Equipe comandada pelo ex-ministro Guido Mantega é acusada de atrasar o repasse de recursos

O TCU (Tribunal de Contas da União) aprovou nesta quarta-feira, por unanimidade, o voto do ministro José Múcio Monteiro, no qual ele conclui que as manobras que a equipe econômica do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega fez em 2013 e 2014, para melhorar artificialmente as contas públicas, feriram a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O Tesouro Nacional, comandado à época por Arno Augustin, atrasou repasses de recursos a bancos públicos, o que ficou caracterizado como empréstimo, vedado pela LRF. Para apurar os responsáveis pelo descumprimento da lei, Múcio obteve o sinal verde do TCU e vai ouvir17 das principais autoridades econômicas do país nos últimos dois anos, entre elas Mantega, Augustin e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.

O ministro utilizou em seu voto o parecer do Ministério Público junto ao TCU e da unidade técnica do tribunal. O documento conclui que as manobras — batizadas de “pedaladas fiscais” — resultaram no descumprimento da LRF.

Segundo o TCU, ao adiar repasses para instituições como Caixa, Banco do Brasil e BNDES, o Tesouro obrigou esses bancos a usarem recursos próprios para honrar despesas que eram da União. A Caixa, por exemplo, teve de fazer pagamentos do Bolsa Família e do seguro-desemprego. Isso teria configurado um empréstimo da instituição a seu controlador, o que é vedado pelo LRF.

“Um banco público não pode emprestar dinheiro ao governo, e de certa forma foi emprestado. A partir do momento em que o banco público pagou uma conta do governo e que se demorou a ressarcir, caracterizou-se o empréstimo. É como se você estivesse devendo no seu cheque especial pagando uma conta, com agravante de que o governo não poderia ter cheque especial nesses bancos”, disse o relator, para quem o empréstimo é “indiscutível”.

Segundo Monteiro, essas pedaladas vêm sendo adotadas pelo governo desde 2011, mas ocorreram em maior intensidade nos últimos dois anos, resultando em uma quantia de R$ 40 bilhões.

 

Contas federais podem ser revistas

Os ex-presidentes de Caixa, Jorge Hereda, e BB, Aldemir Bendine (atual presidente da Petrobras), também serão ouvidos pelo TCU, assim como Luciano Coutinho, do BNDES. Como o governo teria lançado mão de recursos próprios para pagar benefícios sociais e trabalhistas, os ministros do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, Cidades, Gilberto Occhi, e Trabalho, Manoel Dias, também terão que prestar esclarecimentos nos próximos 30 dias.

O acórdão aprovado pelo TCU também recomendou que as contas federais nos últimos dois anos sejam revisitadas e determinou que o Ministério da Fazenda efetue os pagamentos devidos ao BNDES, a título de equalização de juros, assim como compense BB e Caixa valores necessários para cobrir contas em aberto no prazo mais curto possível, mediante apresentação de cronograma.

“Precisamos fazer a conta de quanto isso representou nas contas que foram apresentadas do balanço fiscal brasileiro. Na verdade, houve um embelezamento da conta. O recurso total envolvido nisso são R$ 40 bilhões, mais ou menos”, disse Monteiro, que foi ministro do governo Lula.

O ministro, no entanto, fez questão de relatar que, neste momento, os convocados não são considerados “bandidos”. Ele destacou que as oitivas ainda se referem ao início de um processo e que não deve haver culpados por antecipação.

“Estamos no início de um trabalho de averiguação. Se houve crime, foi de gestão. Não tem bandido aqui”, disse o relator.

 

Multas

Os responsáveis pelo descumprimento da LRF podem ser punidos com multas pecuniárias e ficar impedidos de exercer cargos públicos por até oito anos. O Tribunal também encaminhou o caso para o Ministério Público Federal, para que seja avaliado se houve crime fiscal. Neste caso, uma condenação pode resultar até mesmo em pena de dois a quatro anos de prisão.

Presente ao TCU durante o julgamento do processo, Isaac Ferreira, procurador-geral do Banco Central, afirmou que Tombini vai prestar informações ao tribunal, mas destacou que não há uma investigação contra agente do banco, mas um pedido de esclarecimentos junto ao BC, que é um dos responsáveis pelas estatísticas fiscais. Segundo ele, o recálculo das estatísticas ainda vai ser debatido internamente antes de ser executado.

“O BC não é órgão de execução de política fiscal, não ordena despesa, não arrecada receita, não é órgão de contabilização orçamentária. É autoridade monetária do país que apenas faz estatísticas fiscais. (…) Não vi menção a irregularidade de qualquer banco no uso de recurso público. A discussão é se os bancos poderiam ou não usar recursos próprios para efetuar pagamentos de alguns benefícios.”

 

‘Pedaladas’

 

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, também será ouvido pelo TCU no processo sobre as “pedaladas”, porque era secretário-executivo da Fazenda à época do ocorrido. Segundo ele, as ações do governo tiveram amparo jurídico e respeitaram a lei.

“As medidas que são objeto do relatório (do TCU) foram adotadas com total enquadramento na LRF. Foram adotadas com parecer da área jurídica do Ministério da Fazenda. Quem representa o governo na ação é a AGU. Vamos responder na forma que a AGU nos orientar”, disse.

Os ministérios da Fazenda, do Trabalho, e do Desenvolvimento Social não se manifestariam sobre o assunto por enquanto. A Caixa “ratifica a regularidade dos procedimentos adotados, mesmo entendimento da AGU sobre o tema”. O Ministério das Cidades restringiu-se a dizer que o cronograma de pagamento do Minha Casa Minha Vida, questionado pelo TCU, segue com fluxo normal.

“O Banco do Brasil informa que, até este momento, não foi comunicado sobre eventual convocação do ex-presidente Aldemir Bendine, para prestar depoimentos em processo do TCU. O Banco está à disposição para prestar qualquer esclarecimento necessário”.

A AGU foi procurada pelo GLOBO, mas não respondeu. O BNDES não quis se pronunciar.