Há 2 anos sem estacionamento rotativo, encontrar vaga no centro de Campo Grande virou desafio aos motoristas
Comerciantes e consumidores reclamam que, sem fiscalização, motoristas ocupam a mesma vaga durante todo o dia, dificultando o acesso e a rotatividade no estacionamento
Lethycia Anjos –
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Há dois anos, a prefeitura de Campo Grande encerrava o contrato com a empresa FlexPark, resultando no fim do estacionamento rotativo na região central. Desde então, estacionar no centro da cidade tornou-se um desafio aos consumidores. Além disso, desrespeito às normas de trânsito também virou rotina entre os motoristas.
Apesar das placas indicarem o contrário, o estacionamento rotativo pago deixou de ser cobrado em 23 de março de 2022. Mesmo com o fim do contrato, a empresa Flexpark atrasou os repasses ao município, resultando em um impasse que se arrasta há anos, causando prejuízos ao centro da cidade.
Nas ruas do centro, tanto motoristas quanto comerciantes são unânimes: a solução para a falta de vagas está no retorno do estacionamento rotativo.
Na ânsia de encontrar uma vaga, o servidor público Gabriel Alves precisou estacionar a quatro quadras do banco onde sua esposa estava.
Ele argumenta que desde o fim do estacionamento rotativo, as vagas passaram a ser ocupadas por um mesmo carro durante todo o dia.
“O fim da cobrança piorou muito a situação no centro. Hoje, as vagas são ocupadas por quem trabalha nas lojas e pelos moradores dos prédios, chegam aqui às 7h e só saem às 19h, não há mais rotatividade”, relata.
Por ter mais de 60 anos, a chefe de cozinha Rosa Fernandes tem a reserva de vaga garantida por lei. No entanto, encontrar um espaço livre, mesmo nas vagas reservadas, tornou-se uma tarefa quase impossível.
“Vim no centro só para pegar um documento, mas tive que rodar a mesma quadra seis vezes até encontrar uma vaga disponível, isso levou 40 minutos”, diz ela.
Desrespeito às leis de trânsito virou rotina
Sem eficiência na fiscalização, o desrespeito às leis de trânsito virou rotina. Segundo a chefe de cozinha, diariamente ela testemunha motoristas que não se enquadram nos critérios de exclusividade estacionando em vagas reservadas para idosos.
“Sempre há pessoas que claramente não têm mais de 60 anos, são jovens, não possuem o cartão de exclusividade, mas estacionam em vagas para idosos. Enquanto eu, que preciso, não consigo encontrar uma vaga”, afirma.
Em poucos minutos no centro, a queixa de Rosa é facilmente constatada. Em um mesmo trecho da Rua 14 de Julho, a reportagem presenciou dois motoristas estacionarem em vagas reservadas para idosos e PCDs (Pessoas com Deficiência), respectivamente, sem o uso do cartão de identificação.
Outra prática comum é a de condutores que estacionam em vagas reservadas para embarque e desembarque, além de motociclistas que param as motos entre dois carros estacionados.
O que diz a lei?
A reserva de vagas é garantida por Lei Federal, com uso regulamentado por meio de Resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito). Conforme a lei, as vagas reservadas para PCDs devem constituir 2% do total de vagas do estacionamento regulamentado.
A lei local assegura à pessoa idosa a reserva de 5% das vagas nos estacionamentos públicos e privados. Conforme a legislação, as vagas devem ser posicionadas para garantir o melhor deslocamento, conforme o Estatuto do Idoso.
No entanto, para estacionar em vagas reservadas, é necessário que o veículo possua um cartão de identificação do usuário, a não apresentação desse documento pode gerar multa ao condutor.
Além disso, os condutores que estacionam em vagas destinadas a idosos ou pessoas com deficiência estão sujeitos a uma multa no valor de R$ 293,47, além da inclusão de sete pontos na carteira de habilitação e remoção do veículo.
