PL que muda Código Florestal abre caminho para devastação do Pantanal e Cerrado, alertam entidades

O PL 364/19 possibilita a transformação de campos nativos em áreas rurais em todos os biomas do país

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Pantanal
Fazenda desmatada no Pantanal sul-mato-grossense (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Em meio às mudanças climáticas extremas que assolam o Brasil, como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca na região Centro-Oeste, um novo Projeto de Lei tem gerado polêmica na Câmara dos Deputados. O PL 364/19 propõe alterações no Código Florestal, o que pode resultar na desproteção de aproximadamente 48 milhões de hectares de campos nativos no país.

Em Mato Grosso do Sul, essa medida pode ter impactos irreversíveis aos biomas. Conforme estudo da SOS Mata Atlântica, a aprovação do projeto resultaria na desproteção de 50% do Pantanal, equivalente a 7,4 milhões de hectares, e 7% do Cerrado, cerca de 13,9 milhões de hectares.

Para os ambientalistas, o projeto possibilitaria a conversão irrestrita de campos nativos para diferentes usos do solo, como agricultura, pastagens e mineração, sem a necessidade de limitações ou autorizações administrativas.

Além disso, o PL deve afetar 32% da região dos Pampas, totalizando 6,3 milhões de hectares desprotegidos, e quase 15 milhões de hectares na Amazônia. Essas consequências acendem alerta para os potenciais danos ambientais.

PL possibilita anistia

Diretor-presidente da Ecoa, André Luiz Siqueira, explica que o Projeto de Lei surgiu de um extenso conjunto de PLs criados em 2019 com o intuito de fragilizar a legislação da Mata Atlântica. No entanto, dentro do escopo do projeto, estão inclusas anistias, que, segundo o ambientalista, concederiam perdão aos responsáveis pelos desmatamentos.

“Essas anistias, articuladas pela bancada ruralista, possibilitou que o PL, antes voltado à desproteção dos campos de altitude nos Pampas e Mata Atlântica, abrangesse qualquer campo nativo em todos os biomas do país”.

Segundo o biólogo, a anistia beneficiaria produtores que, a partir de 2008, desmataram pastagens naturais para plantações ou cultivos de grãos, e que agora enfrentam cobranças para a recuperação ambiental ou estão envolvidos em processos judiciais.

“Esse é um movimento antigo que ocorre desde a aprovação do novo Código Florestal em 2012, incluindo a própria demora na conclusão dos CARs (Cadastros Ambientais Rurais), tudo isso tem como plano de fundo a anistia para os que estão em situação irregular”.

Efeitos ao meio ambiente

Pantanal
Desmatamento (Arquivo, Midiamax)

Gustavo Figueirôa, biólogo e ambientalista da ONG SOS Pantanal, alerta que o PL é uma forma de legalizar o desmatamento desenfreado dos biomas sul-mato-grossenses.

“Hoje, mesmo em áreas protegidas ocorre desmatamento, seja de forma legal ou ilegal. O desmatamento legal ocorre quando há brechas na legislação. Na região de Bonito, por não ser reconhecida como parte da Mata Atlântica, o Estado permite licenças para desmatamento”, explica.

Para o ambientalista, o PL trará impactos imensuráveis, tanto na Planície Pantaneira, quanto em outros biomas de MS, como o Cerrado e a Mata Atlântica.

Dados do Relatório Anual do Desmatamento do MapBiomas indicam que o Pantanal registrou a maior taxa de desmatamento do quadriênio em 2022. Ao longo desse período (2019-2022), ocorreu o desmatamento de cerca de 101 mil hectares, equivalente a quase o tamanho da cidade do Rio de Janeiro.

Desmatamento impulsiona mudanças climáticas extremas

Pantanal
Fogo no Pantanal (Divulgação)

O desmatamento, a exploração madeireira e os incêndios florestais associados ao fenômeno El Niño propiciam mudanças climáticas extremas que ocorrem em todo o país.

Conforme o Ipam Amazônia, quando há alterações no uso do solo para dar lugar à agricultura ou a outras formas de uso da terra, ocorre a liberação em excesso de carbono na forma de CO₂ para a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global.

Gustavo Figueirôa ressalta que o projeto expõe o despreparo dos legisladores do país, uma vez que desastres ambientais e as mudanças estão diretamente ligados às políticas de preservação ambiental.

