Cerca de 1,6 milhão de gêmeos nascem a cada ano em todo o mundo, o que representa aproximadamente 1 em cada 42 nascidos vivos. Em relato ao Jornal Midiamax, um médico afirmou ‘nunca ter nascido tantos gêmeos como agora’. Isso levanta a questão: estamos realmente vendo um ‘boom’ nos nascimentos de gêmeos? O que está por trás desse fenômeno?

É fato que gestações mais tardias e intervenções médicas, como a fertilização in vitro, aumentaram a taxa de nascimentos de gêmeos em um terço desde 1980, especialmente nas regiões mais ricas do mundo. Um artigo publicado na revista Human Reproduction em 2021 aponta que esse pico ocorreu devido a grandes aumentos nas taxas de bebês gêmeos em todas as regiões do mundo nos últimos 30 anos, com um aumento de 32% na Ásia e 71% na América do Norte.

No entanto, ao analisar o percentual de nascidos vivos do DataSUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde), observa-se que essa tendência não se repete com a mesma frequência no Brasil, e ainda menos em Mato Grosso do Sul.

Brasil registrou 56 mil gêmeos em 2023

Em 2023, o país registrou 2.532.053 nascimentos, sendo 56.578 decorrentes de gestações gemelares (2,24%) e 1.071 de gestações múltiplas (três ou mais), ou seja, 0,4%. Essa ‘contramão’ observada no país está corroborada pela pesquisa da Human Reproduction. Conforme os pesquisadores, na América do Sul – onde o Brasil está localizado – o número de partos de gêmeos caiu de 102 mil entre 1980 e 1985 para 100 mil ao ano entre 2010 e 2015, tendência que permaneceu nos anos seguintes.

Gestante - Ilustrativa
Gestante – Ilustrativa (Henrique Arakaki, Midiamax)

A pesquisa ainda indica uma possível queda atribuída às mudanças nos tratamentos de fertilidade que visam à concepção de apenas um bebê por gravidez, sendo menos arriscada. Apesar dessa tendência de queda, o ano passado teve o maior pico de nascimentos de gêmeos em dez anos, com 963 com registros de gêmeos nascidos em MS.

Amor e responsabilidades triplicadas

A gestação, por si só, é um período delicado e de vulnerabilidade para muitas mulheres, quando se trata de uma gravidez múltipla, os riscos são ainda maiores. Mãe solo, Verônica Rivarola Leite, viu sua vida mudar completamente ao descobrir, aos 34 anos, que estava grávida de trigêmeos.

Verônica junto com os trigêmeos
Verônica junto com os trigêmeos (Arquivo pessoal)

Em 2023, ela estava em um relacionamento sério e já tinha duas filhas, de seis e 11 anos, quando recebeu a notícia inesperada da gravidez. Apesar do choque inicial, Verônica decidiu contar a novidade ao seu parceiro, que, na ocasião, não demonstrou interesse.

“Descobri que estava grávida porque minha menstruação atrasou; isso só havia acontecido nas gestações das minhas duas meninas. Comprei um teste de farmácia, que deu positivo. Depois fiz um exame de sangue, também positivo, mas ainda não sabia que eram três”, relembra.

‘Quando contei que eram três, o pai sumiu’

Com dois meses de gestação, Verônica realizou sua primeira ultrassonografia. Para sua surpresa, o médico informou que ela estava esperando dois bebês. Assustada, ela retornou ao hospital no dia seguinte para uma nova ultrassom, que confirmou a surpresa: Verônica seria mãe de trigêmeos. Contudo, ao contar ao pai das crianças sobre a gestação atípica, ele sumiu.

“Quando descobri, fiquei tão nervosa que não sabia o que pensar. Cheguei em casa e contei para minha mãe; ela ficou nervosa, sua pressão subiu muito. Nunca pensei em dar meus filhos para adoção, só pensava em como iria criá-los. Quando contei ao pai, ele não deu a mínima. Mas, ao saber que eram três, ele desapareceu”, relata Verônica.

