O plenário da Câmara Municipal de Campo Grande está lotado nesta manhã de quarta-feira (15) com representantes da Rede de Atendimento e Proteção à Criança e Adolescente para discutir novas medidas e falhas no serviço público durante o combate à violência. A família da pequena Sophia, assassinada aos 2 anos pela mãe e padrasto, acompanha a audiência e cobra por Justiça.

Vestidos com uma camiseta que estampa uma fotografia ao lado da filha, Jean Carlos Ocampos e o marido, Igor de Andrade, relembram por cada passo no processo de pedido de ajuda aos órgãos públicos, como o Conselho Tutelar.

Jean diz que a lembrança do sorriso da pequena é motivo para força na luta e evitar mais casos.

“Estamos transformando nosso luto em uma luta para que outras crianças não passem pelo que ela [Sophia] passou, para que outros pais não passem pelo que estamos passando. Estamos pedindo para que os órgãos deem mais atenção para quando tiver dois pais, duas mães, estamos reforçando para eles fazerem a obrigação. Foi uma negligência, teve descaso, foi omissão, porque olhavam para dois pais e esqueciam da criança. Fomos atrás, mas caminhamos no inquérito sozinhos”, disse.

Ainda com a fala embargada, Jean lamenta os dias difíceis após a morte de Sophia. “Estou aqui por ela. Tem sido cada vez pior, falta ar, não conseguimos dormir e comer. A sensação é de revolta, assassinaram nossa filha. É um processo e estamos lutando para sair disso. Cada dia que passa a saudade aumenta, é muito difícil de prosseguir. Fazíamos tudo por ela. Trabalhávamos para comprar coisas para ela, hoje não tem mais”, disse.

Jean e o marido lamentam o fato de conheceram a história de Sophia após a morte, a audiência pública seria uma maneira de relembrá-la.

“O melhor lado dela conhecemos em vida. Ela era uma criança de luz, de alegria, doce. Todo mundo que passava na rua ela fala ‘oi’. Ela amava dançar, cantar. Nossa vida era cinza e quando a Sophia começou a frequentar nossa casa, trouxe luz e cor, tanto para a minha, a dela e família dela. Ela era felicidade, e vai ser para sempre nossa melhor lembrança”, diz Igor.

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Plenário (Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

Laços cortados

A avó materna também esteve na audiência em prol da causa. A professora Delziane da Silva teve os laços cortados com a filha, mãe de Sophia, obrigada pelo acusado do assassinato. O rapaz teria proibido o convívio dela na casa. Com isso, quando a mulher estava grávida da filha mais nova, o contato com Sophia ficou impedido por mais de cinco meses.

“Estamos lutando para que não fique impune, que não aconteça com outras crianças a negligência e lentidão da justiça. Até ela conhecer esse cara [acusado], eu vivia com a Sophia o tempo todo, a partir do momento que ela conheceu, a nossa vida virou um inferno, virou briga e discussão. Ela me proibiu de entrar na casa dela por causa dele. Só voltou a falar comigo porque precisava do meu plano de saúde para o bebê”, disse.

A última movimentação do caso aconteceu na quinta-feira (9), quando o casal se tornou réu pelo homicídio. O processo tramita em sigilo na 1ª Vara do Tribunal do Júri. “Naquele dia, no posto, ela ficou em silencia, não esboçou nenhuma palavra, chegou a chorar e depois foi para delegacia. Eu não tive mais contato, nem sei em qual [presídio] está”.

Processos desarquivados

Janice Andrade, advogada de Jean, informou que irá prosseguir com protocolo na Corregedoria da Polícia Civil para apurar as falhas na omissão ou negligência de atendimentos que Sophia passou. Janice explica que o primeiro TCO solicitava uma investigação caso agressões acontecessem novamente, o que houve, mas sem andamento.

“Pedimos o desarquivamento do primeiro TCO [Termo Circunstanciado de Ocorrência] e o segunda que ficou parado por 21 dias na justiça. A delegada concluiu o inquérito e foi distribuído no expediente normal, mas deveria ter para o judiciário, estávamos em recesso forense, que ficou até dia 26 [de janeiro] sem nenhuma andamento, tempo em que houve o óbito”, pontuou.

“Espero que essa audiência a rede de proteção tenha consciência que está morrendo crianças pela falha do estado, da omissão. A população não pode aceitar, por cada um de nós contribuímos para que essa rede funcione. Chega em uma UPA e não tem um protocolo. Essa criança chegou várias vezes com sinais de espancamento. Ninguém teve a ideia de chamar um assistente social? Ver as marcas no corpo, o Conselho denuncia, mas não verifica? Não quero a extinção da rede de proteção, quero que ela funcione para os órgãos da rede, que não empurre para o outro”.

Audiência Pública

A vereadora Luiza Ribeiro (PT) informou que a Câmara solicitou, especialmente, os destinatários da rede de proteção que atua em Campo Grande, dentre serviços de educação, saúde e social, além de familiares da criança, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul), entidades e associação de moradores.

“Essa reunião é para ouvir a sociedade, ouvir as pessoas destinarias desse serviço. Sabemos que há falhas [nos serviços], uma delas é que devíamos ter 9 conselhos tutelares em Campo Grande, mas temos 5, que trabalham com dificuldade estrutural. A rede de saúde nunca foi qualificada para enfrentamento de violência contra criança. Falta de vaga na educação infantil. Nosso levantamento aponta 11 mil crianças [sem vaga]”, descreveu.

A audiência foi convocada pela Comissão Permanente de Segurança Pública, composta pelos vereadores Tiago Vargas (Presidente), Coronel Villasanti, Valdir Gomes e Ayrton Araújo.