“Estamos assistindo ao maior desastre climático da história do Brasil no Rio Grande do Sul. Enquanto isso, os deputados querem votar para diminuir áreas protegidas, que já não são muitas no Brasil. É um projeto nefasto que mostra o tamanho da ignorância dos nossos legisladores”, afirma.

Para André Luiz, o desastre ambiental no Rio Grande do Sul reflete a gravidade dos impactos ambientais decorrentes da falta de políticas de preservação.

“Assim como vimos em Brumadinho e Mariana, após essas tragédias, houve um fortalecimento das legislações relacionadas à preservação ambiental. O que ocorre no Rio Grande do Sul é consequência das fragilidades e flexibilizações na legislação ambiental, combinadas com eventos climáticos extremos que estão se tornando mais frequentes. Por isso, acredito que essa proposta deve ser rejeitada”.

O projeto

Representado pelo deputado Alceu Moreira (MDB) e com texto original da senadora Ana Amélia (PP), ambos parlamentares do Rio Grande do Sul – estado que enfrenta o maior desastre ambiental do país – o projeto prevê a alteração do Código Florestal e mudanças significativas na Lei da Mata Atlântica.

A origem do PL decorre das ações de fiscalização e autuações do Ibama em áreas de campos de altitude na região sul do país. Na justificativa, os parlamentares argumentam que o projeto pretende ‘disciplinar a conservação, a proteção, a regeneração e a utilização dos Campos de Altitude. Ecossistema localizado na Região Sul do País e associado ou abrangido pelo bioma Mata Atlântica’.

“Os produtores rurais nos chamados ‘Campos de Cima da Serra’ estão praticamente inviabilizados na utilização de suas propriedades”, diz a justificativa da proposta. “Extensas porções de terras não podem produzir, e agricultores que plantam nessas áreas por pura necessidade de sobrevivência, acabam sendo autuados e tratados como criminosos.”

No entanto, ambientalistas alertam que o texto representa um grave retrocesso ambiental ao liberar o desmatamento em todas as áreas do Brasil com vegetação classificada como não florestal.

PL 364/19 ameaça Lei do Pantanal?

Sancionada no final do ano passado, a Lei do Pantanal, elaborada em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, estabelece regras para o cultivo agrícola, produção pecuária e a criação de um fundo para programas de pagamento por serviços ambientais. No entanto, a aprovação do PL 364/19 pode impactar a autonomia da Lei do Pantanal.

“Trata-se de uma lei federal, portanto, acredito que terá um impacto significativo, apesar da Lei do Pantanal ser bem elaborada. A legislação federal abrirá brechas para desmatamentos, e o problema das legislações ambientais no Brasil são sempre as brechas”, afirma o biólogo.

Conforme Gustavo Figueirôa, o projeto abre brechas para que produtores possam desmatar ainda mais as áreas de vegetação nativa, justificando o desmatamento como legal. “Nem sempre o desmatamento legal é correto”, esclarece.

Para André Luiz Siqueira, é cedo para afirmar se o PL afetaria a autonomia da legislação pantaneira. Conforme o biólogo, antes de tudo é fundamental compreender como a lei do Pantanal irá interagir com uma possível aprovação desse Projeto de Lei.

“O processo legislativo ainda está em curso, devendo passar pelo Senado, e estamos aguardando desdobramentos, na expectativa que não deva passar. A lei do Pantanal tem dispositivos claros quanto ao desmatamento e à conversão de campos nativos, além de contemplar particularidades do bioma, garantindo a preservação”.

CCJ aprovou projeto por maioria

PL
Câmara Federal (Divulgação)

Em 20 de março, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados aprovou o PL por 38 votos favoráveis e 18 contrários, em caráter conclusivo, ou seja, se não houver recurso para votação no plenário, o texto seguirá para apreciação no Senado.

Na prática, o projeto altera o Código Florestal para considerar como áreas rurais consolidadas as formas de vegetação nativa. Área rural consolidada consiste em uma categoria prevista pelo código que permite a exploração da área mediante comprovação de uso antrópico (pelo homem) anterior a 22 de julho de 2008.

Com a alteração, seria possível transformar todas as áreas de campos nativos do país em áreas de uso rural consolidado e, portanto, não passíveis de licenciamento ambiental para conversão com o intuito de uso agrícola.

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