#CG122 Raiz X Nutella: descubra que tipo de ‘tererézeiro’ o campo-grandense é

Em Campo Grande, tomar tereré é arte, personalizar faz parte

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Com quantos paus se faz uma canoa ou, melhor dizendo, com quantas regras se define uma tradição? Em Campo Grande, o tipo de tereré que você escolhe diz muito sobre você. Para boa parte dos sul-mato-grossenses, tomar tereré exige vários protocolos típicos do Estado. Sucos ou refrigerantes no lugar da água trincando de gelada, por exemplo, são absolutamente reprovados pelos defensores da cultura local.

Há alguns anos, possivelmente com o alcance das redes sociais, uma segmentação foi instaurada entre os amantes do tereré.

Como todo bom ‘tererézeiro’ costuma postar fotos compartilhando o costume, algumas novidades, adaptações ou reformulações descobertas pelo convívio nas plataformas digitais começaram a ser rejeitadas em larga escala, principalmente pela população de MS.

Memes, em geral, brincam com o assunto, que só ganhou forma com ascensão da internet. Há também certa discordância de como outras regiões do país vivenciam a cultura. Antes da era das redes sociais, pouco se criticava a respeito de como o outro toma tereré. Veja alguns exemplos de brincadeiras que rolam na web sobre o tema:

Modos de tomar tereré são comparados e classificados em memes
Zombação circula nas redes sociais há alguns anos
Memes brincam com os apetrechos do tereré

122 anos de tradição

Prestes a completar 122 anos no próximo dia 26 de agosto, Campo Grande não fica atrás na difusão da bebida em território estadual. O Mercadão Municipal, localizado na Capital, é referência quando o assunto é o tipo de tereré. Para o campo-grandense, o estabelecimento é o principal local na hora de comprar as ervas e demais utensílios, abrigando em seu interior a diversidade dessa cultura e buscando atender a demanda da segmentação pelas preferências.

Mercadão Municipal é a “casa” do tereré campo-grandense (Foto: Henrique Arakaki)

Para postar fotos nas redes sociais, as garrafas térmicas personalizadas viraram febre. Com a “gourmetização” da bebida, itens e sabores diferentões não param de surgir, provocando estranheza em muitos que ainda são apegados à forma mais tradicional de consumo.

Encostando nos 122 anos de idade, de que forma Campo Grande preservou o costume e disseminou a tradição? Em celebração à data, o Jornal Midiamax levantou, junto aos vendedores e consumidores, o perfil do ‘tererézeiro’ campo-grandense. Seguindo as definições da própria população, seria o campo-grandense um ‘tererézeiro raiz’ ou um ‘tererézeiro nutella’?

Qual seu tipo de tereré? Raiz X Nutella

Primeiro, é preciso entender o que cada termo significa. Perguntamos aos moradores da cidade morena o que eles entendem por ‘tereré de raiz’. A maioria dos entrevistados declarou que um típico tereré é o feito em copo de alumínio, plástico ou guampa de chifre bovino, servido na garrafa pet reaproveitada de refrigerante, usando a bomba mais barata possível e, de forma unânime, com erva crioula sem sabor – por vezes acompanhada, no máximo, de um limãozinho.

Típico tereré raiz eleito pelos campo-grandenses (Foto: Marcos Ermínio)

Já o ‘nutella’ é definido pelos campo-grandenses como um tereré mais ‘gourmetizado’, cheio das personalizações ou espantos visuais, além da diversificação nos sabores. Resumindo: servido em guampa ou copos e garrafas personalizados, com ervas saborizadas (uva, tutti-frutti, cereja, menta, abacaxi), e tomado em bombas chiques, caras e diferentonas.

Variedade de garrafas no Mercadão (Foto: Henrique Arakaki)

No Mercadão Municipal, vendedores das bancas de tereré revelaram ao Jornal Midiamax quais são os produtos mais adquiridos pelos munícipes. Dessa forma, é possível descobrir a preferência do campo-grandense. De acordo com os comerciantes, as maiores saídas são de erva tradicional crioula e copos de inox. 

Quanto às bombas, é unanimidade: o campo-grandense não se importa com os “benefícios” e costuma levar sempre as mais baratas, sem muitos critérios para a escolha e ignorando objetos ornamentais que, inclusive, melhoram a experiência de tomar tereré. A saída de garrafas e a variedade desses produtos agradam quem passa por ali em busca de identidade.

Bombas preferidas dos campo-grandenses (Foto: Henrique Arakaki)

Nas ruas da cidade, a população confirma os relatos das vendas no Mercadão: a preferência das pessoas ouvidas é pela erva crioula sem sabor, bomba “qualquer uma”, copo de alumínio e garrafa térmica personalizada. O campo-grandense ama uma garrafa decorada com estilo de sua preferência.

