Questão de saúde pública: Saiba tudo sobre a PEC que busca o fim da jornada 6×1 de trabalho
A proposta quer uma revisão das atuais 44 horas semanais de trabalho; para médica, a questão é urgente
Liana Feitosa –
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Afinal, o que é a jornada de trabalho 6×1 e o que quer a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que está em votação na Câmara dos Deputados, em Brasília?
A proposta quer uma revisão das atuais 44 horas semanais de trabalho. A Constituição Brasileira, no artigo 7º, estabelece que a jornada do trabalhador no país não pode ultrapassar 8 horas diárias, ou seja, 44 horas semanais.
Sobre a PEC
As 44 horas semanais resultam em jornadas de 6 dias de trabalho e 1 de descanso por semana, ou seja, a jornada de 6×1. A proposta que tramita na Câmara dos Deputados quer o fim dessa escala e ainda vai além, busca uma redução para a escala 4×3, ou seja, com 4 dias de trabalho e 3 de descanso.
“Esta emenda à Constituição surge a partir das demandas e reivindicações dos trabalhadores, por meio de mecanismos participativos, em que quase 800 mil brasileiros e brasileiras cobram do Congresso Nacional o fim da jornada 6×1 e adoção da jornada de trabalho de 4 dias na semana, evidenciando a relevância e o respaldo significativo da sociedade em relação à necessidade de reformas na legislação trabalhista”, diz trecho da justificada da PEC de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP).
Para que a proposta siga para discussão no Congresso Nacional eram necessárias ao menos 171 assinaturas de deputados federais. O número foi ultrapassado no final da manhã desta quarta-feira (13), quando 194 deputados se manifestaram favoráveis.
A proposta ainda deverá ser aprovada no Senado e sancionada pela presidência para ser incorporada à Constituição Brasileira. Para ler o texto da proposta na íntegra, acesse aqui.
Questão de saúde pública
“Uma redução legal da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais que abranja a todos os trabalhadores, pois todos necessitam ter mais tempo para a família, para se qualificar diante da crescente demanda patronal por maior qualificação, para ter uma vida melhor, com menos problemas de saúde e acidentes de trabalho – e mais dignidade”, defende outro trecho da PEC.
A questão de saúde é apontada como fundamental por vários profissionais da área.
Segundo a médica Raíza Travain Nascimento, especialista em Medicina de Família e Comunidade, que atua no SUS (Sistema Único de Saúde), o nível de adoecimento da população relacionado com o trabalho é muito grande.
“É o que percebemos no padrão de adoecimento da população. Trabalho no Sistema Único de Saúde há 8 anos, no atendimento à população em postos de saúde. Todos os dias atendo pessoas demonstrando sinais de adoecimento físico e psicológico causados e/ou exacerbados pela jornada de trabalho extenuante”, analisa a profissional.
“Percebe-se o desenvolvimento de lesões osteomusculares extensas devido a movimentos de repetição, dificuldade em realizar atividade física regular para benefício cardiovascular e controle dos outros problemas de saúde inerentes ao envelhecimento populacional, falta de tempo de qualidade vivenciado com a família e com o lazer”, completa a médica.
Esses problemas se avolumam e geram grande pressão no sistema público de saúde, e também prejuízos aos próprios empregadores, com a necessidade de repetidos afastamentos por problemas de saúde entre os trabalhadores.
“(Surgem) diversas condições que cronificam-se e contribuem para o desenvolvimentos dos Transtornos de Humor que prejudicam a saúde mental, como depressão e ansiedade. É uma cascata de adoecimento, tanto individual quanto coletiva, que precisa ser revista de forma urgente”, afirma a médica.
Apesar desses fatos, entidades ligadas ao patronato, ou seja, aos empregadores, têm se posicionado fortemente contra o fim da jornada 6×1.
Quem está contra
Entre os setores apontados como os que seriam mais afetados pela mudança estão o de bares e restaurantes, assim como o comércio.
