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Artigos de Opinião

Campo Grande, 126 anos de Carnaval na Cidade Morena

Teylor Fuchs: Sociólogo, pesquisador, professor. Doutorando em Sociologia (UFGD), Mestre em Estudos Culturais (UFMS)
Arquivo -
Teylor Fuchs

*O presente artigo foi retirado de trechos do livro: Do Clube dos Fidalgos ao Cordão Valu – Alegria e Resistência Ocupando as Ruas da Cidade, o livro será lançado no dia 11 de setembro de 2025 em Campo Grande.

Campo Grande celebra no próximo dia 26, seus 126 anos. A data, que já causou discordância entre historiadores, foi definida em virtude da emancipação política de Campo Grande, ocorrida no dia 26 de agosto de 1899. Na última semana, uma pesquisa realizada nas capitais do país sobre cultura revelou alguns aspectos do perfil cultural da população campo-grandense, uma das perguntas consistia em apontar a festa de maior
relevância na capital, e o carnaval foi o mais apontado por boa parte da população.

Entretanto, apesar da folia hoje arrastar grandes multidões na região da Esplanada Ferroviária, muito pouco se sabe ou é divulgado sobre a força e a existência histórica da festa, vejamos agora um pouco dessa história, que caminha lado a lado com a história da capital.

Desde quando o povoado de Campo Grande contava apenas com uma rua, a Rua Velha (atual 26 de agosto), as folias carnavalescas já ocorriam. Segundo Paulo Coelho Machado (2008), no fim do século XIX e início do Século XX, era o entrudo que marcava o carnaval, com bexigas e latas d’água, farinha e muitas vezes terra, a pequena população já gozava das festas momescas.

Entretanto, o primeiro préstito carnavalesco a se organizar e sair às ruas foi o Clube dos Fidalgos, em 1912. Criado por Eduardo Santos Pereira e Gabriel Garcia Martins, o bloco trouxe à Rua 14 de Julho carros alegóricos com temas alusivos aos acontecimentos da época, com forte caráter crítico e satírico. Memorialistas da época
destacam o carnaval de 1914 como grande marco da festividade, entretanto os primeiros festejos teriam começado anos antes. Embalados pelo crescimento da cidade morena provocado pela vinda dos quarteis e a chegada da estrada de ferro, os festejos carnavalescos cresceram e as disputas dos blocos agitaram a sociedade nas décadas de 1910 e 1920.

Em 1924 surgiu o Rádio Clube e, a partir daí, tomou força os festejos carnavalescos em salões de clube, outra “modalidade” do carnaval campo-grandense que perdurou durante quase todo o século XX. Acompanhando as transformações da capital da república e de São Paulo, outra modalidade irrompeu as ruas no carnaval de Campo Grande no final da década de 1920 e perduraria pelas décadas de 1930 e 1940: o Corso. Pela 14 de Julho realizavam-se os corsos carnavalescos, inicialmente com carruagens, substituídas, posteriormente, por automóveis de capotas arriadas que percorriam o trecho principal entre Afonso Pena e Mato Grosso; confetes e serpentinas eram lançados durante o trajeto.

Uma forma de brincar o carnaval não excluía a outra; os blocos de rua, outra forma de curtir a folia, jamais desapareceram, mesmo em muitos momentos ocupando pouco espaço nas mídias da época. Na década de 1920 surgiu o Bloco do Lulu. Na década de 1930, o mais famoso foi o Bloco do Capivara, fundado por Oswaldo Santos Pereira, filho de Eduardo Santos Pereira, fundador dos Fidalgos. O bloco teria sido o primeiro a desfilar nas ruas campo-grandenses com os homens vestidos de mulher, causando grande assombro na sociedade.
Grandes blocos surgiram na década de 1940, entre eles os Filhos da Felicidade, que acabou ficando conhecido como Bloco do Badu. Dele fizeram parte nomes que mais tarde seriam os responsáveis pela criação das primeiras escolas de samba da cidade, como Goinha, Picolé, Alceu e Carlão. Entre o final da década de 1940 e início da década de 1950 surgiu o Turistas do Espaço, um bloco que tinha fantasias de inspiração futurista e fez muito sucesso nos anos que desfilou. Nos anos de 1950 surgiu o Brasil, criado por membros dissidentes do Badu, Goinha e Felipão, que daria origem à primeira Escola de Samba de Campo Grande, como veremos mais adiante.

