Após ‘jogar fora’ órgãos doados, Mato Grosso do Sul avalia fazer exames em Goiás para transplantes
Para especialistas, operação fora do Estado pode ‘travar’ doações
Priscilla Peres –
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Há 24 dias Mato Grosso do Sul não realiza exames para a realização de transplantes. Para solucionar o impasse contratual e financeiro, a Secretaria Estadual de Saúde quer que os exames de biologia molecular e histocompatibilidade passem a ser feitos em Goiás. Para isso, precisará garantir logística que envolve envio de amostras por avião em casos de doação de órgãos de pessoas mortas. A ideia, porém, é criticada por especialistas.
O secretário de Estado, Flávio Brito, afirma que enviou técnicos da SES (Secretaria de Estado de Saúde) a Goiás nesta semana para conhecer o laboratório onde os exames seriam feitos e avaliar a possibilidade. “Acabei de fazer uma reunião com a equipe que esteve lá e é viável. Vamos fazer isso, que é o que muitos outros estados fazem, como andei me informando”, explica.
De acordo com ele, há viabilidade econômica e logística em transportar as amostras para que os exames sejam feitos em outros estados. “Podemos enviar via avião como já é feito hoje em dia em caso de órgãos que vão para outros estados ou pelas companhias aéreas, que são solidárias ao caso e fariam o transporte de graça”, afirma o secretário.
Apesar de afirmar que há viabilidade econômica para a logística fora do Estado, o secretário não detalhou quanto pode custar a realização dos exames e nem se a operação custaria mais do que manter um laboratório dentro do Estado. Atualmente, nenhuma companhia aérea possui voo direto de Campo Grande para Goiânia, o que faria com que envio de amostras por aviões de carreira levasse mais tempo e dependesse de pelo menos uma escala em outro estado.
O custo do envio por frota aérea própria do Estado e o valor cobrado pelo laboratório do estado vizinho não foram detalhados pelo secretário.
Brito afirma que “está trabalhando em várias frentes para retomar os transplantes no Estado”, diante da situação causada pela prefeitura de Campo Grande, que, segundo ele, “depois de 10 anos achou que não é mais obrigação dela fazer, em um contrato que nos causa muita estranheza e causa um mal estar muito grande”.
Exames fora do Estado podem travar doações
Coordenadora da Organização de Procura por órgãos da Santa Casa, a médica Patrícia Berg Leal afirma que o laboratório fora do Estado com menor tempo estimado para entregar os resultados dos exames tem prazo de até dois dias. “Não haverão doações assim. É difícil para as famílias esperarem tanto tempo pela liberação desses exames fora”, afirma.
Marcelo Santana, médico nefrologista e presidente do Sinmed (Sindicato Médico de Mato Grosso do Sul) afirma que há a possibilidade de realizar exames para transplantes fora do Estado, porém em caso de doação de órgãos de pessoas mortas, é necessário garantir logística para fazer coleta e transporte devido ao tempo de isquemia do órgão.
“Não conseguir manter um serviço dessa complexidade é o cumulo da incompetência administrativa. O ideal é fortalecer o serviço aqui, que existe e é realizado aqui. Não consigo entender por que Campo Grande não é centro de transplantes”, afirma o médico nefrologista.
Para garantir agilidade na realização dos exames, o Biomolecular, único de Mato Grosso do Sul credenciado no Ministério da Saúde para realizar exames de biologia molecular e histocompatibilidade, funcionava 24 horas por dia, em regime de plantão, justamente para realizar os exames quando houvesse disponibilidade de órgãos, independente do dia e da hora.
Impasse financeiro e contratual
O laboratório está sem contrato e de portas fechadas desde 8 de agosto, quando encerrou contrato com a prefeitura. O município, via secretaria de Saúde, argumenta, em ofício encaminhado ao laboratório, que a competência para o repasse fica a cargo do Governo do Estado, baseado no artigo 7 da portaria 2600/2009 que regulamenta o Sistema Nacional de Transplantes.
Por sua vez, o Governo do Estado via secretaria de Saúde, afirma em nota que “o Município decidiu inexplicavelmente a não fazer novo contrato com o Laboratório Biomolecular conforme comunicado à SES/MS e ao MPE” e que a execução da prestação de serviço é “de competência do município de Campo Grande, conforme consta na Portaria de Consolidação n. 004/2017, justamente, por ser gestão plena da saúde”.
Durante os 15 anos de atuação em Campo Grande, o laboratório Biomolecular recebeu remuneração pelos exames realizados compatível com a Tabela FAEC (Fundo de Ações Estratégicas e Compensação), remuneração do SUS (Sistema Único de Saúde) para o financiamento da média e alta complexidades, via contrato com a prefeitura. Mas afirma que os valores estão defasados desde 2018 e não cobrem os custos de manter a estrutura.
“Com uma tabela não conseguimos sobreviver e para não deixar o transplante do estado e os pacientes sem o serviço, estamos tentando vender o laboratório. Só para deixar o laboratório habilitado foram dois anos e não queremos simplesmente encerrar nossa habilitação junto ao Ministério da Saúde e deixar o Estado desassistido”, afirma Zuleica Garcia da Costa, diretora do Biomolecular.
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