Vendedora cuida de jacarés e tuiuiú

A BR 262, principal caminho que atravessa o Estado, reserva surpresas para os viajantes que tem como destino ou sua fronteira com a Bolívia. Entre as maiores delas, está um pequeno recanto, localizado pouco antes do km 654, que é uma casa simples de beira de estrada com um ‘quintal' que mais lembra uma réplica do Pantanal. Nela, reside uma simpática senhora de 71 anos que preserva símbolos de um bioma inteiro, se recusando a abandonar esses animais mesmo com a idade avançada.

Morando com um filho, ‘Maria dos jacarés', como ficou conhecida, vive no local há 38 anos. Por vir de uma fazenda distante de Miranda, ela só foi registrada com 7 anos de idade. Seu nome de batismo é Eurides Fátima Macena de Barros e seu amor por animais que, normalmente, aterrorizariam qualquer pessoa, é inexplicável.

Apesar de morar em um lugar tão vulnerável como uma rodovia e ter uma casa simples, ela não pensa em ir embora. “Eu não conseguiria ir porque eu tenho muita dó dos jacarés. Eu tenho muito amor, eu não conseguiria sair, só se um dia eu ficar doente”.

E os animais respondem ao carinho. Os jacarés vêm até a ‘dona' quando ela toca o berrante (veja o vídeo abaixo). Ela ainda consegue se aproximar e acariciar os répteis, mas respeitando a natureza do animal, sem torná-los bichos de estimação.

 

 

O santuário de Eurides começou após sua chegada ao local devido ao trabalho do marido. Ele era um dos trabalhadores que construíram a ponte que hoje é famosa por quem passa pela rodovia. “Meu marido trabalhava na construção da ponte, daí eu vim junto, tinha uma barraquinha aqui. Naquela época, tinha muita matança de jacaré. Eu ouvia o pessoal dizendo que tinham matado tantos jacarés e chorava, ficava muito aborrecida por causa disso”, contou. Após a separação, há mais de 20 anos, ela transformou o barraco em uma casa simples.

A relação de afeto entre dona Eurides e os animais é descrita como divina já que na primeira aparição de um dos répteis, ele não a atacou. “Um dia eu estava amamentando meu neném e apareceu o Bruto [o jacaré] e eu gritei. Parece que foi Deus que mandou. Tudo que eu falava, ele obedecia”, lembrou.

O número de jacarés no rio já chegou a 1.600. Apesar de todo o cuidado, a falta de uma infraestrutura adequada é uma preocupação para a vendedora. “Faz tempo que eu moro aqui. Tenho um casal de filhos e 6 netos. As crianças querem vir aqui passar um tempo comigo, mas eu não tenho uma casa boa, por isso que elas não ficam aqui”, explicou.  

A morte dos animais até hoje revolta a vendedora. Ela contou que é comum encontrar animais mortos ao redor de sua casa pois, por ter diabetes, ele precisa se deslocar para ir ao médico, momento em que os animais ficariam sem proteção (veja o relato no vídeo abaixo).

Os jacarés todos têm nomes relacionados ao futebol. O mais velho é chamado de Felipão. Outro recebeu o nome de Tafarel. Já o primeiro jacaré a aparecer é o Bruto. Mas, se os répteis assustam algumas pessoas, outras podem ter a sorte de serem contempladas com a elegante presença do tuiuiú, carinhosamente batizado de Flamenguista.        Durante a reportagem, a equipe do jornal Midiamax foi surpreendida com o pouso da ave símbolo do Pantanal no quintal de dona Maria.

Os animais que permanecem ali são cuidados com esforço da própria vendedora. Ela contou que vive do que vende na beira da estrada e que cobra somente os turistas que vem em ônibus de turismo. A renda curta tem sua maior parte revertida para a compra dos alimentos dos animais. Para os jacarés, ela compra os retalhos de carne. Já para o tuiuiú, ela deixa os restos dos peixes que frita para alimentá-lo.

Mas para ela, todo o esforço vale a pena. “É amor demais que eu tenho por esses bichos”, disse.