O primeiro registro da organização de um carnaval de caráter público gratuito é de 1957, realizado pela Rádio PRI-7 – Rádio Difusora e Rádio Cultura, com apoio da Prefeitura e da 9ª Regional Militar. A Rádio PRI-7, inaugurada em 26 de agosto de 1939, primeira emissora de rádio de Campo Grande (Cruz, 2022), montou um palco em frente ao seu prédio e proporcionou duas noites de muita alegria e descontração graças à
adesão em massa da população.

O carnaval de rua crescia cada vez mais; a participação popular só aumentava, os blocos investiam em ensaios e adereços e faziam, a cada ano, um desfile mais e elaborado. É nessa década que surgiram as primeiras escolas de samba, porém somente nas décadas de 1970 e 1980 elas passaram a ter mais apoio, e organização. Os blocos de rua foram os responsáveis pelo aprimoramento dos desfiles
e a transição para a criação das primeiras escolas de samba de Campo Grande. Gregório Corrêa, o Goinha, conta um pouco sobre o surgimento das primeiras Escolas de Samba.

Segundo ele, tudo começou na década de 1950 quando, por motivos de saúde do seu filho, foi levado a ficar um ano morando no Rio de Janeiro. Lá, teve contato com o carnaval, sambistas e carnavalescos. Retornando à cidade morena, conta ao seu amigo Felipão sua ideia de criar uma Escola de Samba, e o amigo abraçou imediatamente a ideia. Em 1962, eles saem em desfile na 14 de Julho com uma pequena bateria, e segundo contam, deram um show. Em 1963, já um pouco mais organizado, desfilam novamente com cerca de 50 integrantes. Em 1964, batizam a escola de Acadêmicos do Jardim Brasil e, em 1966, trocam pelo nome que seria definitivo, Acadêmicos do Samba. Em 1968, recebem pela primeira vez apoio da prefeitura para a compra de fantasias e instrumentos.

Em 1969, seu amigo Felipão decide fundar outra escola, a Unidos da Vila Carvalho, e pela primeira vez, segundo Goinha, tiveram um carnaval organizado com palanque, e publicidade. Em 1970 surgiu a Catedráticos do Samba, fundada por Carlão, também ex-integrante da Acadêmicos. Aliás, todas as novas escolas que surgiram eram comandadas por ex-integrantes do grupo dele, como o caso de Picolé, que fundou a Unidos do Cruzeiro, e Dudu, que em 1975 fundou a Igrejinha. Em 1980, com o carnaval de Escolas de Samba já consolidado, criou-se a Associação das Escolas de Samba, oficializada em 1981, sendo seu primeiro presidente Gregório Corrêa.

Posteriormente, a Associação passa a se chamar Liga das Entidades Carnavalescas de Campo Grande – MS (LIENCA CG). O carnaval crescia em Campo Grande em seus múltiplos espaços; as Escolas de Samba se multiplicavam e se aprimoravam a cada ano. O governo municipal realizava o chamado Baile Popular na Praça Ary Coelho, e os bailes de salão lotavam os diversos clubes existentes. Em 1982, o Correio do Estado noticia a realização de bailes nos seguintes clubes: Rádio Clube, Surian, Libanês, União dos Sargentos, Noroeste, Círculo
Militar, Cruzeiro, Okinawa, Centro Beneficente Português (Correio do Estado, 19 de fevereiro, 1982).
Em 1984, a prefeitura da capital nomeou uma coordenação para organizar e acompanhar a programação do carnaval; a festa foi intitulada Alegria das Diretas, alusiva ao movimento nacional no final da ditadura militar que pedia eleições diretas para presidente e governador. A grande inovação trazida nesse ano foi a realização da
Batalha de Confetes, atividades pré-carnavalescas realizadas pela prefeitura, com o objetivo de descentralizar o carnaval, que ocorreram em diversas regiões da cidade. As Batalhas de Confetes contavam com a participação das escolas de samba com seus puxadores, bateria e passistas, e outra grande novidade: o Jacaré Elétrico, uma versão campo-grandense do trio elétrico, um caminhão equipado com potentes caixas de som que, no intervalo das apresentações, circulava com apresentação de sambistas, passistas e demais bandas e artistas convidados (Correio do Estado, 26-27 de fevereiro, 1984).

