Governo cria pré-natal para o homem e reafirma humanização do parto

Documento traz novidades no atendimento às gestantes

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Documento traz novidades no atendimento às gestantes

Mato Grosso do Sul dá um novo passo em direção à humanização da cultura de gestação e tratamento ao recém-nascido. Foi publicado no Diário Oficial do estado o “Protocolo de atendimento à gestante, puérpera e recém-nascido”, documento que é composto por diversos tópicos de orientação quanto ao tratamento da gestante no período puerpério, que começa no parto e vai até até o momento em que o corpo da mulher recupera o estado natural anterior à gestação. Além disso, o texto também traz orientações para o cuidado com o recém-nascido e aplica a Rede Cegonha, programa do governo federal que dá atenção humanizada a gestação e o pré-natal para o homem.

O protocolo traz o mapeamento e coordenação de todas as unidades de saúde que devem atender a mulher gestante, desde o período pré-natal até os primeiros meses de vida do bebê. Também coloca orientações específicas à gestante de risco e enfatiza o atendimento à comunidades tradicionais, como as indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Um ponto que destaca a nova cultura humanizada que começa a ser implementada na saúde pública é o pré-natal do parceiro, uma tentativa da saúde pública de incluir e informar o companheiro da gestante sobre os cuidados no período, além de realizar exames e testes preventivos.

Médica obstetra do Hospital Universitário (HU) que funciona na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Joana Arruda orienta a profissão para a humanização da condição das gestantes e implementa, diariamente, uma nova cultura, na tentativa de aplicar a Rede Cegonha. “A assistência da Doula, ela [a gestante] tem a permissão, o acompanhante durante todo o trabalho de parto, ela tem esse direito garantido, de ter o bebê do jeito que ela quiser, se quer ter na cama etc. Temos feito todos os pré-requisitos da rede”, contou ela.

Ainda assim, para a médica, o sistema de saúde pública enfrenta a dificuldade estrutural, que requer reformulações nos hospitais e unidades, como a ampliação dos leitos com espaços de privacidade para que a mãe se sinta a vontade junto às pessoas que a acompanhem no momento do parto. Além da mudança cultural, que requer de toda equipe uma verdadeira “revolução” no atendimento. “A implantação da rede que é toda morosa, temos treinar todo o hospital inteiro”, explica.

É o que pensa a Doula Carla de Camargo. A palavra, que vem do grego, significa “mulher que serve”. São as mulheres que dão assistência física e emocional a outras mulheres gestantes, no período pré-natal, durante o parto e no início da vida do bebê. “Na verdade, temos que sensibilizar funcionários, a Santa Casa tem a rede e já fui retirada de um parto. Funcionários da Santa Casa não sabem o que são Doulas”, relata.

Carla acredita que a doula reafirma uma noção quase ancestral envolvendo a relação das mulheres no momento do parto. “É a mulher ajudando a mulher desde que o mundo é mundo”, afirmou. Essa experiência foi compartilhada com o casal Éllen Berbert Siqueira e Jairo Machado, que agora têm a pequena Elena, de apenas três dias.

“Essa ideia surgiu depois que eu estava grávida, achei que seria melhor pra mim e pra minha filha. Tinha medo de qualquer tipo de cirurgia, vi que tinha essa linha de pensamento, que deixa o bebê com menos intervenção possível, elas respeitaram meu parto todo o tempo, minha filha veio na hora que precisou”, contou Éllen, emocionada.

Novidades no protocolo

Uma das novidades do documento é o atendimento pré-natal do parceiro da gestante, que além de incluir o homem em todas as reuniões junto aos profissionais de saúde, exige exames preventivos. Jairo Machado, que é militar e mora em Jardim, passou pela experiência de mudar a rotina e acompanhar passo a passo todo o período. “É fora do normal esse acompanhamento. Participei de tudo, reuniões com a minha esposa, acompanhei passo a passo a doula, os procedimentos com ela, para a hora do parto. Vinha para Campo Grande nos fins de semana e quando eu tinha dispensa. Conseguia fazer reuniões com a Doula, consegui acompanhar os encontros, envolvia todos os pais”, contou.

Além das dúvidas, que ele afirma serem “todas possíveis”, ele também enfrentou dificuldades ao adequar a rotina de trabalho com o acompanhamento pré-natal. Para ele, outro problema é o a cultura de intervenção da medicina junto ao bebê. “Via o tratamento com o recém nascido, os medicamentos que não são necessárias. Minha esposa pesquisou muito e a gente fez tudo junto desde o comecinho”.

Joana destaca a importância do pré-natal do parceiro durante a gestação, e explica que a participação do parceiro e da família diminuem a carga de responsabilidade que recai sobre a mãe. “Dentro da rede cegonha é preconizado que tenha sempre reuniões, esclarecimentos, pelo menos o parceiro participar de uma ou duas reuniões, às vezes ele tem muitas dúvidas e é muito importante esclarecer. Temos duas reuniões semanais com o casal e nem sempre ele consegue vir, mas pelo menos duas ou três vezes ele vem”, conta.

Hospital Universitário (arquivo/Midiamax)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O documento também enfatizou os procedimentos relacionados à microcefalia, e ao Zika Vírus, indicado pelas pesquisas como a possível causa da doença nos bebês cujas mães foram contaminadas com o vírus.

“Para os recém-nascidos com microcefalia é necessário ainda que se acompanhe o estado geral do mesmo através de exames de hemograma completo, dosagens séricas de aminotransferases hepáticas (AST/TGO e ALT/TGP), uréia e creatinina, assim como exames de imagem, como a Ultrassonografia Transfontanela (US-TF) utilizada como primeira escolha para identificação de achados inespecíficos, e, somente quando ainda persistir dúvida diagnóstica, realizar a Tomografia de Crânio Computadorizada (TCC) sem contraste”, cita o documento.

Sobre a atenção especial às comunidades tradicionais, a médica obstetra citou a experiência que teve com comunidades indígenas, em que a diferença cultural foi um desafio para que o trabalho no período de gestação conseguisse ser implementado. “A gente pegou agentes de saúde indígena, e treinamos pra atenderem. A gente tenta se aproximar dessa forma, pegando alguém que seja da comunidade, e assim vão replicando o conhecimento na comunidade”, relatou.

Cultura da gestação

A Rede Cegonha se estrutura em quatro componentes: O pré-natal; o parto e nascimento; puerpério e atenção integral à saúde da criança e sistema logístico (transporte sanitário e regulação). Todas as características desse novo sistema na saúde pública, no entanto, enfrentam a dificuldade da cultura instituída nas unidades.

“Precisa ser mais divulgado, falado, entender o papel da Doula, ela não existe pra competir com enfermeiras, e as próprias enfermeiras não sabem lidar com o parto humanizado, falta a sensibilização para a equipe”, criticou Carla, que explicou que a humanização do parto compete com a cultura de rapidez na qual são feitas as cesáreas.

“Na verdade o importante é a população ficar sabendo, que é o ideal pra uma gestante, porque aí a população começa a cobrar isso. Pra nós médicos, a gente não consegue fazer tudo, a demanda é muito grande, a gente não abre leitos, precisamos de medicamentos, precisamos ter disponível. Temos hoje só dois leitos com direito a privacidade com acompanhante, o obstetra e a doula, não conseguimos melhorar o ambiente para o que a rede cegonha propõe. Precisamos de verba, não é de uma hora pra outra”, complementou a obstetra.

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