#CG123: De cemitério a palco de movimentos sociais, conheça revelações históricas da praça Ary Coelho
Onde hoje é a praça Ary Coelho já foi cemitério, contou com uma biblioteca, teve tanques com peixes, tartarugas e até garças
Ranziel Oliveira –
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Das plantas iniciais de Campo Grande ao apogeu no século XXI. O local onde hoje é a praça Ary Coelho já foi cemitério, contou com uma biblioteca pública e também foi palco de movimentos sociais. Mas qual a história desse quadrilátero imponente no meio da Capital? Por que recebeu esse nome? E como esse espaço de lazer foi perdendo a sua finalidade ao longo das décadas? Confira as revelações históricas e conheça parte crucial do processo de formação da nossa ‘Cidade Morena’.
Para trazer luz ao passado desta praça, o Jornal Midiamax conversou com a presidente do IHGMS (Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul), Madalena Greco. De início, quando Campo Grande se constituía apenas da Rua 26 de Agosto, o local onde hoje é a praça era o cemitério do Arraial, com um ‘cruzeiro’ no meio.
De acordo com a historiadora, em 1909 foi elaborada a planta de expansão urbana de Campo Grande, pelo engenheiro Nilo Javari Barém. Ele cobrou 2 contos de réis pelo serviço, e mais tarde seria nomeado Engenheiro Municipal.
- Nilo Javari Barém traçou as principais ruas, deixando espaço aberto para três praças públicas. Uma delas na quadra do cemitério, que foi transferido para onde é atualmente o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) – localizado no início da Avenida Bandeirante – e em 1914 mudado para o lugar definitivo, com o nome de Cemitério Santo Antônio.
Ainda conforme as explicações de Madalena Greco, a praça recebeu o nome de Dois de Novembro, data da primeira eleição realizada em Campo Grande, no início do século XX. Ela foi cercada de arame e postes serrados, de quatro faces, pintados de branco. O nome não ‘pegou’, e os moradores a chamavam de Passeio Público.
Seguindo a linha cronológica da historiadora, na sessão da Câmara Municipal de 24 de abril de 1912, o vereador Amando de Oliveira propôs que ali fosse construída a Igreja Matriz e o nome fosse para Santo Antônio. Mas o plano não teve progresso.
A população continuou a denominá-la de Passeio Público ou simplesmente Jardim, embora não houvesse propriamente um ajardinamento. Em 9 de março de 1915, o vereador Rogério Lima propõe uma nova mudança de denominação, agora para Praça Municipal.
Seguindo a explicação da historiadora, no dia 8 de janeiro de 1916, o vereador Edil Francisco Veado fez uma indicação ao Intendente-Geral, no sentido de que providenciasse para que o engenheiro municipal da época realizasse estudos a e elaboração do orçamento para a abertura de um poço artesiano e um lago para depósito de água na Praça Municipal dessa Vila.
Formatação da praça aos moldes atuais e quem foi Ary Coelho?
A praça só recebeu aspecto de jardim quando o Intendente Arlindo de Andrade Gomes resolveu remodelá-la em 1922. “Com esmero e muito gosto foi ele próprio quem desenhou os canteiros e localizou as árvores. A primeira a ser plantada foi uma palmeira. Quando inaugurado, em 1922, o Jardim era todo cercado em volta”, explicou Madalena Greco.
“No centro, para onde convergiam as alamedas principais que partiam de cada ângulo do quadrilátero, foi levantado o coreto redondo, base de alvenaria, com quatro escadas e a cúpula de madeira. Uma obra de arte, sóbria e imponente. Logo o logradouro tomaria o nome de Praça da Liberdade”, afirmou Madalena.
Do lado da 14 de Julho, a praça também ganhou uma pérgola branca em forma de ‘L’, ornada de ramagens, trepadeiras floridas e bancos para os namorados. Ao lado um tanque d’água, com peixinhos, tartarugas, garças e gansos. Do outro lado, na saída para a Rua 13 de Maio, outro tanque maior, com uma ilha ao centro, como ainda vemos nos dias atuais. Os canteiros foram recobertos de grama verde e amarela, plantadas com variedade de árvores, hoje grandes, copadas e umbrosas.
O atual nome da praça é uma homenagem ao médico mineiro Ari Coelho, fundador da Casa de Saúde Santa Maria e 39ª prefeito de Campo Grande, entre o período de 31 de janeiro de 1951 a 21 de novembro de 1952. Ele foi assassinado em 21 de novembro de 1952. Em sua homenagem, foi erguido o monumento na praça, inaugurado em 1954.
O papel social da praça e o definhamento desse significado
Diferente da Praça Ary Coelho, nas cidades do interior de Mato Grosso do Sul as praças são amplamente utilizadas como objeto de integração social e com uma boa vida noturna. Mas qual o valor histórico dessa praça, e como essa finalidade foi sendo alterada ao longo do tempo? Marcela Grecco explicou o contexto em seus anos iniciais.
