Com liminar de despejo movida por empresa, índios em MS prometem resistência

Segundo a comunidade Guarani e Kaiowá do tekoha Mboreviry, de Naviraí, a área é território tradicional

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Liminar de despejo em Naviraí pode ser cumprida a qualquer momento (Foto: Reprodução/Cimi)

Ameaçada de despejo por um pedido de reintegração de posse movido por uma empresa de gêneros alimentícios, os indígenas da comunidade Guarani e Kaiowá do tekoha Mboreviry, em Naviraí, cidade distante 369 quilômetros de Campo Grande prometem resistência. Eles se recusam a deixar a área ocupada em outubro do ano passado.

A liminar foi concedida nesta segunda-feira (18) pela Justiça Federal de Naviraí e dá um prazo de 10 dias para que os indígenas desocupem a área. Entretanto, de acordo com informações apuradas pela reportagem do Midiamax, o Cimi (Conselho Missionário Indigenista), recorreu da decisão.

“Preenchidos os referidos requisitos, o art. 562 do CPC autoriza o juiz a determinar a imediata manutenção/reintegração de posse. Nesse ponto, há doutrina[1] que advoga ser a liminar em possessória, no caso de posse nova (ocupação há menos de um ano e um dia) uma tutela de evidência, já que exigiria a comprovação apenas da probabilidade do direito, sequer se exigindo o periculum in mora”, fundamenta a Justiça Federal de Naviraí.

Na decisão de reintegração, a Justiça Federal também ressalta que o MPF fez uso da palavra e, após destacar o descaso do Estado Brasileiro com os indígenas em geral, afirmou, porém, que, na condição de custos iuris, não tem como defender a manutenção dos indígenas no lote em questão.

“Afinal, a parte autora exercia a posse, trata-se de posse nova e as suspensões da ADPF 828 e da Lei n. 14.216/21 se referem às ocupações antes de março de 2020 e 2021, respectivamente, não se enquadrando na presente situação. Após todas as manifestações, este juízo notou que a origem de toda a ocupação teria sido a carência de moradia de algumas famílias indígenas que, despejadas de seus imóveis urbanos (a exemplo de Bráulio Armas, que morava numa casa no Bairro Jardim Paraíso), passaram a se instalar no lote objeto da demanda, crendo, no início, que se tratava de terreno público”, diz outro trecho da decisão judicial.

“Sendo assim, DETERMINO a reintegração de posse do terreno denominado ‘Chácara Sucupira’, matrículas n. 553 e n. 2.885 do CRI de Naviraí/MS em favor do autor. Nesse ponto, frisa-se que a presente determinação de reintegração de posse não viola a ADPF 828, a Lei n. 14.216 de 2021, tampouco a decisão de suspensão do Exmo. Min. Edson Fachin, no RE 1017365/SC”, decide o magistrado federal.

“Foi protocolada hoje (19) uma reclamação constitucional perante o STF para tentar impedir o despejo da Comunidade Indígena Mboreviry, determinado pela 1ª Vara Federal de Naviraí/MS na data de 18/04/2022, na ação de reintegração de posse interposta pelo grupo”, explica o assessor jurídico do Cimi (Conselho Indigenista Missionário – Regional Mato Grosso do Sul), Anderson Santos.

Segundo informações do Cimi, desde que o processo de reintegração de posse foi aberto, vários pedidos de suspensão já foram protocolados. Inclusive um parecer do MPMS (Ministério Público do Mato Grosso do Sul) sugeriu que o caso fosse analisado pela justiça federal, por envolver povos indígenas.

Em fevereiro deste ano, de acordo com a entidade, o processo foi transferido para a instância federal, onde tramita atualmente. A reclamação constitucional foi necessária, tendo em vista que os despejos de comunidades indígenas foram suspensos até o julgamento da tese do marco temporal pelo STF.

O espaço reivindicado pela empresa é ocupado por 37 famílias indígenas, que vivem numa área de mata na zona urbana da cidade localizada perto da divisa entre Mato Grosso do Sul e Paraná. Os Kaiowá e Guarani reivindicam a demarcação da área como terra de ocupação tradicional indígena.

“Dizem que não existe indígenas aqui em Naviraí. Mas nós existimos. Nós estávamos em vários lugares, em aluguéis, em beiras de córregos. A gente nunca deixou esse território Guarani Kaiowá”, afirma uma das lideranças do tekoha. Segundo ela, as famílias estão dispostas a resistirem à ação de despejo.

