Com postagens de banho de sangue e comoção, policiais viram celebridades nas redes sociais
Reportagem tem imagens fortes
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As instruções são passadas por um homem ao seu comparsa, armado com uma pistola. O alvo é um jovem sentado e algemado num chão de terra batida, que implora pela sua vida enquanto chora desesperado: “Não mata não, mano”.
A conversa entre a dupla em pé continua: “Vai para perto”. O homem armado então inicia uma sequência de disparos contra a vítima, que não tem chance de reagir.
O primeiro tiro atinge o braço do jovem, que solta gritos desesperados de dor. O parceiro do atirador pede mais precisão: “Na cabeça. Na cabeça”. Segundos depois, o pedido é atendido.
O vídeo, publicado na página do soldado da Polícia Militar de São Paulo Fernando Souza, foi visto quase 13 mil vezes. Com 26 mil seguidores, Souza tem uma das páginas mais sanguinárias entre os policiais brasileiros que se tornaram celebridades nas redes sociais.
O próprio Facebook alerta para as cenas de extrema violência de algumas publicações do PM: “Atenção: este vídeo contém conteúdo gráfico que pode ser perturbador para algumas pessoas”.
Para o coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, muitas dessas páginas fazem apologia à prática de crimes e os responsáveis deveriam responder a processo na Corregedoria e serem investigados pela Polícia Civil.
“Várias páginas na internet e Facebook notoriamente fazem incitações e apologias a crimes, estimulando assassinatos, torturas, linchamentos, constrangimentos ilegais e outros crimes. Apologia à prática de crimes está previsto no artigo 287 do Código Penal e incitação, no 286”, afirmou Alves.
Dezenas de policiais militares de todo o Brasil seguem a receita do PM. Juntos, eles acumulam milhões de seguidores.
Mas, além de assassinatos e linchamentos, parte da receita de sucesso deles é publicar vídeos de perseguições policiais, histórias de apelo emocional e autopromoção, como entrevistas dadas a emissoras de TV. Quase nenhum se arrisca a falar de política.
A Polícia Militar informou, em nota, que “não aprova eventual apologia à violência ou a exposição desnecessária de criminosos ou outras partes de ocorrências policiais”, e que “os eventuais policiais responsáveis, como quaisquer cidadãos, poderão ser responsabilizados nas competentes esferas legais”.
A polícia afirmou ainda que “não reprime a liberdade de expressão de seus integrantes, que são, em contrapartida, responsáveis por seus atos ou declarações, em qualquer tipo de veículo de comunicação”.
Polêmicas
Apesar do sucesso, parte das publicações violentas divide a opinião dos próprios seguidores das páginas dos policiais.
Alguns vídeos recebem críticas devido ao sangue e possíveis excessos cometidos pelos militares. Os usuários – muitos identificados como policiais – chegam a trocar xingamentos, provocações e ameaças nos comentários.
Um vídeo que mostra um motociclista atropelado por um carro da polícia enquanto empinava sua moto dividiu parte dos 430 mil seguidores do sargento Alexandre. A legenda escrita pelo PM diz: “Quis fazer graça, se deu mal”.
Um de seus fãs discorda: “Sou a favor do trabalho da PM e a respeito muito. Mas isso aí é abuso de poder. Colocou a vida do meliante em risco e os demais”. Outra pessoa defende a atuação. “Ação legal e correta. Se o motoqueiro estava desatento e não viu a viatura encostando do lado dele é uma pena”.
Autopromoção
A maior parte das páginas também funciona como um diário do dia a dia dos policiais. O tenente Guilherme Derrite, da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), publica vídeos compilados de seu cotidiano como policial da tropa de elite da PM paulista.
Em um deles, com o título de “Eu sou o 1º Ten. Derrite, esse é o meu trabalho, essa é a minha vida”, ele aparece em abordagens e perseguições a suspeitos. A maior parte das imagens foi retirada de programas de televisão nos quais Derrite participou durante seus três anos na Rota.
Com mais de 445 mil seguidores, Derrite publicou um vídeo que teve quase 7 milhões de visualizações e 153 mil compartilhamentos. As imagens mostram o bombeiro Marcelo dos Santos salvando cinco pessoas de um afogamento usando um jet ski no litoral norte de São Paulo.
Descontração
E nem só de violência e histórias emocionantes vivem as páginas de policiais militares. Algumas também trazem imagens em momentos de descontração e religiosas.
Um vídeo publicado na página do sargento Alexandre, de São Paulo, mostra um grupo de oito policiais militares fardados e com armas na cintura cantando e tocando músicas evangélicas dentro de uma igreja no Paraná.
“Abra os olhos do meu coração. Abra os olhos do meu coração. Quero te ver. Quero de ter, Senhor!”, cantam com os policiais com euforia.
Em nota, a assessoria de imprensa da Polícia Militar do Paraná informou que “o porte de arma de fogo é inerente e obrigatório ao policial militar, independentemente da atividade que esteja desempenhando”, e que considera a atitude do grupo “dentro das condicionantes normais”.
O 1º tenente Silva Rosa, conhecido por participar de programas de TV que acompanham a rotina de policiais, como o Polícia 24 Horas, da TV Band, também publica informação de utilidade pública, como dicas para evitar a proliferação do mosquitos Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue e zika.
‘Lambeijos’
Cabo Pitoco, como é chamado um cão que vive em um posto de gasolina na zona norte de São Paulo, ficou famoso após ser batizado pelo popular sargento Alexandre.
A página no Facebook do cãozinho que distribui “lambeijos” (lambidas e beijos) pegou carona na fama e já tem mais de 110 mil fãs.
É usada principalmente para arrecadar ração para cães abandonados e divulgar serviços e cuidados com os animais, como evitar passear com eles em dias de muito sol para que não queimem as patas.
Em algumas publicações, o próprio sargento Alexandre promove encontros para arrecadar ração. Em apenas um deles, o grupo arrecadou 2,5 toneladas para doar a cães de rua e donos de canis que cuidam de animais abandonados.
Após um desses encontros, o sargento foi acusado de autopromoção e transferido para o setor de relações públicas da polícia paulista. Mesmo assim, manteve suas campanhas e neste mês lançou a hashtag #agasalheocachorro para incentivar seus seguidores a doarem cobertores e roupas para cães abandonados.
‘Guerreiras de farda’
As mulheres também fazem sucesso e acumulam centenas de milhares de seguidores nas redes. Algumas delas têm perfis pessoais, mas a página Guerreiras de Farda se tornou uma das mais populares ao reunir fotos de policiais fardadas.
A página, com mais de 40 mil seguidores, também costuma compartilhar e publicar montagens para mostrar como as policiais se vestem sem fardas, com roupas justas e decotadas.
A decisão desagrada parte dos usuários, que veem as imagens como algo que “desprestigia a farda”, como comentou um homem na foto de uma policial estrangeira.
Por outro lado, seguidores lançam cantadas ao comentar algumas fotos. “Letícia… bem que poderia vir patrulhar aqui na minha rua, né?!.. rsss”, disse um dos seguidores. Outro ironiza e pede que uma das garotas o prenda: “Quer me prender, amiga… kkkkkkk Eu quero que me prenda kkk”.
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