“Evento, manifestação, tudo acontecia na praça Ary Coelho. O relógio ficava exatamente na esquina da praça Ary Coelho, quando era chamada de jardim Público. Tinha biblioteca, pavilhão do chá e as pessoas discutiam a vida da cidade. O jardim era o cartão postal da cidade para onde as pessoas iam. O rádio, cinema, tudo ficava naquela região. As famílias saíam da igreja Santo Antônio e iam passear no Jardim”, disse ela.
“As praças das cidades pequenas são muito arrumadas e existe essa preocupação que é medieval, está na nossa formação portuguesa, a praça Ary Coelho já foi a joia daqui. Domingo as famílias colocavam as melhores roupas para ir passear na praça”, detalhou.
E como esse sentido foi mudando ao longo das décadas? “O que a gente percebe já na década de 60 e 70 é que houve um fluxo migratório muito grande. De pessoas que vieram pra cá para fazer a vida, ocorreu um aumento da prostituição e a praça à noite foi se tornando um local que não era mais comum a convivência. Usuários de drogas, transeuntes, roubos e agressões começaram a incomodar, ao ponto de cercarem a praça para tentar diminuir. Não tem mais cinemas [no centro] e sorveterias como tínhamos em frente à praça. Os equipamentos de lazer se esvaziaram. A praça a partir da década 90 e anos 2000 perdeu o atrativo social, pelo ocupação não desejada. A praça deixa de ser o que ocupava quando começou a cidade”, contou a historiadora.
Qual o diagnóstico para o futuro? “Quanto ao destino da praça, a exemplo de outras, irá perdendo a sua função de equipamento de lazer e torna-se apenas mais um lugar de memória”, concluiu Madalena Greco.
Contra o cercamento
O arquiteto e urbanista Valter Cortez é um dos sócios da Organura, empresa que elaborou o plano de requalificação e uma série de diretrizes para a área central de Campo Grande, onde a praça está situada.
Durante a sua explicação, ele disse como as grades foram instaladas na praça, no ano de 2012. “O nosso projeto para a requalificação da área central serviu como referência, esse projeto básico não contemplava o cercamento [da praça]. O projeto executivo [da praça] foi feito por outra empresa e não traduz todo o projeto básico, é isso um processo normal. Foram etapas distintas, a empresa que executou a obra na praça fez adequações e intervenções, e isso foi feito com o projeto específico deles para fazer o cercamento”, detalhou.
Como opinião pessoal, o arquiteto deixou claro que é contra o cercamento. “A praça é uma referência na área central de aproximadamente 10 mil metros quadrados, com relevância histórica, social e política muito grande. Eu nunca fui a favor do cercamento, acho que você tem outros instrumentos de controle do local, como câmeras de videomonitoramento e a GCM. É fundamental que a praça tenha acessibilidade plena”, disse ele.
“Imagina se formos cercar todas as nossas praças públicas, vai ficar complicado. Temos que estabelecer outros mecanismos de controle e dar segurança para a população, e não cercar. Os equipamentos públicos da praça são de múltiplo uso. Temos uma população heterogênea, você tem que pensar no convívio de heterogeneidade. Ele cumpre uma função no entorno, muitos vão descansar na praça e existe a atividade comercial. Como um cartão postal, ela tem que estar exuberante e esse é um ônus do poder público. Tem que manter o departamento de parques e jardim atuantes pra você dar condições para serem funcionais e bem preservados”, pontua.
E como você enxerga o futuro da praça? “Com o advento dessas tecnologias de informação e das mídias sociais, os locais de convivência entre os seres humanos ‘tet a tet’ voltaram a ser relevantes, não temos como substituir esses espaços. Vão ser mais relevantes”, disse ele.
Faculdade paga com a venda de pipoca na praça
Há 28 anos no mesmo ponto comercial, o pipoqueiro Izac Barbosa de Souza de 55 anos – mais conhecido como ‘Pipoca do Barbosa’ – teve a vida ressignificada pela praça Ary Coelho. “Pra mim, a praça representa a vida. Faz 28 anos que vendo pipoca aqui, é uma vida. Cheguei em Campo Grande em 1979, vindo de Anaurilândia. Eu trabalhava como pedreiro e depois comecei a vender algodão-doce. Um colega falou: Porque você não vende algodão-doce e pipoca. Ainda vendo algodão-doce, mas hoje o forte é a pipoca”, disse ele.
Também foi da praça que o pipoqueiro tirou parte do dinheiro para graduar uma das filhas na universidade. “Tenho uma filha, de 27 anos, formada em direito. Uma parte da faculdade e até a festa de formatura nós pagamos vendendo pipoca. Hoje ela trabalha em um escritório de advocacia. Conseguimos dar um futuro pra ela”, disse Izac.
Trabalhando com o marido Rosangela Silva Leão, de 51 anos, conta que além de vender pipoca, a dupla também compartilha histórias e amizades ao longo dos anos de trabalho na praça. “São várias pessoas diferentes e as pessoas querem bater um papo. Tem pessoas que vêm aqui pra se ‘desestressar’, conversar e contar um pouco da vida. Tem freguês que era de Campo Grande e hoje está morando no Rio de Janeiro, Curitiba e Cuiabá. Mas quando volta vem comprar aqui com a gente. [A praça] também é amizade e conhecimento”, concluiu Rosangela.
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