Em busca de identidade

Não só os campo-grandenses, mas boa parte dos sul-mato-grossenses, deixam o seu tereré com a própria cara. Ouvimos de moradores da Capital que a principal motivação para o ‘terés’ estilizado é a foto nas redes sociais. “Mais bonito, chama atenção”, “Deixo a minha marca, do meu jeito”, “É estilo”, “Uma foto de uma garrafa linda no Instagram é muito melhor que de uma garrafa pet feia”, foram alguns dos argumentos.

Diante dessa procura, quem sai ganhando, além do Mercadão, que disponibiliza estoque já pronto e decorado, são os profissionais que personalizam tudo de forma artesanal e encomendada em Campo Grande.

Estampas imprimem jeito de cada ‘tererézeiro’ (Fotos: Arquivo Pessoal)

Viviane e Michele são artesãs e, desde 2019, confeccionam garrafas no ateliê Tereré Campeão, na Capital. O trabalho, segundo elas, faz muito sucesso. Chegam a vender mais de 30 por mês, personalizadas do jeito do cliente. “Personalizamos porta-erva, copo, coolers, suporte de latinha, garrafas de vários modelos e tamanhos”, explica Michele.

“A procura é grande, surgiu como um hobbie da Viviane que é funcionária pública, mas acabou se tornando uma sociedade com a chegada da pandemia. Eu trabalhava com eventos e vimos nas garrafas uma possibilidade de sustento para nossas famílias, percebemos que a demanda estava aumentando e focamos no tereré”, contou a artesã Michele à reportagem.

Artesãs personalizam e fazem tereré ser arte (Fotos: Arquivo Pessoal)

O foco do trabalho das duas é o couro, mas pérolas também têm sido usadas e a intenção é expandir. O couro, por sinal, é a matéria-prima queridinha de Campo Grande no encapamento das garrafas. Outras lojas da Capital procuradas pela reportagem reiteraram a preferência. Por quê? “Pela resistência e pela estética, uma coisa que remete ao rústico, e pela conservação, além do estilo próprio”, opinou o vendedor de um estabelecimento que vende o utensílio.

Nem raiz, nem nutella

Meio termo. Depoimentos muito parecidos mostram que o morador da Capital sul-mato-grossense curte mesmo a erva crioula sem sabor, não se importa com a bomba, mas preza por uma garrafinha térmica estilosa. Sendo assim, nem 100% raiz, nem 100% nutella. “Um pouco dos dois. Erva de sabor não dá, mas a garrafa é pela praticidade. E se eu já tô comprando uma garrafa, por que não uma bonitinha, do meu jeito, com a minha cara?”, indagou a moradora Marlene Santos, que resume os relatos que coletamos das pessoas na rua e define o “jeito campo-grandense”, segundo os próprios naturalizados da cidade morena.

Meio termo define o campo-grandense: um pouco de cada (Foto: Marcos Ermínio)

Imprimir no próprio tereré sua marca, nome, rosto, ou figura de escolha é uma forma de construir sua identidade na cultura ‘tererézeira’. O costume, taxado por muitos como ‘nutella’, é nada mais que um impulso importante na preservação da tradição, que vem se adaptando e construindo atrativos para continuar existindo.

Importância

Desde 2010, o tereré é reconhecido como bem imaterial de Mato Grosso do Sul pelo Conselho Estadual de Cultura. Dez anos depois, em dezembro de 2020, a bebida típica foi declarada patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).

Escultura pesa 300 quilos e tem seis metros de altura (Foto: Henrique Arakaki)

Em Campo Grande, apesar de vendida na maioria dos supermercados da cidade, a erva para o preparo da bebida tem como casa o Mercadão Municipal, com suas tradicionais bancas dos mais variados gostos. Além da referência estadual, a Capital abriga o monumento Guampa de Tereré, erguido na Orla do Aeroporto em 2014, próximo também à rodovia. Visitantes e viajantes que passam por Campo Grande se deparam com a enorme escultura que ressalta e exalta a tradição local.

Personalizar faz parte

Não importa se a água gelada é servida numa garrafa pet de refrigerante ou numa garrafa térmica de três litros personalizada. Nem se a guampa é um copo de requeijão, de alumínio, ou de chifre de boi. Muito menos se a bomba é a “top das tops”. O importante mesmo é perpetuar e preservar a cultura do tereré sul-mato-grossense, seja ele estilizado ou não. Afinal, tomar tereré é arte, personalizar faz parte.

Lado a lado, estilos pouco importam se o que vale é a preservação da cultura (Foto: Marcos Ermínio)

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