Tarifa zero: cidade fluminense indica que 1,87% do orçamento transporta mesmo nº de passageiros de Campo Grande
Vereadora de Campo Grande, Luiza Ribeiro (PT), pretende fomentar debate e implantação da tarifa zero; Maricá transporta a mesma quantidade de passageiros de Campo Grande
Thalya Godoy –
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O modelo de tarifa zero do transporte coletivo na cidade de Maricá, a 151 km do Rio Janeiro, pode ser um espelho a ser implementado em Campo Grande. A vereadora da Capital, Luiza Ribeiro (PT), visitou, na última semana, o município fluminense para entender o funcionamento deste sistema. A “catraca livre” comprometeu apenas 1,87% do orçamento anual da cidade e transportou quantidade de passageiros parecida com a de Campo Grande.
Em maio de 2024, a vereadora liderou a criação da Frente Parlamentar em Defesa da Tarifa Zero no Transporte Coletivo Urbano de Campo Grande na Câmara Municipal. Uma das justificativas para esse movimento é que o atual modelo de concessão a uma empresa privada – o Consórcio Guaicurus no caso da Capital – se demonstrou insustentável.
“Ocorre que a tarifa hoje é considerada pelo passageiro excessiva, não só por quem usa o transporte coletivo, mas também pelos empresários que pagam o transporte coletivo, como o vale-transporte para os seus funcionários que também reclamam do valor. A gente tem um paradoxo. No começo do contrato, há anos atrás, a tarifa era suficiente para custear todo o serviço, mas com o passar do tempo, as empresas foram reclamando dos reajustes chegando ao ponto hoje que, em quase todas cidades brasileiras, a gente ter um investimento público às vezes maior do que o valor da tarifa por passageiro transportado”, alerta a vereadora.

Este é o caso de Campo Grande, que possui atualmente uma tarifa técnica de R$ 5,95, e uma tarifa pública de R$ 4,75. A diferença de R$ 1,20 é custeada pelo poder público. Porém, mesmo entregando um serviço precário e sendo alvo de reclamações da população – ônibus velhos, goteiras, atrasos nas linhas, calorão – o Consórcio Guaicurus insiste que possui prejuízo e defende uma tarifa técnica de R$ 7,79.
Outro ponto ressaltado pela vereadora é que o Consórcio Guaicurus obtém isenções e subsídios milionários anualmente, sob a mesma justificativa de orçamento apertado, sem apresentar contrapartidas em melhorias do serviço. Conforme a parlamentar, a Casa de Leis aprovou, em 2024, cerca de R$ 20 milhões em subsídios para o transporte coletivo urbano de Campo Grande.
“Além disso, abrimos mão da cobrança do ISS (Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza), que no momento da licitação foi incluído para o cumprimento da empresa como uma das obrigações do contrato o pagamento do imposto. Então, você vê que a cidade tem pago muito caro para transportar uma pessoa por R$ 7,79 e não melhoraram o transporte público. Ao contrário, linhas são excluídas, os ônibus estão em péssimo estado, toda hora tem uma pessoa mandando para a gente que está chovendo dentro do ônibus, o ônibus sem conforto térmico nenhum, sem ar condicionado, linhas precárias, então primeiro precisamos enxergar que é preciso mudar”, detalhou a parlamentar.
Modelo pode ser inspiração para Campo Grande

Maricá é uma cidade fluminense com 197.277 habitantes, segundo o Censo Demográfico 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). Possui 46 km de extensão de litoral e 362 km² de território. O transporte público coletivo com tarifa zero inclui ônibus e, há três anos, as bicicletas compartilhadas. A “catraca livre” é aplicável a qualquer um, seja morador ou turista em Maricá.
Em visita ao município, a vereadora Luiza Ribeiro ouviu a explicação dos gestores sobre a tarifa zero. A Prefeitura de Maricá não possui uma tarifa técnica, como em Campo Grande, porque ninguém paga o passe. O valor leva em consideração o deslocamento das linhas. “Não é uma conta matemática fácil, também depende da extensão do município, mas Maricá é bem espalhada […] a gente tem que falar com a nossa prefeita [Adriane Lopes] para designar técnicos para iniciar um estudo sério, que deve ser acompanhado pela Câmara. Nós temos uma frente de defesa da tarifa zero”, ela avalia.
Apesar de ter uma população menor que a de Campo Grande, de quase 900 mil habitantes, Maricá possui orçamento parecido, atribuído, em parte, à participação das concessionárias de petróleo e gás natural. Enquanto o orçamento de Campo Grande para 2025 é estimado em R$ 6,8 bilhões, o da cidade fluminense em 2024 foi o mesmo valor, mais de R$ 6,8 bilhões.


