A pintura nova, em azul e amarelo — ainda fresca e característica da educação municipal —, destoa da poeira e das casas humildes da vizinhança do Parque do Lageado. Por trás dos muros da Escola Municipal Tomaz Ghirardelli, a impressão que aflora é de que a educação e o cuidado com cada aluno representam uma possibilidade de salvação em meio a uma área periférica de Campo Grande.
Inclusive, há uma história peculiar na nomeação da escola, ligada ao padre italiano que deu nome à instituição e passou a maior parte da vida em paróquias da Capital. Fundada há duas décadas, a unidade é um ponto de referência por atender crianças e adolescentes de bairros como Dom Antônio Barbosa e Parque do Sol, que são regiões que cresceram por meio de ocupações urbanas irregulares.
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No entanto, o desalento da fortuna não faz jus à riqueza que só a educação proporciona. Neste cenário, a maior escola municipal de Campo Grande, que fica na região do Lageado, possibilita um futuro promissor para crianças e adolescentes.
Mais de 2,5 mil estudantes
O Jornal Midiamax foi até o bairro conhecer o que motiva a excelência educacional da maior escola com zona eleitoral da Capital. Atualmente, cerca de 2,5 mil alunos estudam na unidade, divididos entre os períodos matutino e vespertino, além da EJA (Educação de Jovens e Adultos) à noite.
Para se ter uma ideia da dimensão do espaço, são nove blocos e 37 salas de aula — todas cheias —, além de quadras de esportes e laboratórios. Ainda, o local é 100% monitorado por câmeras de segurança, como explica o diretor André Moretti.
Há diversos projetos pedagógicos de destaque. Um deles chama atenção por extrapolar a grade curricular, ao preparar os pequenos para a vida financeira na fase adulta: o Projeto Poupar, idealizado pela docente Marli Silva Yamaura.
“As crianças apresentavam dificuldade para escrever sobre o real. No quinto ano, a escrita precisa estar consolidada para avançar ao sexto. Resolvi então criar um projeto que incentivasse o hábito de poupar. Eles conversavam com os pais, pois precisavam começar poupando dinheiro real — seriam R$ 5 mensais até novembro, quando faríamos um passeio com o valor economizado. No entanto, alguns pais enfrentavam dificuldades financeiras, então mudamos o formato. O passeio permanece — vamos ao Bioparque Pantanal, que é gratuito —, mas agora o dinheiro é fictício. Eles têm um pacotinho, uma ficha, um banco, como se estivessem depositando. Nas aulas, praticam a escrita. É uma forma de aprender”.

‘Economizo’
Os “pupilos”, orgulhosos, contam que passaram a tomar decisões responsáveis com o dinheiro, chegando a atuar como “contadores” em suas famílias.
“Poupar é guardar seu dinheiro, saber contar e escrever. Muita gente não sabe. A professora nos ajudou muito, isso nos ensinou o valor do dinheiro. Eu já guardo o meu”, expõe Marina Vieira da Silva, de 10 anos.
“Em casa, economizo. Aprendi a ler de centavos ao real, coisa que eu não sabia no quarto ano. Agora, além de saber, ensino até meus pais”, completa Davi Soares, também de 10 anos.

Clube de Ciência
E por falar em futuro, jovens cientistas, entre 13 e 15 anos, desenvolvem projetos ambiciosos até mesmo para adultos profissionais. As iniciativas visam beneficiar toda a comunidade, como estudos meteorológicos e produtos de saúde.
O Clube de Ciência foi premiado com o 2º lugar na Fetec (Feira de Tecnologias, Engenharias e Ciências de Mato Grosso do Sul), em 2024, com um projeto de combate à infestação de piolhos por meio de um xampu à base de plantas medicinais.
Um dos professores responsáveis pela disciplina é Rodrigo Parreira, que acompanha a construção de uma estação meteorológica. Contudo, algumas peças foram feitas com impressora 3D, além da montagem de circuitos e instrumentos automáticos. Logo, a ideia é de que a escola se torne uma base de monitoramento climático contínuo no bairro Lageado.

