Com mais de 70% da população adulta acima do peso, demanda por cirurgias bariátricas cresce em MS
Até setembro de 2024, Campo Grande registrou 112 cirurgias bariátricas realizadas pelo SUS
Lethycia Anjos –
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Enquanto o culto à magreza marginaliza corpos considerados ‘fora do padrão’, 453.206 pessoas enfrentam algum nível de obesidade em Mato Grosso do Sul. Esse número representa cerca de 39% de toda a população adulta do Estado, estimado em 1.155.926 habitantes.
Nesse cenário, a demanda por cirurgias bariátricas têm crescido a cada ano.
Até setembro de 2024, Campo Grande registrou 112 cirurgias bariátricas realizadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), conforme dados da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde). No entanto, o número pode ser ainda maior, já que os hospitais têm até três meses para apresentar a AIH (Autorização de Internação Hospitalar).
Para comparação, de janeiro a outubro de 2023, o SUS realizou 68 cirurgias bariátricas na Capital. Em 2022, o total de procedimentos ao longo do ano foi de 47, números que evidenciam um aumento significativo de 64% nas cirurgias bariátricas entre 2023 e 2024.
72% da população acima do peso
Do sobrepeso a obesidade, os indicadores do painel Mais Saúde da SES (Secretaria de Estado de Saúde) mostram que 768.241 pessoas estão acima do peso em Mato Grosso do Sul, ou seja, 72% da população.
Em todo o Estado, 387.750 pessoas estão com sobrepeso, cerca de 33,54% da população. No ano passado, esse grupo incluía 124.051 adultos classificados com sobrepeso, sendo 82.989 mulheres e 41.062 homens.
De 2019 a 2023, as mulheres representaram aproximadamente 71,71% dos adultos com sobrepeso, enquanto os homens corresponderam a cerca de 28,29%. Por outro lado, 315.035 pessoas estão dentro do peso ideal, o que representa 27,25% da população.
Cirurgia tornou-se prioridade crescente na rede pública
À medida que o número de pessoas obesas aumenta, cresce também a demanda por intervenções cirúrgicas. Segundo a SES, a cirurgia bariátrica tem se tornado uma prioridade crescente na rede pública, com avanços significativos em consultas e procedimentos até 2024.
Em 2023, o Hospital Regional Magid Thome, em Três Lagoas, foi habilitado como referência em cirurgia bariátrica pela Regulamentação Estadual. Até o momento, o hospital registrou 196 consultas para início do processo e 25 cirurgias realizadas.
Em Campo Grande, o HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul) passou por mudanças na gestão da Regulação, em outubro de 2024. Nos três primeiros meses de operação, o HR agendou 40 consultas iniciais e 19 cirurgias bariátricas agendadas.
Além disso, o projeto MS Saúde, tem atuado na ampliação dos atendimentos para cirurgias bariátricas. Neste ano, o projeto contabilizou 23 cirurgias bariátricas agendadas e 416 agendamentos de primeira consulta.
Campo Grande
Hospital Adventista do Pênfigo
- 406 consultas agendadas
- 20 cirurgias bariátricas realizadas
Três Lagoas
Hospital Nossa Senhora Auxiliadora
- 10 consultas agendadas
- 3 cirurgias bariátricas agendadas
Além de questões estéticas
Ao contrário do senso comum, a cirurgia bariátrica é algo que vai além de questões estéticas. O procedimento tem o intuito de cuidar da saúde do paciente, tanto para reduzir riscos ligados a doenças, quanto para oferecer maior qualidade de vida na realização diária de atividades de quem sofre com o excesso de gordura corporal.
Cirurgiã e professora do curso de Medicina da Uniderp, Andrezza Delmondes explica que o procedimento consiste em uma intervenção cirúrgica no estômago para reduzir o peso corporal. Além disso, o procedimento auxilia no tratamento de doenças associadas ao excesso de gordura. No entanto, a cirurgia exige uma série de requisitos.
“A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica reforça que ainda que o paciente tenha obesidade grave, quem se candidata a bariátrica deve comprovar que tentou emagrecer por meio de tratamento clínico ao longo de pelo menos dois anos e não obteve sucesso”, explica a médica.
Quem pode fazer?
A indicação da cirurgia bariátrica abrange pacientes obesos grau 3 (com IMC acima de 40 kg/m²) ou grau 2 (IMC entre 35 e 39,9), com doenças relacionadas à obesidade como hipertensão, diabetes, gordura no fígado, além de apneia do sono dislipidemias graves ou doenças degenerativas.
Na rede pública, o tempo de espera para a realização da cirurgia bariátrica depende tanto da estrutura hospitalar quanto das condições clínicas do paciente. Conforme a Sesau, os pacientes costumam chegar com IMCs variando de 50 a 90, o que exige uma perda de peso significativa antes da realização do procedimento, garantindo a segurança da cirurgia.