Morando de aluguel e impossibilitada de trabalhar devido aos riscos da gravidez, Verônica teve que arcar sozinha com a responsabilidade de uma gestação múltipla e o cuidado de suas duas filhas pequenas. Além disso, precisou lidar com o abandono de quem acreditava que estaria ao seu lado.

Gestante Ilustrativa
Gestante Ilustrativa – (Nathalia Alcântara, Midiamax)

Verônica relembra que todo o período de gestação foi complicado. Na época, ela morava em Jardim, a 235 km de Campo Grande, mas precisou se mudar para a Capital no quinto mês de gestação para receber o tratamento médico adequado.

“Fiquei em repouso absoluto, tive pré-eclâmpsia (aumento da pressão arterial em grávidas), anemia e problemas em um dos rins. Só eu sei o que passei durante a gravidez, mas agradeço muito por meus filhos terem nascido bem”.

Luta constante

Assim como na maioria das gestações múltiplas e de risco, os trigêmeos nasceram prematuros, com 32 semanas, ou seja, 7 meses. Gabriel, Eloá e Maitê passaram dois meses na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Regional de MS.

“Sempre ia ver como eles estavam, mas saía com o coração na mão. Tinha muito medo de receber alguma ligação dizendo que eles haviam piorado. Foi uma luta muito grande, mas minha mãe e eu nos revezamos nos cuidados.”

Trigêmeos
Trigêmeos de Verônica (Arquivo pessoal)

Para Verônica, o desafio de ser mãe de trigêmeos é uma luta constante, que só quem vivencia consegue dimensionar.

“Eles ficam doentinhos com frequência, e quando um fica, os três adoecem. Minha rede de apoio é só minha mãe. Tem dias que estou exausta, quebrada em pedaços, só nós sabemos o que passamos”.

Caso ganhou repercussão nacional

Verônica após o nascimento dos filhos
Verônica após o nascimento dos filhos (Arquivo pessoal)

A gestação atípica, somada ao abandono paterno, fez com que a história de Verônica ganhasse notoriedade, chegando até o apresentador Luciano Huck. Como resultado, a mãe solo recebeu apoio de inúmeras pessoas sensibilizadas por sua situação. Na época, a vaquinha online criada por ela tinha a meta de arrecadar R$ 10 mil, mas, com a repercussão, o valor chegou a R$ 197 mil, e o apresentador prometeu dobrar a quantia, que totalizou R$ 394 mil.

“Agradeço ao Luciano Huck, ele foi um anjo em nossas vidas, assim como as outras pessoas que ajudaram. Nunca imaginei que teria uma casa para criar meus filhos. O problema é que, após eles nascerem, todos que ajudavam desapareceram”, relata a mãe.

Com a repercussão, vieram também os julgamentos. Verônica relembra que, além de toda a carga emocional da gestação e do abandono, precisou lidar com comentários ofensivos.

“Quando pedia ajuda, muitos falavam ‘quem mandou ter filhos?’ ou ‘por que não se cuidou?’ Mas não é assim. Sei que tenho responsabilidades. Quando engravidei, tomava anticoncepcional porque já tinha duas filhas, mas, por um descuido, aconteceu. Ninguém espera que venham três de uma vez,” explica.

‘Só reapareceu para pedir DNA’

Em meio a grande visibilidade do caso, o genitor dos bebês reapareceu exigindo teste de DNA. “Ele apareceu quando os bebês saíram do hospital e pediu DNA. Fizemos o teste, deu positivo, mas ele nunca procurou as crianças. Sequer mandou uma mensagem para saber como eles estão. Hoje, ele paga R$ 600,00 de pensão para os três bebês, mas é insuficiente,” conta.

Passados 1 ano e 2 meses desde o nascimento dos trigêmeos, Verônica ainda enfrenta dificuldades para arcar com todas as despesas e sobrevive com a pensão das filhas, dos bebês e o Bolsa Família. Por isso, ela ainda precisa de doações via PIX: (67) 9836-9587.

