Com valores defasados desde 2018 e fim do contrato com a prefeitura, o laboratório Biomolecular, único de credenciado no Ministério da Saúde para realizar exames de biologia molecular e histocompatibilidade, paralisou as atividades há uma semana e corre o risco de fechar as portas. Além de causar a paralisação dos transplantes no Estado, o fechamento da unidade compromete um banco de dados com mais de 600 mil amostras de doadores, armazenado em uma câmara fria.

O laboratório equipado para realizar exames de alta complexidade esteve em funcionamento, 24 horas por dia, desde quando abriu as portas em 2007 até 8 de agosto de 2022, dia em que o contrato com a prefeitura para repasse de pagamentos foi encerrado. O município, via secretaria de Saúde, argumenta, em ofício encaminhado ao laboratório, que a competência para o repasse fica a cargo do Governo do Estado, baseado no artigo 7 da portaria 2600/2009 que regulamenta o Sistema Nacional de Transplantes.

Por sua vez, o Governo do Estado via secretaria de Saúde, afirma em nota que “o Município decidiu inexplicavelmente a não fazer novo contrato com o Laboratório Biomolecular conforme comunicado à SES/MS e ao MPE” e que a execução da prestação de serviço é “de competência do município de , conforme consta na Portaria de Consolidação n. 004/2017, justamente, por ser gestão plena da saúde”.

Durante os 15 anos de atuação em Campo Grande, o laboratório Biomolecular recebeu remuneração pelos exames realizados compatível com a Tabela FAEC (Fundo de Ações Estratégicas e Compensação), remuneração do SUS (Sistema Único de Saúde) para o financiamento da média e alta complexidades, via contrato com a prefeitura.

Em meio à defasagem da tabela e a inatividade em 2020, durante a pandemia, o laboratório recorreu ao Governo do Estado e, com mediação realizada no Ministério Público, firmou um acordo com pagamento da tabela SUS em dobro ao laboratório, pelo período de seis meses. Em nota, a SES afirma que desde abril pagou à empresa o valor de R$ 2.623 milhões. Em ofício, a própria secretaria afirma que o acordo “teve fundamento jurídico absolutamente diverso do que ora baliza o processo”.

Equipamentos para análises laboratoriais
Laboratório de ponta está parado. (Foto: Priscilla Peres)

Laboratório de alta complexidade para transplantes

Apreensiva com o futuro do laboratório que construiu e administrou nos últimos 15 anos, a diretora do Biomolecular, Zuleica Garcia da Costa, explica sobre a complexidade do espaço, que exige ao menos 12 contratos fixos com prestadoras de serviço para se manter em funcionamento.

“Nós demoramos dois anos para conseguir montar esse laboratório, totalmente certificado e auditado dentro das normas vigentes. Para que ele seja eficiente, precisa estar em funcionamento 24 horas por dia, pois quando chega material para análise trabalhamos em regime de plantão, para entregar o resultado rápido e possibilitar o transplante, quando se trata de órgãos”, explica ela.

A estrutura do laboratório inclui mão de especializada, equipamentos de ponta, gerador, câmara fria, congelador, ar-condicionado, arquivo, entre outros detalhes para manter a estrutura com qualidade de atendimento. Além disso, Zuleica explica que os kits para realização dos exames são importados. O dólar, que em janeiro de 2020 custava R$ 4, hoje chega a R$ 5,14.

Zuleica conta que o problema financeiro do laboratório se agrava ano a ano. Com defasagem desde 2018, em 2019 o espaço funcionou “no limite”, em 2020 não houve realização de exames devido à pandemia. E em março de 2021 ela começou a oficializar a situação para a Central de Transplantes e em dezembro do mesmo ano deu férias coletivas aos funcionários.

O acordo com o MPE e o pagamento em dobro foram um alívio para a empresa. “Nós conseguimos por tudo em dia, mas decidimos que não vamos mais funcionar no vermelho. Estamos exaustos de tentar fazer a nossa parte e não conseguir receber ao menos o custeio pelo trabalho. Estamos aqui até hoje por que acreditamos na causa e é muito triste a situação em que o laboratório se encontra”, afirma Zuleica.

Coordenadora da Nefrologia da , a médica Raffaela Campanholo explica que é impossível a realização de transplantes sem os exames realizados pelo Biomolecular. “Recebi duas amostras de pacientes vivos para compatibilidade, mas não posso aceitar sem o laboratório estar funcionando”, conta.

Em Campo Grande, o exame mais comum é de rim, com cerca de 150 pessoas em fila de espera. “Nós atendemos na oito pessoas por semana para avaliação, mas não avançamos. Retrocedemos 300 anos com essa situação”, afirma a média.

Os últimos exames realizados para transplante pelo laboratório foram em 3 de agosto deste ano, cinco dias antes do fim do contrato com a prefeitura. “Nós recebemos por serviço prestado e quando se trata de transplante é tudo via SUS. Não existe particular. É um direito de todo o cidadão ter acesso a isso aqui”, finaliza Zuleica.