A Esclerose Múltipla (EM) surgiu tímida na vida de Franciele Viana, hoje com 32 anos, casada e mãe de três filhos. Aos 14 anos tinha sintomas leves, que os ignorou até os 19, quando teve uma forte crise de desequilíbrio, escape de urina, fraqueza e alteração na fala. Na época, procurou um neurologista e o diagnóstico de EM chegou na vida da jovem. “Eu era vendedora e comecei a perder o equilíbrio, tive fraqueza nas mãos para digitar e isso me fez procurar um médico”, relembra.

Nesta terça-feira (30), é celebrado o Dia Nacional de Conscientização Sobre a Esclerose Múltipla, e encerramento do agosto laranja, mês em que são realizadas ações para desmistificar a doença. A EM é uma patologia neurológica que atinge o sistema nervoso central e não tem cura. Entre os sintomas, que surgem de forma progressiva, estão fadiga, alterações na fala e visão, problemas de equilíbrio e coordenação, rigidez de membros, problemas de memória e transtornos emocionais.

“A EM tem diferentes formas de apresentação e os sintomas variam de acordo com o paciente. A esclerose múltipla é geralmente chamada de “doença das mil caras” devido à diversidade de apresentação clínica”, explica o neurologista e especialista em EM, Omar Arambula. Segundo a Abem (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla), 2,8 milhões de pessoas no mundo vivem com EM, o que equivale a um a cada 3 mil habitantes. No Brasil, são cerca de 35 mil vivendo com a patologia. 

Franciele teve o primeiro filho aos 19 anos e aos 25 nasceu o segundo. Após quatro meses de amamentação, precisava desmamar o bebê para voltar a tomar o medicamento que combatia a evolução da EM. Mas ficou com dó do filho. Ignorou o tratamento por meses e continuou com a amamentação. Foi quando teve um surto da doença, em que surgem novos sintomas ou ocorre a volta de antigos.

“O surto é até difícil explicar, nem a gente percebe direito. Eu acordei com a perna dura, não percebi na hora que era um surto, estava andando diferente. Não fui ao médico naquela hora, fui me dar conta depois de uma semana”, relembra a mulher.

Depois do episódio, a coordenação de Franciele ficou comprometida. Hoje anda com a ajuda de uma muleta para se equilibrar e a medicação mudou. Desde 2016, vai até o hospital todo mês para tomar Natalizumabe para controlar a doença, além de ingerir diariamente vitamina D e cloreto de magnésio para ajudar com o tratamento. 

Aos 25 anos, apesar de não querer parar de trabalhar, Franciele conseguiu a aposentadoria. “Hoje em dia eu não estudo mais e parei de trabalhar. Sou aposentada não porque quero, mas pela condição. Eu queria ter estudado para ser fisioterapeuta”, conta. 

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Centro de Inovação SESI Higiene Ocupacional com o apoio da Roche Farma Brasil, aponta que 40% dos diagnosticados com EM não trabalham. Para ocupar o tempo ocioso, Franciele revive nas linhas do crochê os conhecimentos que aprendeu com a avó quando tinha nove anos, que a ajudam a exercitar as mãos e melhorar a renda em casa. 

Muleta que Franciele passou a usar com 25 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Eu tinha parado de fazer crochê, mas como ficava por muito tempo em casa e com a cabeça vazia, voltei a fazer. Eu faço jogos para cozinha, banheiro, faço de tudo, sou um pouco lenta, mas conforme vou fazendo vou me aperfeiçoando”, garante.

Na vida de Rosemary, atualmente com 53 anos, o tempo é preenchido com a execução de tarefas domésticas e trabalhos online. Atividades simples para quem tinha uma rotina intensa em vendas e precisou parar de trabalhar fora de casa após o diagnóstico de esclerose múltipla há quatro anos. Hoje tem dificuldades para enxergar e usa uma bengala para ter estabilidade ao se locomover. No banheiro colocou barras no boxe que ajudam a não escorregar.

“Comecei a ter sintomas antes, achei que era nervo ciático ou coluna, mas ignorei até que em 2016 acordei com a parte de baixo da cintura formigando. Minha filha marcou um neurologista, que passou exames, e ignorei novamente. Fui tomando remédios. Em 2018, tive um surto, minha visão foi afetada e aí que o diagnóstico veio”, ela recorda.

