Em sete meses de pandemia, o Brasil chegou à marca de 150 236 mortes por covid-19, de acordo com dados do levantamento fechado às 20 horas de ontem por EstadãoG1, O Globo, Extra, Folha e UOL com as secretarias estaduais de Saúde. A análise da taxa de óbito em cada Estado também confirma o mau resultado brasileiro no combate ao novo coronavírus. Se fossem países independentes, quatro unidades federativas estariam no topo do ranking mundial com os piores índices de morte por milhão de habitantes.

Hoje, o Peru é quem apresenta a maior taxa de óbito no mundo, com 1.002 casos por milhão de habitantes, segundo estatísticas oficiais compiladas pela organização Worldometers. Em números gerais, o Brasil ocupava às 20h de ontem a 3.ª posição, atrás da Bélgica. A lista é formada por países com mais de 1 milhão de pessoas, como faz o Ministério da Saúde em comparativos publicados nos boletins epidemiológicos, motivo pelo qual os europeus San Marino e Andorra foram desconsiderados.

Levantamento do Estadão Dados aponta que quatro unidades do Brasil têm índice pior do que o Peru: Distrito Federal (1.132 óbitos por milhão de pessoas), Rio (1.117), Mato Grosso (1.037) e (1.022). A reportagem excluiu Roraima por ter população estimada de 605,7 mil habitantes. Na outra ponta da tabela, Minas aparece com a menor taxa do Brasil, de 381 mortes por milhão. Estados da Região Sul, onde o coronavírus também chegou mais tarde, vêm logo em seguida: Santa Catarina (406), Paraná (412) e Rio Grande do Sul (451).

Picos

Segundo pesquisadores ouvidos pelo Estadão, o fato de a pandemia se manifestar em momentos e intensidades distintas ajuda a explicar a disparidade de mortes entre os Estados brasileiros – mas não é a única justificativa. Sudeste, Norte e Nordeste registraram pico de óbitos por covid-19 no período entre o fim de abril e meados de maio. Já as Regiões Sul e Centro-Oeste apresentaram uma curva mais tardia, com maior patamar no mês de julho.

“No Brasil, a epidemia chegou em três lugares primeiro, com uma quantidade imensa de casos: e Rio, que têm grandes aeroportos internacionais, e em Fortaleza, onde o turismo é forte e recebe voos da Itália”, relata o epidemiologista Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “A idade é outro fator. Enquanto na cidade do 18% das pessoas têm acima de 60 anos, esse índice em Roraima é de 6%.”

Reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o infectologista Pedro Hallal avalia que a discrepância nas taxas também reflete as ações adotadas em cada lugar, destacando “Estados que tomaram melhores medidas de controle, seja em termos de distanciamento social ou de preparação de leitos hospitalares”.

Para o pesquisador Marcelo Mendes Brandão, do Laboratório de Biologia Integrativa e Sistêmica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o resultado deixa em evidência a falta de coordenação nacional. Com a pandemia ganhando conotação política, segundo argumenta, medidas de isolamento perderam adesão nos Estados, governadores passaram a ser pressionados e alguns lugares deram início à reabertura precoce. No período, o governo Jair Bolsonaro ainda promoveu duas trocas no comando do Ministério da Saúde. “A primeira acelerada da doença no Brasil aconteceu entre o fim de abril e o início de junho. Era nesse momento de dispersão que deveria ter havido uma coordenação interestadual para frear a covid-19, a exemplo do que foi feito na Nova Zelândia”, descreve.

Responsável pela pior taxa do País, o Distrito Federal até interrompeu precocemente as atividades consideradas não essenciais, mas o governador Ibaneis Rocha (MDB) mudou de postura mesmo com novos casos de coronavírus aumentando. Em junho, ele chegou a declarar ao Estadão que as “restrições não servem mais para nada”.

O Rio precisou lidar logo cedo com a chegada da doença (foi o segundo Estado brasileiro a registrar óbito) e convive com flagrantes desrespeitos ao isolamento social, com altos e baixos dos números de mortes. “Rio e estão entre as maiores rendas per capita do Brasil. Com mais acesso à informação, era de se pensar que teriam maior controle sobre a pandemia, mas, quando a gente vai ver, Leblon e Ipanema são os locais com mais covid-19 no Rio. Em Brasília, é no Lago Sul. Ou seja, as maiores rendas trataram a doença como uma questão secundária”, diz Brandão.

Testes

Consideradas fundamentais para detectar e isolar focos ativos da doença, políticas de testagem em massa nunca saíram do papel. Para Edimilson Migowski, professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Estado perdeu com o baixo alcance do sistema de vigilância, uma alternativa para identificar, monitorar e cuidar de pessoas infectadas. “Na capital, que puxa os números para cima, a Saúde da Família é precária, talvez com 40% de cobertura.”

Segundo Migowski, no geral as estratégias atuais também estariam “muito concentradas na profilaxia e prevenção”. Na visão dele, é preciso avançar em ações para além do uso de e do incentivo à etiqueta de higiene respiratória. “Não existe trabalho nos outros dois pilares: instrumentalizar para que se identifique os casos e tratar precocemente os pacientes.”

Apesar de a média diária de mortes estar em queda no Brasil, os cientistas alertam que o patamar ainda é alto e o controle de transmissão requer cuidados. Um exemplo é o Amazonas. Primeiro a entrar em colapso, entre abril e maio, o Estado chegou a abrir valas coletivas e a usar contêineres frigoríficos para abrigar seus mortos, mas os casos caíram a partir do mês seguinte e houve reabertura de comércios e serviços. Em julho, se tornaria a primeira capital a autorizar retorno das aulas presenciais. Com a retomada das atividades, no entanto, os óbitos por covid-19 começaram a subir novamente – neste mês, o Amazonas ultrapassou o Ceará na taxa de mortes por milhão de pessoas.

Em números absolutos, os 150 mil mortos colocam o Brasil em segundo lugar do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Quatro a cada cinco municípios brasileiros já perderam alguém para o coronavírus. A maioria das vítimas é homem e apresenta algum fator de risco, como mais de 60 anos, problema cardíaco ou diabete. Entre os óbitos também há 451 crianças de até 5 anos. O Ministério da Saúde aponta que um total de 4.608 cidades (ou 83% do País) já faz parte das estatísticas de perdas para a covid. Por sua vez, em 5.565 municípios, o equivalente a 99,9% do Brasil, houve algum caso confirmado do novo coronavírus. E 50% dos óbitos recentes foram registrados fora de regiões metropolitanas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.