Noticiar suicídios não deve ser tabu, mas requer cautela para não causar ‘Efeito Contágio’
No setembro amarelo, Mato Grosso do Sul registrou 13 suicídios em 9 dias
Lethycia Anjos –
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Muitas vezes envolto em estigma, o suicídio é um grave problema de saúde pública que traz impactos significados na sociedade. Neste mês, com o início da campanha ‘Setembro Amarelo’, dedicado à prevenção do suicídio e à promoção da saúde mental, é comum que o assunto entre em pauta e seja noticiado com maior frequência, contudo há uma linha tênue entre a visibilidade e a espetacularização do tema.
Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que, a cada ano, mais pessoas morrem por suicídio do que por HIV, malária, câncer de mama, guerras ou homicídios. Esse dado ressalta a importância de discutir amplamente o tema, o que difere da mera divulgação de casos isolados, que pode gerar gatilhos a pessoas em situação de risco.
Nesta terça-feira, 10 de setembro, é celebrado o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, organizado pela IASP (Associação Internacional para Prevenção do Suicídio) endossado pela OMS. A data simboliza o compromisso global de focar a atenção na prevenção do suicídio.
Em setembro, MS registrou média de 1,4 suicídios por dia
De janeiro a setembro deste ano, Mato Grosso do Sul registrou 107 suicídios, conforme dados do sistema Sigo Estatística. Somente entre os dias 1° e 9 deste mês ocorreram 13 casos no Estado, o que corresponde a uma média de 1,44 mortes por dia.
Os homens são as principais vítimas, representando 86 casos registrados, o que corresponde a 80% das mortes. Os dados divulgados pela Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) também revelam que os adultos são o grupo mais afetado, com 49 casos, seguidos por jovens de 15 a 29 anos (36 ocorrências), idosos a partir de 60 anos (16) e adolescentes (3).
Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta causa de morte, atrás de acidentes de trânsito, tuberculose e violência interpessoal. Complexo que pode afetar indivíduos de diferentes origens, gêneros, culturas, classes sociais e idades.
Apesar do alto número, os casos registrados são menores se comparados ao mesmo período dos anos anteriores. Em 2023, o Estado contabilizou 124 casos até setembro. Já em 2022, Mato Grosso do Sul vivenciou uma alta no número de suicídios com 178 casos.
Precisamos falar sobre suicídio?
Notícias sobre suicídio levantam um dilema complexo: como conciliar o dever de informar sem ferir a sensibilidade das pessoas ou causar danos adicionais? Esse desafio se torna ainda mais delicado quando a pessoa que cometeu suicídio era uma figura pública ou uma celebridade.
Em casos como esse, o impacto midiático é amplificado, o que exige uma abordagem cuidadosa para evitar a espetacularização do caso ou a criação de um efeito de imitação, conhecido como “Efeito Werther”, ou “efeito contágio” – quando ocorre um aumento do número de suicídios depois de um caso amplamente divulgado.
Nessa perspectiva, muitos veículos de comunicação optam por não divulgar atos de suicídio, uma abordagem que contrasta com a cobertura dada a outras formas de violência, como homicídios, por exemplo. Conforme a Cartilha ‘Comportamento Suicida: Conhecer para prevenir’, da ABP (Associação Brasileira de Psicologia), esse cuidado está baseado na compreensão de que a divulgação inadequada de casos de suicídio não apenas pode ser chocante para o público, mas também aumentar o risco de imitação.
Walter Gonçalves Filho, presidente do Sindjor (Sindicato dos Jornalistas), destaca que a imprensa desempenha um papel fundamental na prevenção ao suicídio. Por isso, é essencial que esse espaço seja utilizado de forma responsável.
“É essencial que a imprensa aborde o tema, mas deve fazê-lo de maneira informativa e orientadora, contando com a colaboração de terapeutas, psicólogos, psicanalistas e outros profissionais capacitados para tratar do assunto”, afirma.
O suicídio costuma virar notícia em cinco situações:
- Quem morreu é uma figura pública ou celebridade.
- O suicídio foi precedido de assassinato, este último perpetrado por quem se matou.