“Não temos mais ajuda de ninguém. Minha mãe também não pode trabalhar devido à idade, mas me ajuda mesmo doente. Sem ela, não sei o que faria. Não posso trabalhar fora, quando não há creche, não há quem cuide deles. Fazemos o que podemos, mas não é fácil,” lamenta.

O que são gestações múltiplas?

Gêmeas nascidas em 2020
Gêmeas nascidas em 2020 (Divulgação, Santa Casa)

A gravidez múltipla, também chamada de gemelar, ocorre quando dois ou mais fetos se desenvolvem no útero durante a mesma gestação. Dependendo das condições durante a fertilização do óvulo, podem ocorrer dois tipos de gestação gemelar: os gêmeos univitelinos e os gêmeos bivitelinos.

Gêmeos univitelinos (monozigóticos): Resultam da fertilização de um único óvulo por um espermatozoide, que posteriormente se divide em dois embriões. Esses gêmeos são geneticamente idênticos e compartilham o mesmo material genético, assim, fisicamente semelhantes.

Gêmeos bivitelinos (dizigóticos): Gerados pela fertilização de dois ou mais óvulos distintos por espermatozoides diferentes. Esses gêmeos não são geneticamente idênticos e podem ter características físicas diversas, sendo semelhantes apenas no grau que dois irmãos não gêmeos seriam.

gestações de gêmeos
(Arte: Giovana Gabrielle, Midiamax)

A gestação gemelar e múltipla, seja com ou sem complicações, está classificada como alto risco pelo Ministério da Saúde. Entre as principais complicações maternas estão: anemia, hipertensão, diabetes gestacional, placenta prévia, descolamento prematuro da placenta e hemorragia pós-parto.

Já nas complicações para os bebês a prematuridade e o baixo peso são as mais comuns e têm o maior impacto no prognóstico neonatal. Aproximadamente 60% das gestações gemelares resultam em bebês que nascem prematuros. Além disso, de acordo com o Ministério da Saúde, as gestações múltiplas estão associadas a um aumento das complicações durante o parto.

2023 registrou maior pico de gêmeos em MS

Maternidade Santa Casa
Maternidade Santa Casa (Henrique Arakaki, Midiamax)

Entre 2010 e 2024, o país registrou 5,7 milhões de nascimentos, dos quais 833 mil decorreram de gestações gemelares, cerca de 14% do total. Em Mato Grosso do Sul, a média de gêmeos nascidos por ano é de 827. Somente neste ano, ocorreram 345 nascimentos de gêmeos no Estado, sendo 177 na Capital.

No ano passado, Mato Grosso do Sul vivenciou o maior pico de nascimentos de gêmeos dos últimos dez anos, com 963 registros, sendo 506 em Campo Grande. Até então, o maior pico havia ocorrido em 2021, quando nasceram 913 gêmeos em todo o Estado e 479 na Capital.

Gestações múltiplas
Gestações múltiplas – DataSUS (Infografia – Lethycia Anjos/Ilustração – Madu Livramento, Midiamax)

Casos como o de Verônica são mais raros. Em dez anos, Mato Grosso do Sul registrou 209 nascimentos decorrentes de gestações múltiplas (três ou mais). A maior alta ocorreu em 2017, quando o Estado contabilizou 35 nascidos vivos decorrentes de gestações múltiplas. Comparado ao último ano, em que ocorreram 12 nascimentos frutos de gravidez tripla ou mais, houve uma queda de 80%.

Os dados da série histórica mostram ainda que, de 2014 a 2024, o Brasil registrou uma média de 1.388 mil gestações triplas+ por ano, enquanto a média do Estado chegou a 20,9 ao ano.

Assim, apesar do aumento de casos no último ano, Mato Grosso do Sul ainda segue na média de gestações gemelares. Portanto, ainda não se pode afirmar que estamos vivenciando um ‘boom’ significativo de gêmeos.

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