“Desenvolvemos o projeto em parceria com o IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul). Esses projetos despertam o interesse dos alunos pela área científica e incentivam a participação em feiras municipais e federais”.
Rafaella Vieira Alexandre, de 15 anos, e Álvaro Vicente da Silva Dias Arguelho, de 12 anos, lideram esse projeto ousado. Álvaro explica com orgulho a função de cada peça da estação e ainda relata que, fora da escola, construiu um carrinho movido a energia solar.
“Estava andando na rua e achei uma placa solar. Consegui a fiação e instalei. Fiz tudo sozinho. Foi bem fácil. O carrinho se move com a luz do sol e para na sombra”, descreve.
Logo, Rafaella conta que seu interesse pela ciência surgiu no 7º ano: “Vim ao laboratório para uma aula prática e quis aprimorar meus conhecimentos”.
Dois anos de estudo contra piolhos
Já Lucas Gabriel, de 12 anos, e Eduardo Lessa, de 13, são responsáveis por um xampu natural que combate piolhos, resultado de dois anos de estudo, sob orientação da professora Lilian Ribeiro da Silva.
“Na feira, fomos com muita pressão, pois era nossa primeira apresentação. Tivemos um ótimo resultado, ficando em segundo lugar na categoria Ciências Biológicas. Este ano, vamos ainda melhores”.
Sobre o processo, Lucas explica que encontraram uma criança com o parasita, cujo nome científico é Pediculus humanus. Logo, descobriram que o bicho tem vida curta fora do cabelo, analisando a adaptação em contato com o produto.
“Utilizamos a folha e o caule do boldo, melão-de-são-caetano e arruda. O melhor resultado foi com a arruda. Concluímos que valeu a pena. Vai ajudar muitas pessoas”, completa Eduardo.

Do tatame escolar a campeonatos estaduais
Numa pequena sala ao fundo da escola, com um tatame incompleto feito de EVA, alunos de 8 a 15 anos participam de aulas de karatê ministradas pela sensei Katiuscia Camargo. As faixas variam do branco ao verde.
Foi ali que surgiu uma promessa do esporte: Maryelly Soares Silva, 14 anos. Assim, ela conta que começou por incentivo dos amigos, sem nenhuma pretensão.
“Comecei sem muitas expectativas, achei que não ia durar. Mas tudo mudou e hoje o esporte é tudo para mim. Já ganhei mais de 10 medalhas e não quero parar. Estou na faixa laranja, a 4ª Kyu, e fui reconhecida”.
Para a sensei, o esporte vai além da evasão escolar ou da violência. “Ampliamos disciplina, força e concentração. Temos três turmas no projeto, com 75 alunos. Eles participam de torneios estaduais e dos Jogos Escolares. Maryelly, por exemplo, foi vice-campeã entre seis atletas”.

O milagre com os recursos públicos
A maioria dos projetos — ou melhor, todos — conta com a dedicação exclusiva dos professores, que não só ensinam, mas também financiam, muitas vezes, com recursos próprios.
O diretor Moretti explica: “Os projetos sociais recebem verbas federais e municipais, mas são pensados para escolas com menos de 300 alunos. Nossa escola tem 2,5 mil. Sempre ficamos no prejuízo. O recurso que chega não é proporcional, mas não nos queixamos. Corremos atrás para fazer acontecer”.
Horta escolar
De morango a melancia, passando por salsinha e pepino, a horta no corredor da escola também contribui para a merenda. Moretti destaca que o sistema de irrigação com garrafas PET é monitorado pelos próprios alunos e funciona até durante as férias.
“Nosso maior feito foi uma melancia linda, por exemplo. Agora, estamos cultivando morangos. É um projeto interdisciplinar. Plantamos rabanete e, no fim do ciclo, realizamos o Dia da Alimentação, em que os alimentos vão para o lanche”.

Fanfarra
Em 2024, a escola recebeu 60 novos instrumentos da Prefeitura para a fanfarra, sob comando do maestro Marcelo Peres. Sendo assim, a escola é reconhecida por ter uma das melhores bandas da modalidade na Capital.
“A fanfarra transforma vidas. Temos ex-alunos que continuam nela e não querem sair, por exemplo. Já se apresentaram no desfile cívico de Bandeirantes e participam de festivais. O maestro espalha os alunos no pátio e o som arrepia. É surpreendente como ele transforma os estudantes. Na semana passada, cada um fazia um som estranho. Dois dias depois, tocavam lindamente. Ainda assim, ensinou o hino de Campo Grande em dois dias!”, diz Moretti.

Os diamantes lapidados pela educação
Por fim, em meio às incertezas, uma coisa é certa: a educação, promovida pelos docentes da escola — mesmo com escassez de recursos —, molda futuros. Futuros, no plural, pois a educação amplia as possibilidades e não limita destinos.
Portanto, a ideia de que a vulnerabilidade destrói sonhos é desmentida pela presença vibrante de professores que acreditam na transformação pela educação.
“Atendemos uma região em situação de vulnerabilidade. Logo, precisamos formar cidadãos capazes de transformar sua realidade e a do lugar onde vivem”, conclui o diretor.
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(Revisão: Dáfini Lisboa)