Entenda como foi afetada a vida de quem investiu na empresa

Venda de carro, hipoteca de casa, empréstimo, dinheiro do FGTS ou aquela grana guardada debaixo do colchão. Qualquer sacrifício financeiro parecia valer a pena para entrar no lastro dos famigerados bitcoins e conseguir lucrar grande na ideia defendida por Cícero Saad e Johnnes Carvalho, os donos da empresa Minerworld, que se apresentou ao mercado afirmando minerar a criptomoeda mais valiosa da atualidade.

Desde que engrenou, a empresa viveu alguns meses de plena prosperidade, com recompensas invejáveis concedidas aos associados mais dedicados: viagens nacionais e internacionais, carros populares aos que valem mais de R$ 200 mil e grandes quantias em dinheiro. Todos os prêmios eram proporcionais ao esforço de cada membro em arrebatar novos associados. A partir de então, muita gente foi seduzida pela proposta e por um perído até ganhou dinheiro. Mas,  desde outubro de 2017, o sonho tornou-se pesadelo.

Sonho de vida melhor com a Minerworld levou famílias à ruína econômica

“Eu faço faculdade, estava na metade do curso, ano passado, quando minha mãe recebeu uma parte de um dinheiro que minha avó dividiu entre os filhos. Minha mãe é diarista e a gente queria que esse dinheiro durasse até eu acabar a faculdade, pelo menos. Foi quando conhecemos um associado diamante da Miner, que fez toda aquela propaganda. Investimos pouco no começo, mas como houve retorno, conseguimos receber uns R$ 5 mil de lucro. Daí, investimos mais. Colocamos cerca de R$ 17 mil na empresa até que ela parou de nos pagar”, aponta uma investidora de Campo Grande que, assim como os demais personagens desta matéria, não serão identificados a pedido.

“Moro em Campinas (SP) e conheci um investidor de Campo Grande durante minhas férias. Investi uma quantia baixa e tive, no começo, a promessa de lucro alto. Teve ganância da minha parte, porque eu não estaria mal nesse momento se não tivesse feito um empréstimo de 30 mil e colocado todo na empresa. Recebi menos de R$ 10 mil, que reinvesti, e desde outubro não recebo nada. Estou devendo o banco e coloquei meu carro como garantia”, fala um investidor de Campinas, que move processo contra a empresa.

Para pagar cirurgia

Convidado por um colega de Campo Grande, um investidor de Nova Londrina, no Paraná, entrou na empresa após a promessa de que a Minerworld seria um empresa sólida no ramo de mineração de bitcoins. “De cara eles falavam que não era pirâmide, que era sustentável. A princípio fiquei com medo de investir, mas como o ‘diamante’ mostrou extrato bancário dos saques efetuados, fui convencido que poderia ser uma bela oportunidade que batia a minha porta e uma chance de eu conseguir um dinheiro para pagar uma cirurgia que tive que fazer. Eu estava devendo R$ 9 mil. Então fiz um pequeno investimento de R$ 2 mil e à medida que fui efetuando saques, fui reinvestindo. Até cheguei a pegar empréstimos de 12 mil pra investir”, conta o associado.

Recompensas aos associados 'dedicados' iam de carros a viagens (Reprodução)

“Entrei em fevereiro do ano passado. Nos primeiros cinco meses, me pagaram fielmente. Depois, já começou a dar problemas e já fazem uns 5 meses que pararam de pagar e ficam enrolando com promessas falsas. Ao todo investi R$ 19 mil. Nunca fiz rede, fui somente um investidor. Eu não paguei a cirurgia, ainda. Estou devendo”, conta.

Uma investidora paraense utilizou R$ 18 mil que recebeu da conta inativa do FGTS para lucrar com a mineração intermediada pela empresa. “Um dinheiro que eu não sabia para o que usar, e quando conheci esse casal, eles me deram provas, mostraram extratos dos rendimentos, e eu fui convencida de que era algo seguro e sustentável”, conta a moradora do Pará. “Aqui tem centenas de pessoas lesadas. Todo mundo ganhou um pouco no começo, não tanto quanto esses diamantes, mas ganhamos. E depois ficamos na mão. E a gente ignorou que pudesse ser um golpe”, conta.

Sob mesmo teto

A rede de confiança que se formava entre as pessoas seduzidas pelas promessas de lucro às vezes alcançava pessoas sob o mesmo teto. Com o calote da empresa, portanto, a consequência foi mais que financeira.

