Bebê indígena morto em Mato Grosso do Sul teve desnutrição e desidratação grave
Morte escancara pobreza de família indígena desaldeada que mora no Assentamento Santa Felicidade
Marcos Morandi –
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O bebê indígena de pouco mais de um ano, morto no último dia 2 de maio, por volta das 16 horas em Dourados, cidade distante 225 quilômetros de Campo Grande, teve desidratação grave, desnutrição energético-proteica e gastroenterocolite aguda. As causas foram apontadas na declaração de óbito da criança.
A equipe do Samu (Serviço de atendimento Móvel de Urgência) esteve no local, mas já encontrou a criança morta. A reportagem do Midiamax teve acesso com exclusividade ao documento que é assinado por um médico socorrista. O caso é investigado pelo MPF (Ministério Público Federal) que no último final de semana constatou a extrema pobreza do lugar onde ela morava.
De acordo com informações da OMS (Organização Mundial da Saúde), os diagnósticos se enquadram em situações que podem provocar a morte de uma pessoa, caso não ocorra nenhuma medida de cuidado.
No caso da desidratação grave, ela resulta da eliminação de água e sais minerais do organismo, provocando grandes perdas de líquido no corpo e que não são repostas. É considerada potencialmente grave porque se caracteriza pela baixa concentração não só de água, mas também de sais minerais e líquidos orgânicos no corpo.
A reidratação diante de um quadro grave também deve ser feita com o soro oral distribuído gratuitamente nos postos de saúde e à disposição nas farmácias. Esse soro pode ser preparado em casa e tem validade de 24 horas depois de diluído em água.
Ainda segundo dados da OMS, a desnutrição energético-proteica (DEP) pode ser definida como uma doença multifatorial de alta letalidade, capaz de promover diversas alterações fisiológicas na tentativa de adaptar o organismo à escassez de nutrientes.
Já a gastroenterocolite aguda é uma inflamação intestinal, causada principalmente por vírus, bactérias e intoxicações alimentares. Os principais sintomas são diarreia, náuseas, vômito, cólicas abdominais, febre, dores musculares e de cabeça.
No entendimento do médico pediatra Zelik Trajber, que trabalhou mais de 20 anos com comunidades indígenas em Dourados, a situação que resultou na morte do bebê indígena poderia ser evitada. “Com certeza esse diagnóstico entra como causa evitável. Concorre para isto a situação socioeconômica, e possível deficiência no atendimento médico”, explica Zelik à reportagem do Midiamax.
De acordo com informações da assessoria de comunicação do deputado federal Geraldo Resende (PSDB), que denunciou o caso na semana passada, uma equipe do Ministério da Saúde deve se deslocar até Dourados para acompanhar a situação mais de perto. A visita está programada para acontecer no início de junho.
Procurado para falar a respeito da morte do bebê desaldeado e também em relação à agenda dessa comissão federal, até o momento ninguém do DSEI (Departamento de Saúde Indígena) – Polo de Dourados se manifestou. O jornal Midiamax segue com espaço aberto para esclarecimentos.
“Achava que ele fosse melhorar”
A mãe do menino relata que fazia três dias que a criança estava vomitando com frequência, porém ela não percebeu que a situação era grave. “Vi que ele estava bem ruinzinho, não queria beber leite, mas achava que ele fosse melhorar”, disse a indígena desaldeada, que deixou a criança sob os cuidados de uma tia na parte da manhã.
“Fui a pé até uma agência da Caixa Econômica para receber o dinheiro do auxílio, que não é suficiente para comprar os alimentos para as crianças. Quando cheguei ele tinha piorado. Aí chamei a ambulância, mas não deu tempo”, contou a mãe à reportagem do Midiamax.
‘Chorei quando fiquei sabendo dessa tragédia’
Em conversa com vizinhos, a reportagem do Midiamax apurou que, apesar das dificuldades enfrentadas pelos moradores do Assentamento Santa Felicidade, a família indígena sempre recebeu atenção. “Tem sempre alguém aqui trazendo alimentos e oferendo apoio”, disse a presidente da Associação de Moradores, Teodora César Pinto.
Apesar da solidariedade compartilhada, em que alguns vizinhos dividem o pouco que têm, a morte provocada por desnutrição deixou os moradores do assentamento chocados. “Pode faltar um tanto de coisas, mas quando falta comida a gente sempre dá um jeito. Chorei quando fiquei sabendo dessa tragédia”, disse uma dona de casa.
Perambulando pela fronteira
Com 23 anos, a jovem mãe de cinco filhos carrega nas costas uma história de sofrimento. Nascida em uma aldeia de Amambai, aos doze ela já perambulava pelas cidades da fronteira. Ela relata que tinha passado por Coronel Sapucaia, Capitão Bado, Pedro Juan Caballero e Ponta Porã até chegar a Dourados.
“Sei que aqui não tem água e nem energia elétrica, mas é o único lugar que tenho para morar e criar minhas crianças. Tenho que me virar com esse pouco dinheiro que recebo, não dá para nada. Não comprei remédio para o meu o filho que morreu porque não sobrou nada do auxílio”.
A Kuñangue Aty Guasu (Grande Assembleia das Mulheres Kaiowá e Guarani) ressalta que a criança morta é parentela de dona Damiana, que segue acampada à beira do asfalto, ela e sua comunidade foram despejadas da Retomada de Apyka’i em 2016.
“Damiana já teve mais de nove pessoas de sua família morta ao longo dos últimos anos, ela aguarda pela demarcação de seu território”, explica a entidade em nota divulgada na última sexta-feira (6).
“Santa Felicidade”
Uma visita na casa onde a criança morava com mais quatros irmãos revela um cenário estarrecedor ao primeiro olhar. Duas panelas abertas sobre a mesa, com restos de bobó de galinha, arroz e alguns pedaços de carne, espalhadas entre um litro de leite longa vida, uma lata de suplemento vitamínico e um pacote de biscoitos revelam a insalubridade do lugar.
Encravado quase no final de uma das ruas estreitas de terra, está o barraco onde morava a criança de pouco mais de um ano. O local de chão batido coberto por lonas, já em deterioração e paredes de papelão e cobertores rasgados, tem apenas dois cômodos.
Um deles é usado como quarto pela mãe e também pelas três meninas e outro funciona como sala e cozinha, onde também fica um sofá encardido e uma cama usada pelo menino mais velho, de 7 anos. Sem água encanada, nem energia elétrica e com sujeira para todos os lados, o barraco está bem distante de ser chamado de casa e muito menos se parece com um lugar onde a felicidade possa ser encontrada.
Enquanto o procurador do MPF Marco Antônio Delfino conversava com a mãe do bebê indígena, uma de suas filhas brincava no quintal com uma boneca pelada e gasta. “Tio traz uma boneca nova pra mim. Essa daqui toda hora solta a perna. Queria uma com roupinha colorida e com bolsinha”, pede a menina.
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