Apesar das diferenças econômicas e populacionais, Maricá e Campo Grande transportam mensalmente uma quantidade parecida de passageiros. Segundo o presidente da EPT (Empresa Pública de Transporte) de Maricá, Celso Haddad, são 148 ônibus rodando pelo município, distribuídos em 48 linhas. O modelo tem se mostrado sustentável e é possível fazer investimentos.
“Por mês, a gente tem mais ou menos o quantitativo de 3,2 milhões a 3,3 milhões de pessoas andando em todas as linhas. No último ano, agora em 2024, nós tivemos mais de 39 milhões de passageiros nas linhas da EPT no ano todo. Então, ocorreu um acréscimo comparado a 2023 de 2,6% no número de usuários. A gente prevê para 2025 um acréscimo de pelo menos 3%, com a inclusão de alguns outros ônibus, linhas novas, etc.”, explicou Celso Haddad.
Conforme dados do Consórcio Guaicurus, o transporte público possui cerca de 105 mil passageiros por dia, o que no fim de um mês totaliza 3,15 milhões de usuários. Em doze meses, são 37,8 milhões de passageiros, número abaixo da cidade fluminense .
Sobre os custos, Haddad explica que a Prefeitura de Maricá repassou no ano passado à autarquia 1,87% do orçamento total do município, estimado em R$ 6,8 bilhões. Ou seja, para transportar quantidade de passageiros até maior que a de Campo Grande, o município do Rio de Janeiro dispensou cerca de R$ 120 milhões no ano, o que representa uma média de R$ 10 milhões por mês.
Ele explica que a implementação da tarifa zero começou gradativamente com algumas linhas, em 2014, para retirar o monopólio das empresas privadas que operavam na cidade. A operação cresceu ao longo dos anos com investimentos maiores da Prefeitura.
“Hoje Maricá é a cidade que mais transporta pessoas no Tarifa Zero no país inteiro. Ela não é a maior cidade, mas possui a maior e mais nova frota. Todos os ônibus têm ar-condicionado, vários ônibus já estão sem a catraca que é uma retirada que a gente vai fazer durante esse ano de 2025”, explica o gestor.
Tarifa zero é realidade em outras cidades

Se a tarifa zero fosse implementada em Campo Grande, a economia no bolso para uma pessoa poderia chegar a R$ 190 mensais e R$ 2.280,00 por ano, considerando duas passagens por dia a R$ 4,75 e 20 dias úteis por mês.
Para quem está acostumado, há anos, a pagar uma tarifa cara por um serviço sucateado, pode até chegar a duvidar da sustentabilidade econômica deste modelo. Contudo, pelo menos 136 cidades em todo país – inclusive capitais – já implementaram a tarifa zero. Maricá, por exemplo, iniciou o processo dez anos atrás, em 2014, o que demonstraria a viabilidade deste modelo.
Em Teresina, capital do Piauí, o metrô passou a ser de graça neste ano. Antes, a passagem custava R$ 1. Já em São Paulo, a maior metrópole da América Latina, a passagem de ônibus custa R$ 5 desde 6 de janeiro. A tarifa zero começou a ser testada aos domingos e em alguns feriados. Campo Grande já teve modelo parecido, com ônibus gratuito aos fins de semana na gestão de André Puccinelli (MDB), mas acabou sendo abandonado.
Mato Grosso do Sul também conta com modelos de passe livre, como em Ribas do Rio Pardo, a 96,8 km de Campo Grande, desde 2024. Já em Costa Rica, a 327 km de Campo Grande, andar de graça no transporte público já é realidade desde 2021.
*Material atualizado às 14h00 de domingo (19) para correção de informação.
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