Para o presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Paulo Solmucci, a possível alteração da jornada vai prejudicar os consumidores.
“(Essa) é uma proposta estapafúrdia e que não reflete a realidade. As regulamentações estabelecidas pela Constituição e expressas na CLT são modernas e já trazem as ferramentas para garantir condições de trabalho dignas e justas aos colaboradores”, afirmou em nota divulgada pela entidade.
“A legislação atual permite que os trabalhadores escolham regimes de jornada adequados ao seu perfil, sem a necessidade de uma alteração constitucional que impacte a operação dos estabelecimentos em todo o Brasil, além de prejudicar os consumidores”, completa Solmucci.
A FCDLMS (Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Mato Grosso do Sul) segue argumentação parecida.
“A possibilidade de mudar a escala de trabalho é um risco para a estabilidade financeira das empresas. O que gera emprego é o desenvolvimento econômico impulsionado por políticas públicas favoráveis, não é a redução da jornada de trabalho”, afirmou, também em nota divulgada pela entidade, a presidente Inês Santiago.
“A mudança vai gerar custos adicionais e impactar até mesmo na produção. Com isso, o empregador teria que contratar mais trabalhadores, onerando a sua folha, para dar conta da mesma demanda diária e, consequentemente, terá que fazer cortes em outras áreas da empresa”, defendeu Santiago.
No entanto, esses argumentos têm sido testados, e o modelo já foi aderido em empresas de diferentes países, como Reino Unido, Estados Unidos, Espanha, Austrália e até mesmo no Brasil.
Jornada 4×3 já foi testada no Brasil
Neste ano, uma parceria entre uma empresa de consultoria, a organização 4 Day Week Global e a Fundação Getúlio Vargas, testou a jornada 4×3 no Brasil, que prevê 4 dias de trabalho e 3 de folga.
Entraram no projeto-piloto 21 empresas de vários setores do país, os testes duraram 6 meses. Ao final do projeto, 19 empresas participantes decidiram seguir com a redução do tempo de trabalho.
Ao todo, 252 funcionários participaram do teste no Brasil. Segundo o relatório final, 87,4% dos colaboradores disseram sentir mais energia para trabalhar, 72,8% disseram estar menos estressados por causa do trabalho, 42% estavam dormindo melhor e mais da metade (52,6%) notaram uma melhoria na capacidade de cumprir prazos.
O relatório ainda mostrou que 83,3% das altas lideranças notaram melhoria nos processos da empresa e 75% perceberam uma otimização do uso da tecnologia.
Faturamento cresceu
Em relação às finanças das empresas participantes, 72,7% registraram aumento de receita em 2024 em comparação com 2023, enquanto 27,3% tiveram diminuição. Em relação aos lucros, 63,6% relataram crescimento, e 36,4% enfrentaram uma redução.
Menos pedidos de demissão
Já em relação aos funcionários, 16,7% dos participantes afirmaram que não mudariam de emprego, independentemente do valor, se isso significasse voltar a trabalhar cinco dias por semana.
Outros 40,4% dos funcionários que participaram do projeto relataram que só considerariam retornar ao regime antigo de horas de trabalho se os contratantes dobrassem o salário.
O relatório ainda mostrou que o feedback da alta liderança foi muito positivo: 84,6% dos líderes acreditam que a participação no piloto trouxe benefícios para a empresa, com melhorias em produtividade, bem-estar dos funcionários e engajamento.
Apenas 15,4% dos gestores permaneceram neutros, indicando que a experiência não trouxe mudanças perceptíveis para eles.
Para o ano que vem, uma segunda edição do projeto será executada no Brasil. As empresas interessadas podem acessar este formulário para fazer a inscrição.
Deputados de MS que votaram a favor
De Mato Grosso do Sul, quatro deputados federais assinaram a proposta, sendo favoráveis à mudança. Foram eles: Camila Jara (PT), Dagoberto Nogueira (PSDB), Geraldo Resende (PSDB) e Vander Loubet (PT).
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