A década de 1980 foi bastante profícua para o carnaval de Campo Grande, principalmente para as Escolas de Samba, que realizaram desfiles durante todos os anos, contando cada vez com mais integrantes, novas escolas e blocos surgindo e a participação cada vez maior da população. Entretanto, a década de 1990 sofreria um
grande revés, sem condições financeiras e sem apoio do poder público para o carnaval, o que teria levado à suspensão dos desfiles das escolas de samba por dois períodos: 1992-1995 e 1997-1998. Esse foi o primeiro período que não ocorreram desfiles na 14 de Julho desde a criação dos desfiles na década de 1960. Percebe-se que as mudanças e instabilidades políticas afetavam a organização e o acontecimento da festa.

Nos anos de 1999 a 2001, são realizados pré-carnavais nos altos da Avenida Afonso Pena, organizados pelo governo do Estado, com destaque especial ao ano de 2001, quando o executivo estadual buscou promover o turismo, repassando, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, um milhão de reais à Escola de Samba do Rio de Janeiro Salgueiro para homenagear com o samba-enredo intitulado: Salgueiro no Mar de Xarayés, é Pantanal, é carnaval (Correio do Estado, 22 de fevereiro, 2001).

É nesse momento, em 1999, que é criado o carnaval da Fernando Corrêa da Costa, organizado pela prefeitura municipal, com fechamento da avenida para controle da entrada somente após revista, estrutura de palco e com bandas da capital e da Bahia. O carnaval da Fernando Corrêa da Costa desde o seu primeiro ano e nos anos seguintes levou milhares de foliões para a avenida. Notícia veiculada na imprensa diz sobre 215
mil foliões em 2004 e a pretensão de repetir o sucesso em 2005.

Em 2001, por meio de convênio com a Liga das Escolas de Samba de Campo Grande e o governo do Estado, foram repassados recursos para as escolas da capital retomarem os desfiles na 14 de Julho; entretanto, somente em 2002 voltariam as disputas por quesitos e notas. Havia, portanto, dois carnavais em Campo Grande, um realizado pela prefeitura e outro pelo governo do Estado. Na 14 de Julho, além do
subsídio financeiro dado às escolas, o governo também era responsável por toda estrutura: arquibancada, carros de som, palco, iluminação e premiação em dinheiro para as campeãs. O desfile de 2002 atraiu 50 mil pessoas.

Em 2007, após longa oposição devido às reclamações de moradores e comerciantes, o desfile foi mudado da Rua 14 de Julho para a Avenida Fábio Zahran (Via Morena). Entretanto, em 2011, o Ministério Público Estadual, por meio de ação, proibiu shows e afins no Parque Laucídio Coelho e Via Morena. Após várias tratativas,
o desfile de 2011 aconteceu na Via Morena, mas em 2012 foi remanejado novamente e, desta vez, para a Praça do Papa, localização bastante afastada da região central, onde os desfiles acontecem até hoje.
Carnaval de Rua – Cordão Valu e Novos Blocos Fundado no dia 02 de dezembro de 2006, juntamente com o Bar Valu, o Cordão do Bar Valu fez seu primeiro desfile no sábado de carnaval de 2007, saindo do bairro São Francisco até chegar no Bar do Zé Carioca na Esplanada Ferroviária. O bar Valu fechou e o Cordão passou a se chamar apenas Cordão Valu. O Cordão é o grande precursor do Carnaval de Rua em Campo Grande no século XXI, diferenciando-se dos desfiles das escolas de samba, do desfile dos blocos oficiais e dos shows de carnaval realizados pela prefeitura. O carnaval de rua distingue-se pelos blocos independentes e autogeridos, ocupação de praças e espaços públicos e desfiles e cortejos em suas regiões. Diversos outros blocos surgiram em seguida e o carnaval de rua virou uma realidade em Campo Grande. O Cordão Valu deixa nítido seu intuito de fazer o carnaval incentivando a liberdade e a ocupação dos espaços públicos: “o Cordão trouxe as pessoas para a liberdade das ruas novamente. Novos blocos foram surgindo, seguindo o mesmo princípio. Acontece que o campo-grandense entendeu que pode ocupar as ruas no carnaval ou em qualquer dia” (CordãoValu, 2020).
Da Rua Velha ao corso, dos clubes às escolas, dos desfiles ao Cordão Valu, o carnaval acompanha Campo Grande há mais de um século. Contar a história da cidade, sobretudo no 26 de agosto, é reconhecer essa linha contínua que perpassa décadas, formatos e gerações — e que segue viva, vibrante e diversa.

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