“A minha situação é pior, porque minha sogra me odeia, minha esposa me odeia, meus cunhados. Levei todo mundo para a empresa porque eu estava recebendo uma boa grana por três meses e todo mundo tinha um dinheiro guardado comprou a mesma ideia que eu. Agora está todo mundo em dificuldade”, conta um paranaense de Londrina que também ingressou com ação contra a empresa. “Eu só tenho esperança de que algum juiz determine que a gente receba o que investiu. Se juntar tudo da minha família, foram uns R$ 100 mil jogados no lixo”, conta o investidor.

Um dos prédios utilizados pela Minerworld em Campo Grande (Google Street View)

A mesma coisa ocorreu no lar de uma família paulistana, que chegou a vender uma das casas para investir. “Eu levei a ideia para meus pais, todo mundo ficou empolgado. Vendemos uma casa que tínhamos por R$ 170 mil e investimos tudo. Recebemos um pouco, mas paramos de receber na sequência, em outubro. É difícil olhar na cara do meu pai, a sensação de destruição é muito forte”, relata outro investidor.

Sedutora mineração

Foi com a promessa de rendimentos com lucro extraordinário e retorno do investimento em até um ano que a empresa apresentou os bitcoins sob um ângulo diferente: a mineração. Uma moeda virtual, para ser sólida e ter valor de mercado, precisa ser segura e à prova de fraudes. Assim é o bitcoin, que precisa de muita tecnologia para validar seus códigos e fazê-lo funcionar.

É onde entra a mineração, ou melhor, as fazendas de mineração – galpões refrigerados lotados de computadores superpotentes, dedicados exclusivamente à atividade. Como recompensa, as mineradoras ganham bitcoins. E como a moeda teve uma supervalorização ao longo de 2017, a ideia de lucrar muito acima do normal parecia bastante crível. Era o negócio da China, digamos assim.

E mesmo em meio a polêmicas e acusações de ser uma pirâmide financeira, a empresa prosperou ao longo de 2017. O número de associados cresceu, mesmo com denúncias na Polícia Federal, investigação na polícia paraguaia, Polícia Civil de Mato Grosso do Sul e pareceres negativos de órgãos como o CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Johnnes Carvalho e Cícero Saad na inauguração da Minertech, no Paraguai (Reprodução)

Nova promessa de pagamento

O diretor da empresa Minerworld, Cícero Saad, anunciou nesta semana durante videoconferência on-line, que todos os ativos da empresa serão direcionados para o pagamento de seus associados, que estão desde outubro de 2017 sem receber os repasses de rendimentos.

Na prática, a empresa afirmou que os rendimentos da mineradora Minertech, inaugurada em janeiro na cidade paraguaia de Hernandarias, será direcionada a quem optou por bitcoins no plano de liquidez anunciado neste ano. O lucro das cadernetas de rendimentos de bitcoins investidos também será distribuído. No entanto, segundo Saad, o rateio será igualitário, e não proporcional, independente de quanto tenha a se receber.

No vídeo, Cícero Saad destaca que os rateios deverão ter início já na próxima semana e que inicialmente os valores, que serão pagos na plataforma MinerID, não deverão ser expressivos. Saad também não precisou qual a expectativa da cota de rateio. Ele não respondeu perguntas dos associados, mas prometeu fazer videoconferências quinzenalmente. Ele também destacou que deverá criar um conselho de usuários para auxiliar nas decisões da empresa.

A Minerworld já apresentou diversas justificativas para a interrupção dos pagamentos. Desta vez, no entanto, a empresa afirmar que tudo foi consequência de um ataque hacker à conta da Minerworld no exchange Poloniex, que troca bitcoins por dinheiro estatal como numa bolsa de valores. Segundo a empresa, 851 bitcoins foram desviados, resultando no prejuízo de mais de US$ 16 milhões – cerca de RS 55 milhões.

Na última semana, o Jornal Midiamax apurou que a Polícia Federal retomou as investigações da empresa, a pedido do MPF (Ministério Público Federal), possivelmente em função do crescimento do número de reclamações e denúncias feitas diretamente ao órgão federal, apontando que a empresa agia em todo o território nacional, bem como em alguns países como Estados Unidos, México, Paraguai e Japão.

A reportagem buscou contato com o órgão, que afirmou que não comentará as investigações uma vez que o processo corre em sigilo. Todavia, na prática, as investigações voltam a ser competência da PF, já que as primeiras denúncias ocorridas no primeiro trimestre de 2017 foram encaminhada para o órgão federal.