Pego de surpresa, o operador Marcelo Santos se deparou com uma notificação de infração emitida pela Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), assim que retornou ao local onde havia estacionado sua motocicleta. Na notificação consta que o motociclista estacionou ao lado/sobre marcas de canalização.
“Estou aqui há seis meses, mas já sinto a dificuldade em achar estacionamento. Hoje parei a moto aqui porque achei que podia, não está claro se pode ou não. Achei que isso era multa”, ressaltou.
Marcelo é natural da Bahia, mas vive em Campo Grande há seis meses. Segundo ele, a falta de informações claras pode acabar induzindo condutores ao erro.
Sem vagas, comerciantes amargam prejuízos
O transtorno não se limita apenas aos consumidores que vão ao centro de Campo Grande. Para os empresários, o fim do estacionamento rotativo resultou em uma redução significativa de clientes.
Djalma Santos, proprietário da loja Beco Acessórios, relata que sua clientela diminuiu muito nos últimos dois anos, ele atribui isso à redução de vagas após a revitalização da Rua 14 de Julho e ao fim do estacionamento rotativo pago.
“Com a falta de rotatividade e diminuição das vagas, uma mesma pessoa permanece estacionada por um longo tempo em uma vaga específica. Aqueles que tentam vir ao centro não conseguem encontrar estacionamento e acabam desistindo, indo embora”, explica.
O comerciante destaca que participou de reuniões entre comerciantes e a administração municipal. No entanto, até o momento, a resolução do problema ficou apenas na promessa.
‘A Rua 14 de Julho morreu’
Após a revitalização da Rua 14 de Julho, a remoção das vagas de estacionamento gerou críticas frequentes tanto por parte dos lojistas quanto dos clientes. Eles argumentam que a redução resultou em um menor fluxo de pessoas e, consequentemente, em uma queda no faturamento das lojas.
Há 50 anos, no centro de Campo Grande, o comerciante Nilton Araújo relata que o fim da cobrança de estacionamento, aliado à redução de vagas, foi um ‘baque’ muito grande aos comerciantes que ainda estavam se recuperando dos impactos pós-pandemia de Covid-19.
“A clientela busca conforto, querem poder estacionar em frente às lojas onde vão fazer suas compras. Ninguém quer caminhar três ou quatro quadras sob o sol. Só estou aqui porque não pago aluguel. Se pagasse, já teria ido embora”, afirma.
Daiana, gerente de uma ótica também localizada na Rua 14 de Julho, ressalta que, devido à escassez de vagas, os consumidores têm optado cada vez mais por fazer suas compras nos shoppings.
“Para ir às lojas, as pessoas precisam pagar estacionamento particular ou estacionar longe das lojas. Entre pagar na rua ou no shopping, elas escolhem o shopping, e acabo perdendo clientes”, relata.
Dívida de R$ 230 mil
No contrato firmado em 2012, ficou estabelecido que a Flexpark deveria repassar mensalmente à Agetran 28,5% da arrecadação da renda bruta obtida com a venda de créditos usados por motoristas para estacionar nas ruas da Capital.
De janeiro a março de 2022, último mês de operação da empresa, a Flexpark acumulou ganhos de R$ 807,7 mil que renderiam repasse de R$ 237.124,30 ao município. Contudo, não pagaram a dívida.
Na ação de execução de título movida pela prefeitura, a Agetran afirma que essa não é a primeira vez que a empresa contrai dívida com o município.
Em 2017, a agência também processou a Flexpark porque a empresa devia mais de R$ 2 milhões em repasses ao município. Além disso, a ação até hoje tramita em fase de recurso.
Devolução de créditos aos consumidores
Em junho de 2022, a Flexpark iniciou a devolução dos créditos retidos aos consumidores. Na ocasião, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) determinou a restituição para todos os consumidores que pagaram tarifa e não fizeram uso.
Com o encerramento do serviço prestado, o promotor de justiça titular da 43ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, Luiz Eduardo Lemos de Almeida, firmou o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para garantir a devolução dos créditos de quem comprou antecipadamente.
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