Na favela do Mandela, enfeites marcam desesperança de quem não sabe se terá um lar para o Natal
Três semanas após o incêndio que destruiu a favela do Mandela, em Campo Grande, o sentimento de esperança entre os moradores dá lugar à incerteza
Lethycia Anjos, Clayton Neves –
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“A única certeza é que vamos passar o Natal e o Ano Novo aqui”, é com tom de desesperança que a moradora de 56 anos decidiu colocar alguns enfeites natalinos em sua tenda. Três semanas após o incêndio que destruiu a favela do Mandela, no bairro Isabel Garden, em Campo Grande, o sentimento de esperança entre os moradores dá lugar à incerteza.
É na madeira de sustentação da barraca número 4 que a moradora encontrou uma forma de pendurar alguns enfeites natalinos e uma pequena árvore. À primeira vista, pode parecer que o ‘Espírito Natalino’ vive mesmo em meio às adversidades, mas ao conversar com os moradores, o sentimento que fica é que, na verdade, a cena reflete a desesperança de quem sabe que talvez não terá um teto até o Natal.
“Cada um diz uma coisa e a gente não tem certeza de nada. É muito ruim ter que passar o Natal nessa situação. Só enfeitei para não passar batido, mas não tem nem o que comemorar”, lamenta a moradora que divide a tenda com os dois netos e outra mulher com seis filhos.
A 20 dias para o Natal, as 150 famílias que perderam tudo no incêndio que destruiu 60% da Favela do Mandela seguem sem saber quando terão uma moradia definitiva.
Em novembro, a prefeita Adriane Lopes afirmou que em um curto espaço de tempo as famílias estariam em seus lotes.
“Aquelas cadastradas com o CrediHabita serão contempladas primeiro, aquelas que perderam totalmente seu barraco vamos avançar atendendo também”, disse a prefeita.
O CrediHabita citado pela prefeita é um programa social que auxilia famílias com crédito para construção e reforma de casas populares. O programa concede entre R$ 6 mil e R$ 40 mil para que as famílias construam imóveis em lotes cedidos pela prefeitura.
Sem poder cozinhar, ceia deve ser substituída por marmita
Fabricadas de lona inflamável, as tendas e abrigos disponibilizados aos moradores do Mandela impossibilitam a realização de atividades básicas, como ligar um fogão, ganhado por doação, para cozinhar.
“Não podemos acender fogo dentro da tenda porque pode gerar um incêndio, então nem ceia poderemos ter”, relata.
A alternativa encontrada por alguns moradores foi construir pequenas varandas em frente às tendas para ter mais espaço e trazer um pouco mais de ‘conforto’. Na noite de sexta-feira (1°), alguns moradores receberam telhas, o que possibilitou a construção da varanda, mas a situação segue longe do mínimo que a dignidade humana deveria permitir.
Por mais que recebam marmitas diariamente, quem vive na incerteza não se apega às promessas e já se conforma que a comida de todo dia será a mesma da ceia.
Enquanto esperam, chuva leva o pouco que resta
Com cobertores pendurados para secar ao sol, a moradora torce para que a chuva dê trégua e consiga ao menos ter algo seco para se cobrir quando a noite chegar. As tempestades que ocasionam estragos em diversos pontos de Campo Grande nos últimos dias têm sido ainda mais devastadoras para quem vive nos barracos.
“Tive que aparar a chuva porque invadiu todo o barraco, a água entrou por baixo da lona e piorou ainda mais a situação”, diz.
A moradora de 56 anos relata que há dias está com uma tosse persistente, como precisa dormir no chão úmido, a doença nunca se cura. Com a chuva vem a lama e as tendas ficam imersas na sujeira, até mesmo cobras já foram encontradas em um barraco após um dia de chuva.
“Chuva cai, a varanda cai junto. Meu marido foi arrumar, puxou o sofá e o bicho estava ali pronto para dar o bote”, disse a repositora Jéssica Tomiati, de 29 anos, que encontrou uma jararaca embaixo de um móvel em uma varanda montada do lado de fora da tenda.
Quatro espaços foram preparados para abrigar os moradores do Mandela. Desde então, o Executivo Municipal mantém as famílias que aceitaram auxílio em abrigos. Para os demais, foram montadas tendas e banheiros químicos.
Para ter o mínimo de dignidade, moradores improvisaram um chuveiro comunitário. A alimentação é servida quatro vezes ao dia. De acordo com a SAD (Secretaria de Estado de Administração), são distribuídas de 200 a 250 marmitas no horário do almoço e na janta.
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