Pressão para aumentar tarifa estaria por trás de greve dos ônibus, denunciam funcionários

Presidente do Sindicato nega e diz que paralisação é ferramenta para pressionar reajuste salarial

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Imagem ilustrativa (Henrique Arakaki, Arquivo Midiamax)

Funcionários e ex-funcionários do Consórcio Guaicurus afirmam que a paralisação de motoristas do transporte público urbano prevista para a próxima segunda-feira (25) estaria alinhada a estratégia pelo reajuste da tarifa de ônibus em Campo Grande.

Ouvidos pelo Jornal Midiamax, os trabalhadores reforçam que a decisão da greve não teria partido efetivamente da categoria, mas da direção do STTCU (Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Coletivo Urbano), unilateralmente.

Conforme os relatos, a credibilidade da atuação do sindicato é colocada em xeque, já que as paralisações ocorrem sempre em paralelo com reivindicações de reajuste tarifário por parte do Consórcio.

“As paralisações sempre são anunciadas após algum desacordo entre a Prefeitura de Campo Grande, normalmente na Justiça. Além disso, o sindicato não tem um diálogo com os motoristas. Não somos contra a gente ter reajuste, que anualmente tem que ser concedido, com base na inflação, como é com todo mundo. Mas todo mundo questiona essas decisões, elas ficam correndo em WhatsApp, tem uma pressão para participar, não é espontâneo. E a gente praticamente não vê esse pessoal [do sindicato]”, relata um funcionário, que pede sigilo por medo de retaliações.

Mas há quem faça declarações semelhantes às claras. Conhecido como “príncipe do Consórcio Guaicurus”, o ex-funcionário Weslei Conrado Moreli reforça que as decisões de paralisação são instrumentalizadas e que beneficiam as empresas, no fim das contas.

“Pode ter certeza que essa paralisação não vem dos motoristas, é o sindicato e o patrão para aumentar a passagem. Isso é triste, porque não tem investimento, não melhora ao usuário. E usam o motorista como massa de manobra”, relata Weslei, que atualmente não mora mais em Mato Grosso do Sul.

“Motorista só conhece o sindicato na hora de ser mandado embora. O sindicato não vai nos terminais, não está vendo as condições que a gente dirigia, a maioria não sabe bem quem é da direção. Difícil encontrar alguém que afirme isso que tô dizendo, eles têm medo, precisam do emprego”, acrescenta.

Movimento social também reforça coincidência de agendas

Representando o Ligados no Transporte, movimento social que monitora a qualidade do serviço de transporte urbano de Campo Grande, Gabriel Santos também reforça que uma paralisação de motoristas por reajuste salarial, embora um direito, beneficia diretamente as empresas.

“Esse reajuste salarial é anual e obrigatório. A categoria vai ter o reajuste. A diferença é que o consórcio tá usando tanto o reajuste salarial quanto renovação de frota para condicionar e forçar o aumento na tarifa”, pontua.

Para Gabriel, o reajuste também garantiria que o Consórcio mantivesse a margem de lucro que vem tendo desde o início do contrato.

“Eles já tiveram o reajuste, mesmo que abaixo do solicitado, e tanto Prefeitura quanto o Estado vem subsidiado o transporte desde a pandemia. São subsídios milionários. Mas a operação só vem caindo e, hoje, não dá para ter confiabilidade de 100% da operação durante o dia, visto que há a falta de motorista. Tem dias que linhas, como a 076, circulam com os três veículos que deveria na parte da tarde, tem dias que circula com um só”, denuncia.

Ele também reforça que a queda na operação e da qualidade do serviço, além da já mencionada falta de confiabilidade, acaba “empurrando” usuários para o transporte alternativo. “Menos gente pegando ônibus e menos dinheiro entrando no bolso deles. Para compensar isso, querem o reajuste”, pontua.

O que diz o STTCU

Procurado pela reportagem, o STTCU pontuou como improcedentes as afirmações e reforçou que paralisações são ferramentas dos trabalhadores para pressionar a garantia de direitos.

“Quando a gente toma uma decisão dessas, é porque a pressão da categoria é muito grande, devido à demora que vem ocorrendo nas negociações. Ninguém toma decisão para favorecer ninguém, tomamos as decisões para favorecer a categoria. Estamos negociando desde outubro, fizemos quatro rodadas de negociações e ficou parado em 4%. Então, a gente tinha que tomar uma decisão, até porque a pressão era muito grande do trabalhador para uma definição. E a gente tem na mão essa ferramenta, que é uma maneira de pressionar, que é a paralisação. A gente senta com o Consórcio e a Prefeitura e se a gente não conseguir avançar com as nossas necessidades, a gente para. Não tem nada fora do normal”, declarou à reportagem o presidente do STTCU, Demétrio Freitas.

Reajustes e equilíbrio financeiro

Em março, a tarifa de ônibus em Campo Grande subiu de R$ 4,65 para 4,75. O reajuste foi concedido após batalha judicial entre a Agereg (Agência Municipal de Regulação de Serviços Públicos) e o Consórcio Guaicurus, iniciada em dezembro de 2023, na 4ª Vara de Fazenda Pública e de Registros.

Além disso, uma espécie de terceiro turno também judicialmente travado culminou em ordem para que a Prefeitura efetue a revisão contratual para restabelecer equilíbrio financeiro do conglomerado de empresas, conforme decisão recente do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Na mesma sequência, o Consórcio condiciona a substituição da frota vencida, mesmo esse investimento sendo obrigação contratual, a um segundo reajuste no ano no preço das passagens. “A renovação da frota, que hoje o Consórcio está impedido de fazer, é pelo desequilíbrio econômico-financeiro do contrato”, disse ao Jornal Midiamax.

O que estaria em jogo, portanto, seria o aumento da tarifa técnica – atualmente o valor é R$ 5,95, mas o Consórcio pede aumento para R$ 7,79. Parte do valor seria repassado aos usuários, diretamente, mas o restante viria dos cofres públicos, por meio de subsídios. O pedido seria explicado pelo preço do combustível e queda no número de passageiros – que teriam desequilibrado as finanças do grupo – e justificaria o baixo investimento.

Nesse contexto, vale lembrar que laudo judicial anexado em uma das ações judiciais envolvendo Prefeitura e Consórcio aponta que apenas nos primeiros anos de contrato o Consórcio faturou mais de R$ 68 milhões – números sem atualização inflacionária para os dias atuais. Além disso, entre março de 2023 e abril deste ano, o faturamento teria sido de R$ 195.645.188,20, conforme dados da Agetran (Agência Municipal de Trânsito) a que o Jornal Midiamax teve acesso.

Ainda conforme a tabela da Agetran, de monitoramento da demanda transportada, a venda de passagens mensal é estimada em 2,3 milhões – o que renderia cerca de R$ 163 milhões mensais ao Consórcio.

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