Colômbia, país de tantas riquezas, de tantas histórias, de tanta cultura

Com 10 milhões de habitantes, Bogotá é a cidade onde poucos têm pressa

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Com 10 milhões de habitantes, Bogotá é a cidade onde poucos têm pressa

Estou na Colômbia há duas semanas. Enquanto vocês leem essa crônica,  estarei ainda em Bogotá, quase voltando para casa, quase no fim da viagem. Vim para um congresso de psicanálise e, como estou no país pela primeira vez, aproveitei para conhecê-lo. Muitos colegas e amigos psicanalistas também estão no país, conjugando estudo e turismo.

Já saí do Brasil entrando no clima colombiano. De São Paulo a Bogotá, vim com o time Nacional, de Medellín. Os jogadores estavam contentes porque ganharam o jogo contra o São Paulo. Passei quase uma semana em Cartagena, cidade maravilhosa – como já relatei em crônica anterior – e no dia treze de julho cheguei a Medellín para o Congresso de psicanálise. Nesse dia, o Nacional, time dessa cidade, ganhou novamente do São Paulo. A cidade parou, na rua todos parados à frente de uma televisão; no parque Lleras havia um telão para quem queria assistir o jogo.

Uma cadeira artesanal, em El Jardin (Fernanda Zacarewicz/Arquivo pessoal)Além do time Nacional, Medellín é a cidade de nascimento de Fernando Botero, pintor e escultor colombiano famoso por pintar figuras rotundas, dizendo mais claramente, gordas. Creio que Botero e Garcia Marquez são os dois colombianos mais conhecidos no mundo. O Museu Botero em Bogotá é gratuito, exigência do artista para que seu povo pudesse ter livre acesso a sua obra. Em Medellín tem uma praça com vinte e três esculturas suas. Na praça movimentada, as pessoas não só olham, elas encostam, interagem com as obras de arte gigantescas. Sentam-se nas beiradas, em uma delas, em que a mulher-escultura está deitada de barriga pra baixo, sentam-se em suas costas. Se um artista quer estar entre o povo, Botero conseguiu isso plenamente.

Diante da Praça das esculturas, está o Museu da Antióquia, com três andares de um acervo riquíssimo, muitas obras de Botero e de outros pintores e escultores que ele foi doando em diferentes momentos para o museu. Há uma sala especial para as crianças, chamada Sala Pedrito, em homenagem a seu filho Pedro, morto aos quatro anos em um acidente de carro. Ele pintou muitos quadros para fazer esse luto e para elaborar, com sua arte, essa dor sem nome que é perder um filho.

Nos dias em que passei em Medellín, só consegui ver a Praça das Esculturas e o Museu da Antióquia.  Nos demais dias fiquei trancafiada em um congresso. Mas só essas duas coisas valem a ida a Medellín, cidade que fica trinta minutos de avião de Bogotá.

Não posso dizer que conheci bem a Colômbia, mas Fernanda pode. Minha amiga, psicanalista de São Paulo,trouxe a família, seu marido Flavio e as lindas filhas Zoe e Bia. Todos acompanharam a mãe – que elas dizem ser ligada em 220 V – pela Colômbia toda. Pegaram voos, ônibus, subiram em teleféricos, acamparam, passaram por cidades grandes e pequenas desse país montanhoso e de estradas sinuosas. Pergunto a Bia o que foi o mais emocionante e ela me diz que foram duas coisas. O teleférico em Manizales parou com todos lá em cima e ficaram uns vinte minutos parados, trancados, até ele ser  consertado. Bia contou, com surpresa, que uma mulher já adulta, para se acalmar, ficava chamando o próprio pai que não estava lá. Bia tem sete anos e gosta de fazer algumas coisas sozinha. No hotel de Medellin, ela descia sozinha para tomar o café da manhã enquanto o resto da família ainda dormia. Deve ter ficado decepcionada com a insegurança de uma mulher adulta rogando a um pai ausente.

Bia na varanda do hostel, em El Jardin (Fernanda Zacarewicz/Arquivo pessoal)

 

A segunda coisa emocionante que me contou foi que pegaram um táxi que andava em alta velocidade e subiu em uma calçada. Nem velocímetro esse táxi tinha. Aliás, o país tem grande devoção a Virgem del Carmen, uma versão de Nossa Senhora. É a padroeira dos condutores, tem santinhos dela nos táxis, nas igrejas, por tudo. Um país com uma santa padroeira dos condutores e com um jeito louco de dirigir. Em Cartagena, os condutores, incluindo motoqueiros, buzinavam o tempo inteiro. Passamos os dias tentando entender a lógica das buzinas, mas não tem lógica nenhuma. Nao se respeita faixa de pedestres, se vira à esquerda, à direita, quase não tem semáforos. É um trânsito um tanto louco. Entendi que o jeito, ao entrar num táxi, mesmo aqui em Bogotá, é rogar à santa e Seja o que Deus quiser.

Para Zoe perguntei que lugar ela gostou. Resposta:  El Jardin. É um pequeno povoado a 140 km de Medellín. Ficaram hospedados em um hostel simples, de frente a praça da cidade. Às 3h da madrugada, o padre da cidade tocava o sino para as pessoas acordarem. Às 4h começavam a varrer a rua. É uma cidade um pouco perdida no tempo, em que os moradores se reuniam de manhã e à tarde para, todos juntos, tomar a aromática, um chá de camomila, e conversarem. Nao importava idade, não tinham pressa.

Bia e Zoe, criadas em uma cidade como São Paulo, podiam ir à praça e brincar na rua com os cachorros. A cidade fazia jus ao seu nome: plena de canteiros de rosas.

Hoje andando pelo centro antigo de Bogotá, a Candelária – Bogotá é uma cidade gigante, de quase 10 milhões de habitantes – senti que eles não têm a pressa dos que andam, por exemplo, no centro de São Paulo ou de Nova York.

É uma cidade acolhedora, com pessoas gentis, simples, com uma riqueza cultural e linguística impressionantes. Tem 84 grupos de povos indígenas, ainda são falados 64 idiomas. A culinária é excelente.

Eu com Fernanda e a família, na Plaza Bolívar, em Bogotá (Andrea Brunetto/Arquivo Pessoal)

 

Nao conheci tão bem a Colômbia como Fernanda e sua família, só me faço a pergunta como demorei tanto tempo pra vir pela primeira vez a esse país. Só sei que voltarei outras vezes. O único problema é que Medellín e Bogotá – ainda mais Bogotá – são cidades muito altas. Ao chegar é preciso tempo para se adaptar. Estou em Bogotá a mais de 30 horas e respiro como se tivesse acabado de fazer uma caminhada de 6 km. O ar é mais rarefeito, é preciso tempo para os pulmões se acostumarem. É o conhecido mal das alturas, o soroche.

Perguntei a Zoe: você conta para suas colegas na escola tudo o que já viveu em suas viagens? Respondeu que não, que eles nem acreditariam.

No Centro Cultural Gabriel Garcia Marquez (Andrea Brunetto/Arquivo pessoal)

 

Viajar é realmente uma grande aprendizagem, uma riqueza cultural que carregamos conosco. É uma descoberta do mundo, uma descoberta de nós mesmos e uma descoberta do outro, o estrangeiro. É colocar o outro diante de si, como escreveu William Blake. E, por vezes, temos a oportunidade de compartilhar um pouco de tudo que vivemos: a riqueza tem de ser compartilhada.

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