“O SUS indica a cirurgia bariátrica para pacientes com obesidade mórbida que não obtiveram sucesso em tratamentos clínicos. Em MS, os procedimentos ocorrem no HRMS, HU e HAP (pelo projeto MS Saúde), e sua realização requer uma habilitação junto ao Ministério da Saúde”, esclarece.
Conforme o Ministério da Saúde, os pacientes precisam, obrigatoriamente, cumprir um desses critérios para realizar a bariátrica pelo SUS. Para entrar na fila, é preciso passar por acompanhamento ambulatorial até que esteja apto a realizar o procedimento. Segundo a Sesau, esse processo envolve um atendimento multiprofissional, realizado por médico, psicólogo e nutricionista.
“Existe todo um processo antes da cirurgia. A partir do IMC calculamos o índice de massa corpórea, dividindo o peso do paciente pela altura elevada ao quadrado, assim conseguimos identificar se há indicação para a cirurgia”, esclarece a médica.
Critérios
Índice de Massa Corporal: IMC ≥ 40 kg/m²: Indivíduos com obesidade mórbida, independentemente da presença de comorbidades, IMC entre 35 e 39,9 kg/m²:
Pacientes com doenças crônicas relacionadas à obesidade, como diabetes tipo 2, hipertensão arterial grave, apneia do sono, entre outras. IMC ≥ 50 kg/m²: Indivíduos que necessitam de perda acentuada de peso.
Tratamento Clínico Prévio: O paciente deve ter tentado tratamentos não cirúrgicos (dieta, atividade física, terapia psicológica) por pelo menos dois anos, sem sucesso. Isso deve ser comprovado por laudos médicos.
Processo Pré-Operatório: Após a confirmação da indicação para a cirurgia, o paciente passará por um processo de preparação que inclui acompanhamento psicológico e nutricional.
Esses critérios visam garantir que uma cirurgia bariátrica seja realizada apenas em pacientes que realmente ocorrem no procedimento e que têm maior probabilidade de sucesso no tratamento da obesidade.
Tipos de cirurgias
Existem três tipos de cirurgias bariátricas: as restritivas, que diminuem o tamanho do estômago; as disabsortivas, que diminuem a absorção dos alimentos; e as mistas, que diminuem tanto o tamanho do estômago quanto a absorção dos alimentos.
Andrezza Louise Delmondes ressalta que todos os procedimentos ocorrem por meio de um corte de no abdome (cirurgia aberta) ou por meio de pequenos orifícios no abdômen (laparoscopia).
“No Brasil existem cinco técnicas cirúrgicas para o tratamento da obesidade, com autorização do Conselho Federal de Medicina: o by-pass gástrico, a gastrectomia vertical (Sleeve), duodenal switch, banda gástrica e a cirurgia de scopinaro – sendo que as duas últimas já estão em desuso, devido à evolução das demais técnicas”, explica a médica.
O bypass gástrico consiste na divisão do estômago em duas partes, na qual a maior fica isolada (não recebe o alimento) e a menor parte é religada ao intestino. O procedimento para que a comida seja recebida pela menor parte do estômago, o que reduz o espaço para o alimento e diminui a fome.
A gastrectomia vertical, também conhecida como cirurgia de Sleeve, é um procedimento restritivo, em que grande parte do estômago (2/3) é removido do organismo. Já o duodenal switch é a associação entre gastrectomia vertical e desvio intestinal.
Fatores sociais impulsionam aumento das cirurgias
Inúmeros fatores contribuem para o aumento da procura pela cirurgia bariátrica no país, entre eles está a pressão estética e a gordofobia. Ao passo que a sociedade valoriza um único padrão considerado bonito e socialmente aceito, a pressão estética age influenciando que pessoas se adéquem, a qualquer custo, a um determinado padrão de beleza.
O estigma do peso ou da obesidade configura-se quando as pessoas sofrem abuso verbal e/ou físico associado ao excesso de peso, podendo levar à marginalização, exclusão e discriminação. Essa prática, por consequência, leva as pessoas a se sentirem inferiorizadas e buscarem cada vez mais por intervenções cirúrgicas.
No Brasil, uma em cada cinco pessoas está com sobrepeso ou obesidade, segundo dados do Ministério da Saúde. A projeção da OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que cerca de 2,3 bilhões de pessoas estejam acima do peso, o que corresponde a 700 milhões até 2025.
Outro fator determinante para o aumento dos casos de obesidade foi o distanciamento social, estratégia utilizada para conter o avanço da Covid-19 no Brasil, com isso, houve um aumento no sedentarismo e do consumo de alimentos fornecidos por aplicativos de delivery.
Em 2022, 9% da população entre 18 a 24 anos tinha índice de massa corporal igual ou maior que 30 kg/cm², o que configura obesidade. Já em 2023, esse percentual subiu para 17,1%, conforme dados do Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia).
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