laboral seja ambientalmente saudável, sem excessos e assédios. Que os trabalhadores tenham condições dignas de trabalho, salários justos e jornadas de trabalho reduzidas que garantam a qualidade de vida das pessoas”, diz. 

Casos recentes em Campo Grande

Na manhã desta terça-feira (30), um enfermeiro de 38 anos morreu após cair do pontilhão da Avenida Ceará. O homem havia passado por uma cirurgia na coluna e também sofria com quadro depressivo e síndrome do pânico. A vítima trabalhava desde 2018 na Santa Casa.

Ele chegou a ser atendido por socorristas do Corpo de Bombeiros e do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), que tentaram reanimar o rapaz por aproximadamente 30 minutos, sem sucesso. Na queda, ele sofreu traumatismo cranioencefálico e politraumatismo.

O caso não é isolado. No mês de junho, André Afif, cirurgião-dentista de renome, com 28 anos de profissão e ampla experiência em Odontologia, também perdeu a vida ao cair do 6º andar do prédio da Santa Casa. O profissional atuava como responsável pelo Núcleo de Pesquisa da Escola de Saúde do hospital. Em depoimento, a família informou as autoridades que o médico sofria com quadro de depressão.

Santa Casa anuncia núcleo de acolhimento

Após a morte de funcionários, a Santa Casa de Campo Grande anunciou a criação de um novo núcleo voltado aos acolhimento e acompanhamento de colaboradores em situação de vulnerabilidade emocional. A medida faz parte da reformulação do Projeto de Saúde Mental do hospital. 

Conforme explica o hospital, o acolhimento psicológico dos funcionários é realizado pelo Sesmt (Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho) e pela Gerência de Gestão de Pessoas. A instituição possui profissionais de psicologia a disposição para atender funcionários que apresentam sinais de sofrimento emocional, que realizam escuta qualificada e, se necessário, direciona para tratamento especializado.

Além disso, a Santa Casa afirma que durante o mês de setembro foram promovidos seminários e campanhas de conscientização sobre saúde mental, com orientações sobre como agir em casos de sofrimento psíquico, seja pessoal ou de colegas de trabalho. 

“Nos exames periódicos e admissionais, já estão em prática questionários específicos para avaliação da saúde mental dos colaboradores, como forma de prevenção e identificação precoce de possíveis quadros de risco. A Santa Casa reforça ainda que oferece plano de saúde aos seus colaboradores, sem custo de mensalidade, como forma de ampliar o acesso à assistência médica e garantir suporte contínuo à saúde física e emocional de sua equipe”, diz a nota encaminhada pelo hospital. 

O que diz o sindicato?

Conforme a do Siems (Sindicato dos Trabalhadores na Área de de Mato Grosso do Sul), Helena Delgado, é oferecido serviço de assistência psicológica aos associados, tanto da Capital, quanto do interior do Estado. Em Campo Grande, os atendimentos podem ser feitos tanto presenciais quanto virtuais, e no Interior do Estado de maneira remota. 

“Temos vários pacientes no programa sendo atendidos pela Drª Maria Eduarda, Psicóloga contratada pelo Siems para prestar esses serviços e acompanhar nossa Categoria. E esse programa se estende aos dependentes, incluindo a este grupo os neurodivergentes”, diz. 

Além disso, o Sindicato destaca que realiza uma série de ações que visam o apoio à saúde mental dos profissionais, em parceria com o setor de Trabalho Seguro do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª região, Cerest (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador), MPT (Ministério Público do Trabalho), e sindicatos. 

“O Siems está sempre em busca de amenizar problemas, como sobrecarga de trabalho ou de jornada, o que foge de nosso controle é quando os profissionais têm mais de um vínculo, pois neste caso a exaustão é presente”, destaca.

Outra medida considerada importante na promoção da saúde mental é o enfrentamento da baixa remuneração dos profissionais de enfermagem. Em parceria com o MPT, Helena ressalta que trabalha na busca de folgas remuneradas e melhorias na base salarial. 

“Nos instrumentos normativos, buscamos cláusulas que componham a renda, e complementam o salário base. Buscamos percorrer vários caminhos para melhorar a remuneração global, o que não é um trabalho fácil, pois as empresas no geral não priorizam a saúde mental, e focam nos lucros. Por isso buscamos através dos instrumentos também as folgas periódicas, fora as folga estabelecidas por Lei e sem redução de salário, para tentar ofertar ao trabalhador mais tempo de convivência em família”, finaliza. 

Diálogo salva vidas

Especialistas ressaltam que o diálogo salva vidas e ele pode ser feito entre familiares, amigos e especialistas, como psicólogos, terapeutas e médicos psiquiátricos. Há também entidades que prestam o serviço gratuitamente para facilitar o acesso da população, como:

  • Grupo Amor Vida

O Grupo Amor Vida (GAV) presta um serviço gratuito de apoio emocional a pessoas em crise. O horário de funcionamento e das 7:00 às 23:00, inclusive sábados, domingos e feriados. Conte a ajuda também por e-mail: precisodeajuda@grupoamorvida.ong. Mais informações no site.

  • Centro de Valorização da Vida

O CVV (Centro de Valorização da Vida) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.

Você pode conversar com um voluntário do CVV ligando para 188 de todo o território nacional, 24 horas todos os dias de forma gratuita, ou enviar o email por este link. Você pode enviar uma carta ou conversar pessoalmente com um voluntário do CVV em horário comercial. Consulte os endereços dos postos aqui e acesse o site oficial neste link.

Além disso, o Jornal Midiamax publicou um guia, indicando onde encontrar atendimento psicológico gratuito ou com preços acessíveis em Campo Grande. Clique aqui para acessar o material na íntegra.

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