Atos como incitação à desobediência civil da sociedade em relação aos decretos que restringem a abertura e funcionamento de estabelecimentos comerciais em como forma de enfrentamento ao novo coronavírus (Covid-19) começam a ser observados pela Prefeitura da Capital, que avalia tomar providências com base na ameaça à saúde pública. A afirmação é do procurador-geral do município, Alexandre Ávalo, em meio a manifestações pregando o desrespeito às regras sanitárias, adotadas para conter a circulação do vírus.

“A própria expressão ‘desobediência civil' já diz tudo: inobservância de ordens legais, uma vez que há decretos vigentes de ordem municipal, estadual e federal”, destacou Ávalo. “E a expressão da desobediência civil é tentar legitimar as ações que contrariam as leis. Isso já foi informado ao Ministério Público e à força-tarefa composta para combate ao novo coronavírus”, prosseguiu.

A prefeitura informa que pretende identificar pessoas que incidam nessa prática, que estariam sujeitas a penalidades administrativas e, caso o MP assim avalie, penais.

As manifestações se intensificaram a partir da tarde de sexta-feira (27), quando uma carreata com centenas de veículos lotou a Avenida Afonso Pena. Composta em grande parte por empresários, e outros profissionais liberais, a ação, que contou com buzinaço, teve por objetivo negociar com o prefeito a retomada da atividade comercial –alguns comércios e indústrias atuam com restrições de concentração de pessoas e clientes e pressionam pela reabertura.

Contestação

Atos do gênero se repetiram pelo país na esteira de pronunciamento, na semana passada, do presidente Jair Bolsonaro, cobrando de governadores e prefeitos o afrouxamento das regras de funcionamento e a adoção de uma quarentena vertical, voltada apenas aos grupos de risco.

A tese é rebatida por secretários de Saúde de Estados e municípios e os próprios gestores, já que crianças e jovens são vetores do coronavírus e podem o transmitir a pessoas vulneráveis, sobrecarregando leitos de UTI sem que haja condições sequer de testagem dos casos. Até sábado (28), o país contabilizava quase 4 mil casos da doença e 114 mortos. O próprio Ministério da Saúde espera que o país uniformize ações contra a pandemia, incluindo aí a manutenção de espaços públicos fechados.

O empresário Rafael Tavares é um dos defensores do afrouxamento das regras. Em postagem por redes sociais, defendeu abertamente a desobediência civil aos decretos. “A liberdade individual do cidadão não pode ser ameaçada pelo prefeito de Campo Grande”, sustentou ele, apontando que poderia ser “recomendado” à população ficar em casa, mas seria inconstitucional ameaçar de prisão por ferir a liberdade de ir e vir.

Isolamentos

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Guarda Municipal em rua fechada ao lado do Paço Municipal, em buzinaço na sexta-feira; prefeitura observa casos de desobediência civil. (Foto: Arquivo)

Tavares afirma que o toque de recolher deveria partir do presidente da República, dizendo-se também favorável à tese de quarentena vertical, que segundo ele é seguida em outros países como Suécia, Coreia do Sul, Holanda, EUA e Japão. Ele afirma que o exemplo da Itália –que trocou o isolamento horizontal pelo vertical e viu o número de mortes disparar– não poderia ser aplicado no Brasil por diferenças em termos de idade da população, clima e condições sociais.

O isolamento horizontal foi adotado em países como Alemanha, Argentina, Bélgica, França, e Índia, com fechamento de escolas e comércios e mantendo as pessoas em casa. Na China, onde o coronavírus surgiu, a medida foi adotada em Wuhan, epicentro da doença, e depois em 20 regiões.

Já o isolamento vertical foi seguido pela Coreia do Sul mediante testagem massiva da população para verificar se havia portadores da doença e isolamento de todo o caso suspeito, mesmo que a pessoa não tivesse sintomas. e Holanda também seguiram essa orientação, sendo que o primeiro alterou as medidas de contenção diante do aumento no número de casos.

O empresário disse não estar disposto a negociar sua “liberdade individual”. Ávalo, por sua vez, reforçou a validade dos decretos locais –replicados por governadores e outros prefeitos–, e a existência de penalidades tanto para quem os descumpre propriamente como para aqueles que defendem tal prática. “Medidas serão tomadas”.

“Pessoas nas redes incitando a desobediência civil praticam um delito, a incitação ao crime”, alertou. O artigo 286 do Código Penal, o primeiro sobre os Crimes contra a Paz Pública, prevê que  “incitar, publicamente, a prática de crime”, tem pena de detenção de 3 a 6 meses ou aplicação de multa.