Em meio ao surto

Em meio ao surto de vírus aliado ao aumento dos casos de microcefalia em bebês no Brasil, a esperança da população é a de que uma vacina seja produzida o quanto antes para evitar a evolução da epidemia. Mas um obstáculo pode fazer a espera para o controle da doença em território nacional ser ainda longa: as questões burocráticas do País.

Atualmente em fase final de estudos clínicos, a vacina da do Instituto Butantan, por exemplo, demorou quase dois anos para começar a ser testada em humanos devido à lentidão nas autorizações para cada fase, exemplifica Horácio Teles, biólogo do Conselho Regional de Biologia e pesquisador da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen).

“Sempre são as coisas burocráticas que atrapalham. Para se testar uma vacina, há sempre uma série de procedimentos, mas a autorização para o teste em pessoas no resto do mundo é muito mais rápida. Já no Brasil, a demora chega às vezes a um ano e meio ou até mais”, explica o biólogo.

Para que uma vacina passe para a fase clínica são necessárias autorizações do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Assim, como consequência da burocracia e das questões de segurança – possíveis efeitos colaterais e garantias de eficácia para proteger a população –, o especialista não vê a vacina contra o zika no mercado em menos de cinco anos.

“É uma questão de legislação, não tem como fugir. A Organização Mundial de Saúde [OMS] diz que tem de passar por eles, é uma exigência. Mas o problema mesmo acaba sendo o nosso sistema, que atrasa o processo um pouco mais”, diz Teles.

Professora associada do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e especialista em , a bióloga Margareth Capurro afirma que outra diferença da burocracia no Brasil para países de primeiro mundo é que em território nacional existe uma grande demora na entrega de reagentes para que a vacina seja produzida, o que também atrasa a produção.

“Nos EUA e em alguns países da Europa você pede esses reagemtes hoje e eles já chegam amanhã. Mas aqui você pediu em dezembro e ainda não chegou. É por isso que demora mais no Brasil”, analisa ela. “Assim, a melhor forma de se proteger enquanto a vacina não é fabricada ainda é o combate ao Aedes, o mosquito transmissor da dengue, do zika vírus e da febre chikungunya.”

Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Sérgio Cimerman ameniza as críticas relacionadas à burocracia. Para ele, o prazo para que a vacina do zika seja produzida e testada deve ficar entre dois a três anos, mesmo período estipulado pelo Ministério da Saúde no início do mês.

“Não é uma coisa que você consegue fazer de bate e pronto. Deve demorar esse tempo para que tenhamos uma resposta”, opina ele. “O foco agora tem de ser o reforço na prevenção de uma maneira mais efetiva, combatendo os criadouros, evitando água parada em pneus, intensificando o uso de repelentes. Não dá para ficar esperando por uma vacina.”

Síndrome de Guillain-Barré

Mas não são só os prazos naturalmente estipulados e a burocracia brasileira que atrasam o processo. Uma das doenças também já associadas ao zika vírus, a Síndrome de Guillain-Barré (SGB) – condição neurológica que provoca fraqueza muscular e pode gerar paralisia em alguns membros do corpo, podendo levar o paciente à morte – é outra complicação para o procedimento de produção da vacina.

Integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia e coordenadora do setor de pesquisa de vírus respiratórios da Unifesp, a infectologista Nancy Bellei explica que, por ser uma doença autoimune, é preciso tomar cuidado para que o medicamento não estimule a síndrome.