- Atos terroristas, como nos casos de homens-bomba.
- Suicídio provocou problema que afetou a coletividade (por exemplo, engarrafamento).
- Sensacionalismo criado por maus profissionais.
Walter Gonçalves ressalta que, ao surgirem informações sobre casos isolados de suicídio, o ideal é não os noticiar e, principalmente, evitar expor as vítimas, divulgando nome, endereço e meios utilizados. Quando a divulgação se tornar inevitável, a recomendação é não enfatizar a causa da morte.
“Noticiar suicídios pode influenciar outras pessoas com tendências semelhantes. Portanto, a orientação é não publicar essas notícias ou, se isso for inevitável, não destacar a causa do falecimento”, explica.
Estigma e psicofobia são barreiras na procura por atendimento
Em muitos casos, as pessoas só reconhecem a necessidade de cuidar da saúde mental após vivenciarem eventos traumáticos. Gislayne Budib, coordenadora da Rede de Saúde Mental da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), atribui esse comportamento ao estigma e à psicofobia profundamente enraizados na sociedade.
“A psicofobia, infelizmente, persiste, dificultando a busca por ajuda. Hoje temos uma lei que protege as pessoas vítimas desse preconceito, mas ainda é difícil quebrar esse paradigma, por isso focamos em levar informação para acabar com esse preconceito e mostrar que é importante buscar ajuda”.
Caracterizada pelo preconceito contra transtornos mentais, a psicofobia afeta milhões de pessoas globalmente. Dados da OMS indicam que cerca de 720 milhões de pessoas enfrentam doenças mentais, o que representa aproximadamente 10% da população mundial.
“Quando abordamos esse tema, primeiramente buscamos desmistificá-lo e combater a psicofobia. Em seguida, orientamos a pessoa a buscar ajuda especializada. Estamos à disposição para que você inicie um tratamento, faça acompanhamento com um psicólogo ou psiquiatra e não enfrente essa situação sozinho”, explica.
De acordo com Gislayne, a depressão e o suicídio estão relacionados a diversos fatores, como vulnerabilidade socioeconômica, abuso de substâncias psicoativas, separação conjugal e perda de emprego. No entanto, são condições evitáveis.
“As pessoas afetadas costumam sentir uma profunda desesperança, como se não houvesse saída. Por isso, é fundamental investir na prevenção e mostrar que há tratamento e esperança”.
Confira mais detalhes sobre depressão e suicídio:
Sinais de alerta:
- Afastamento das pessoas, até mesmo das mais próximas;
- Desesperança quanto ao futuro;
- Sentimentos negativos frequentes e duradouros;
- Baixa autoestima;
- Mudança de comportamento.
Frases também podem emitir alertas, como por exemplo:
- “Não tenho mais vontade de fazer nada”;
- “Não vejo mais sentido em viver”;
- “Queria dormir e não acordar mais”.
Fatores de risco:
- Doença mental;
- Isolamento;
- Doenças crônicas;
- Uso de drogas (lícitas ou ilícitas);
- Histórico familiar e genético;
- Sentimentos de desesperança, desespero e desamparo.
Procure ajuda
Além do CAPS e UBSs, o cidadão que precisa de ajuda psicológica em Campo Grande conta com alguns programas de apoio, que possuem diferentes tipos de atendimento. Confira abaixo alguns:
GAV (Grupo Amor Vida): presta serviço gratuito de apoio emocional a pessoas em crise através do telefone: 0800 750 5554 (ligação gratuita) ou pelo e-mail precisodeajuda@grupoamorvida.ong.
Coordenadoria de Atendimento Psicossocial da Polícia Civil (exclusivo para agentes e familiares): conta com equipe multidisciplinar de psicologia, serviço social e capelania. Fazem plantão psicológico e encaminhamentos junto aos planos de saúde. Mais informações pelo telefone (67) 99627-6178.
CVV (Centro de Valorização da Vida): oferece apoio emocional e prevenção do suicídio de forma gratuita, todos os dias, pelo telefone, 188, e-mail e chat 24 horas todos os dias.
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