Além de buscar evitar o despejo, a comunidade do tekoha Mboreviry luta para que o território seja demarcado como terra indígena, segundo o assessor jurídico do Cimi Regional Mato Grosso do Sul.

Cemitério antigo

“Os indígenas reivindicam o território como de ocupação tradicional. No início, houve até uma confusão, provocada por não indígenas, de reconhecer a demanda como se fosse de moradia, mas que depois foi superada”, explica o advogado do Cimi.

Ainda de acordo com o Cimi, em um dos pedidos protocolados foi solicitado que o juiz suspenda o despejo, com base em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Em março, o ministro Luís Roberto Barroso decidiu estender até junho de 2022 o período de suspensão dos despejos no país, em razão da vulnerabilidade das famílias em meio à crise sanitária causada pela pandemia da Covid-19.

Além disso, em 2020, no entendimento do conselho, o ministro Edson Fachin suspendeu todos os processos que tratem de disputas possessórias envolvendo povos indígenas, impedindo decisões de despejo contra comunidades indígenas. A decisão vigora até que o julgamento de repercussão geral sobre demarcações de terras indígenas seja concluído pela Suprema Corte ou até o final da pandemia, caso ela persista até depois do julgamento.

O advogado do Cimi também relata, que a pedido do MPF (Ministério Público Federal), um antropólogo do órgão produziu um laudo avaliando a demanda dos indígenas pelo reconhecimento da tradicionalidade da área ocupada. “O laudo indica que de fato há vários indícios de que eles estão dentro de um território tradicional, com indícios de ancestralidade, inclusive com um cemitério antigo do povo deles”, explica Anderson.

“Os indígenas de Mboreviry jamais deixaram o grande território, o Nande Retã, estando sempre circulando, inclusive, nos domínios do tekoha guasu Santiago kue, com quem mantêm relações diversas. As saídas da tekoha apenas ocorreram em caráter temporário e efêmero, dentro da lógica de circulação dos índios, o que é culturalmente esperado – o oguatá”, diz um dos trechos do laudo do MPF que a reportagem do Midiamax teve acesso.

O outro lado

Em nota encaminhada à reportagem do Midiamax, a empresa CHF Comércio de Gêneros Alimentícios Eireli, que move a ação de reintegração de posse, representada pelos advogados Diego Marcos Gonçalves OAB/MS 17.357 e Luiz Favoretto Neto OAB/MS 19.228 ressalta que a “(…) não considera justo arcar exclusivamente com uma reinvindicação indígena recente, que nunca existiu no local, sendo que quando a empresa adquiriu a área em questão realizou estudo prévio do local de modo que constatou não existir nenhum traço ou qualquer reinvindicação, que tão somente agora manifestaram os Requeridos”.

Veja abaixo a íntegra da nota:

“A empresa em questão, representada pelo escritório de advocacia Gonçalves e Dutra advogados SS, através dos Drs. Diego Marcos Gonçalves OAB/MS 17.357 e Luiz Favoretto Neto OAB/MS 19.228, esclarece que: Ingressou com a demanda por ser a legítima proprietária do imóvel. Tal aquisição ocorreu na data de 04 de dezembro de 2020, sendo que iniciou construções no local inaugurando um Centro de Distribuição da empresa Petrópolis em meados de setembro de 2021. Apenas em setembro de 2021 que iniciaram as invasões de indígenas, que residiam em moradias urbana em Naviraí/MS por entender que o local era área pública do Município. Ao tomar ciência de tais fatos a empresa ingressou com a demanda de Reintegração de Posse. Foram realizadas 02 (duas) audiências de conciliação com representantes da comunidade, do município de Naviraí/MS, Magistrado e MPF. A medida liminar deferida em 18/04/2022 para o fim de reintegração da posse ao proprietário. A empresa salienta que não considera justo arcar exclusivamente com uma reinvindicação indígena recente, que nunca existiu no local, sendo que quando a empresa adquiriu a área em questão realizou estudo prévio do local de modo que constatou não existir nenhum traço ou qualquer reinvindicação, que tão somente agora manifestaram os Requeridos. Outrossim o antigo proprietário e possuidor do imóvel por 20 (vinte) anos, nunca sequer foi citado ou mesmo sofreu qualquer invasão indígena na área. Porém, os Requeridos de forma injustificada esbulham e turbam a propriedade privada com uma reinvindicação indevida frente a um proprietário e legal possuidor particular. Outrossim informa vários projetos em andamento para a área e que somente foram interrompidos pela invasão.”

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