Assim como Franciele, Rosemary também precisou mudar o medicamento que usa no tratamento da doença. Como não tinha no SUS (Sistema Único de Saúde) o remédio Ocrelizumab, precisou entrar com um processo para garantir a medicação que custa cerca de R$ 70 mil as duas doses, administradas semestralmente. Nesta semana, comemora a mulher, saiu a decisão favorável para a paciente, que retomará o tratamento após um ano parado à espera do remédio.

“O SUS nos dá um apoio muito grande, só que o problema vem na hora da medicação porque são de alto custo. A gente precisa que o Estado forneça na Casa da Saúde esses medicamentos, paguei impostos, trabalhei muito na minha vida e agora necessito do apoio que preciso”, reivindica Rosemary.

Está no processo para conseguir se aposentar e, enquanto isso, tenta trabalhar de casa de forma online, se desafiando a aprender novas tecnologias com o apoio da família para enfrentar a EM. “Essa doença te dá fadiga e se não tiver pessoas te acolhendo você sente desânimo. Muitas vezes as pessoas veem cara e não o problema, acham que é falta de ânimo. Eu leio e jogo online para me exercitar. Tenho a sorte de ter sido abençoada com uma filha que me ajuda”, ela agradece.

Tratamento

O neurologista Omar Arambula explica que o diagnóstico de EM não significa o fim da vida, mas uma mudança de hábitos. “As pessoas com esclerose múltipla podem chegar a ter uma vida sem comprometimentos, porém, tudo depende da evolução e acúmulo de sequelas com um bom e oportuno tratamento”, elucida. 

O médico também ressalta a importância que quem tenha o diagnóstico de EM, em qualquer fase ou nível da doença, aproxime-se da família e amigos para obter apoio. “Usamos esse mês de agosto para espalhar a informação sobre EM no país e nos unirmos em prol de qualidade de vida para quem tem esse diagnóstico. Temos um compromisso com toda a comunidade, pois se entende que é preciso ampliar a conscientização da população sobre essa doença, que ainda é subdiagnosticada, e só assim conseguiremos mais agilidade no diagnóstico”, expõe o especialista. 

Conforme explica Omar, o tratamento da EM se sustenta em cinco pilares básicos:

1. Tratamento Surto: que utiliza um medicamento que melhora a inflamação produzida pelas doenças. Dentro das opções temos pulsoterapia oral ou intravenosa (com corticoide em altas doses) ou até mesmo plasmaferese em casos refratários e agressivos.

2. Terapia modificadora da doença: Esse é o verdadeiro tratamento para a doença, esses tratamentos chamados de terapias modificadoras são selecionados em dependência da agressividades e atividade da doença assim como fatores de mau prognóstico. Este medicamento é projetado para evitar que o sistema imunológico ataque por mais tempo, isso evita mais surtos e diminui a probabilidade de acúmulo de sequelas neurológicas.

3. Tratamento sintomático: A esclerose múltipla não se limita a evitar novas ocorrências, mas também devem ser tratados o desconforto e as complicações que ocorrem, ou que são muito variadas, pois cada complicação pode ter um tratamento diferente. Existem tratamentos para controlar as contrações musculares chamados espasticidade, distúrbios de memória, distúrbios de sensibilidade, fadiga, tremores, tonturas, dores, depressão, ansiedade, dor de cabeça, distúrbios do sono, problemas urinários e de sexualidade, entre muitos outros.

4. Reabilitação: Um plano terapêutico e de reabilitação para todos os pacientes com esclerose múltipla é muito importante, seja em estágios iniciais ou avançados. A reabilitação pode ajudar a fortalecer os músculos, melhorar o equilíbrio ou problemas de marcha, melhorar a atenção, concentração ou memória, reduzir as contraturas e desenvolver habilidades para compensar deficiências.

5. Autocuidado: uma parte importante é cuidar de nós mesmos, fazer exercícios, parar de fumar, ter uma alimentação saudável, rica em frutas e vegetais, e ter hobbies, olhar pelo bem-estar e lembrar de pedir ajuda quando é preciso.