Em cada túmulo, cada lápide e uma família que visita cemitérios de Campo Grande há histórias de dor ou saudade por lembrar de alguém. O Dia de Finados, nesta quinta-feira (2), reúne milhares de pessoas em lembranças. Uma das visitantes é Lorena Aparecida Cano dos Santos, hoje com 30 anos, que era um bebê quando teve a mãe assassinada pelo próprio pai. Ela relembra a dor de não crescer ao lado da mãe biológica, sepultada no Cemitério Cruzeiro.

Não há como evitar que as lágrimas escorram pelo rosto quando fala das mães, a biológica e de criação, ambas falecidas. Lorena tinha dois anos quando o pai disparou contra a mãe e depois tirou a própria vida, em Batayporã. Vizinhos que ouviram os disparos avisaram a polícia, e uma equipe encontrou a menina na cama, próximo aos corpos. Ele chegou a ser socorrido, mas morreu após uma semana internado.

A história está marcada na pequena cidade interiorana de Mato Grosso do Sul. O pai biológico era um militar conhecido na região, tinha histórico de ciúme. Ele foi sepultado na cidade, enquanto a mãe na Capital por conta dos parentes que moram aqui.

Lorena tem apenas uma foto em família (Madu Livramento, Jornal Midiamax)

Mas, apenas aos 14 anos, Lorena conheceu o passado. Ela havia sido criada por uma tia e tio, que até então seriam os pais. Um vizinho perguntou como ela se sentia “depois de tudo”, fala que revelou a perda da mãe verdadeira. A gratidão e afeto permanecem aos pais de criação, apesar de na época despertar uma confusão de sentimentos pela descoberta por terceiros, e não pela família.

Lorena limpava o túmulo da mãe nesta manhã. Para ela, esta é uma maneira de demostrar o cuidado, uma conexão com alguém que teve a vida interrompida de forma trágica. Ela guarda apenas uma foto, onde está junto aos pais, a única fotografia em família. Apenas o pai de criação está em vida.

“São sentimentos misturados de angústia por como a história terminou, mas alegre porque não poderia ter sido criada por uma família melhor. Tenho irmãos [dos pais de criação]. O dia é para me conectar às lembranças. Minha mãe de criação morreu em dezembro, próximo do Natal, por isso não comemoro mais. Perdi uma parte de mim, ela era tudo para mim”.

Mães de criação

Marcos Roberto da Conceição, segurança de 48 anos, também se assemelha a história por ter crescido com mãe de criação, a avó. A matriarca tinha 94 anos quando morreu de covid-19. Entretanto, de forma repentina. Ela havia passado mal, foi atendida em uma unidade de saúde e voltou para casa. Após dois dias, passou mal novamente e faleceu.

“Fico muito triste, perdi mais que uma avó, perdi uma mãe. Minha mãe [verdadeira] morreu quando era criança, fui criado pela minha avó. Ela era uma mãe para mim, foi tudo para mim, mas também entendo que é o ciclo da vida e sou muito grato porque ela deixou para a família muita coisa boa, valores, que nós queremos continuar passando”, disse.

(Madu Livramento, Jornal Midiamax)

Movimento nos cemitérios

A expectativa é receber cerca de 30 mil visitantes neste dia. Comerciantes e ambulantes também aproveitam a data para faturar. Analise Rodrigues do Santos, 51 anos, realiza a limpeza dos túmulos. Com vassoura, balde e vassoura espera tirar um extra, pois está desempregada. Cada limpeza varia de R$ 15 a 20 por jazigo.

“Este ano o movimento está fraco, atendi cerca de cinco pessoas, até umas 10h30. Conheço muitas histórias tristes, mas não pergunto muito, porque é delicado. Tem pessoas que não falam nada além de contratar o serviço”.