O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) instaurou um inquérito civil para apurar possíveis prejuízos à população após a mudança nos fluxos de regulação do HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul). Gestão dividida estaria influenciando na morte de pacientes.
O procedimento foi aberto a partir de uma Notícia de Fato registrada pela 32ª Promotoria de Justiça da Saúde Pública, que recebeu no final do ano passado documentação da 76ª Promotoria relatando caos no sistema de leitos da rede municipal de Campo Grande.
A investigação mira os efeitos da chamada “gestão dupla” entre Estado e Município na regulação de pacientes e a falta de transparência entre as plataformas, o que teria provocado demora em atendimentos de urgência e emergência, resultando na morte de pacientes.
Em um dos episódios mais graves, uma criança de 8 anos de Camapuã morreu após ter a transferência negada para o HRMS, mesmo com sintomas graves compatíveis com caso de “vaga zero”. O caso em questão, segundo os autos do MPMS, indicava acidente causado por animal peçonhento.
“Houve episódio de criança de 8 anos de Camapuã que apresentou quadro de lesão glútea e demais sintomas graves sugestivos de quadro ofídico, cuja referência é o HRMS. A solicitação de internação foi submetida à regulação estadual, que não liberou a transferência para o HRMS, mesmo sendo quadro enquadrável na chamada “vaga zero” e o único local que poderia tratar o caso. Somente após intervenções pessoais por parte da SESAU, a vaga foi liberada pelo HRMS na manhã do dia seguinte, mas a criança foi a óbito no CRS antes mesmo de chegar ao HRMS”, afirma trecho de reunião entre a Sesau e o MPMS.
Reunião expõe desafios
No encontro, realizado no mês de janeiro, a Sesau confirmou que 140 pessoas estariam na fila por leitos hospitalares, enquanto o sistema de regulação estadual impedia que o Município visualizasse todos os pedidos de internação.
A promotora Daniella Costa da Silva aponta que a ausência de um comando único de regulação tem desorganizado o Sistema Único de Saúde e sobrecarregado hospitais como a Santa Casa, que chegou a ter 31 pacientes na área vermelha, com capacidade para apenas seis.
O inquérito agora exige que a Secretaria Municipal e a Secretaria Estadual de Saúde prestem esclarecimentos sobre os impactos da mudança, os protocolos vigentes e as tratativas realizadas desde a crise.
Além disso, o MP requisitou a resolução que criou e posteriormente revogou a Central Única de Regulação das macrorregiões de Campo Grande e Três Lagoas.
Para o MP, a falta de integração e clareza nos fluxos de regulação pode estar comprometendo o acesso adequado da população aos serviços de saúde pública, violando o direito à vida e à saúde garantidos pela Constituição. O inquérito será acompanhado também pelo Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos e pela 76ª Promotoria da Saúde.
Caso Sophie
Sophie, de apenas 5 anos, morreu no dia 29 de maio após suposta insuficiência na assistência hospitalar oferecida pela Santa Casa de Campo Grande à menina. Ela teria sofrido acidente, onde o portão da residência teria caído sobre a cabeça da criança.
O caso, segundo a Sesau, não foi influenciado pelo processo de regulação. Inicialmente a reportagem atribuiu ao setor, a dinâmica de direcionamento da paciente. O esclarecimento quebra o silêncio adotado pela pasta desde o início da cobertura acerca da morte da criança.
A Sesau apontou ao Midiamax que a regulação garantiu leito à Sophie em 20 minutos, e que a Santa Casa seria a unidade referência para acolhimento da criança com indícios de trauma encefálico. Sendo assim, o Hospital Regional ou Hospital Universitário não teriam as condições mais adequadas para a assistência necessária ao caso da menina.
Dois dias antes da primeira ida da criança à Santa Casa, o hospital já havia comunicado bloqueio do pronto-socorro por incapacidade de manter condições mínimas. Desde março, a unidade alertava autoridades e a Justiça sobre superlotação e desabastecimento.
Em entrevista ao Midiamax, a mãe da criança relatou que na Santa Casa Sophie passou por raio-x e observação, ouvindo da médica que a criança não teria fratura. “Não tem nada, ela está melhor que eu”, afirmou a profissional à família, que retornou para casa, até tudo mudar na manhã de segunda-feira (26) quando os ferimentos se agravaram e levaram à menina a óbito na sexta, 29.
Em nota ao Midiamax, a Santa Casa de Campo Grande assegura que todas as condutas relacionadas ao caso seguem sob análise detalhada. “A Diretoria Técnica e o Núcleo de Segurança do Paciente seguem conduzindo a apuração com seriedade, responsabilidade e compromisso com a melhoria contínua dos processos assistenciais. Reiteramos que a apuração desses casos exige atenção minuciosa e deve ser realizada de forma diligente. Mantemos nosso compromisso com a ética profissional e a qualidade no atendimento prestado à população”, afirma a unidade.
Outro lado
Segundo a SES, Campo Grande é habilitada em gestão plena, o que significa que o município tem responsabilidade direta pela maior parte dos atendimentos especializados em seu território, incluindo a regulação de casos pediátricos de média e alta complexidade.
Segundo a SES, os serviços inicialmente acionados para o atendimento de crianças em situação grave são, portanto, de competência municipal.
Acerca do HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul), a secretaria explica que retomou a gestão da unidade em 2024, após mais de duas décadas sob comando da prefeitura. A decisão foi tomada com base em critérios técnicos e aprovada pela CIB (Comissão Intergestores Bipartite), após avaliação das fragilidades assistenciais e operacionais do hospital. Com isso, o Estado assumiu oficialmente a direção da unidade, que é mantida com recursos estaduais.
A nota destaca ainda que a criação da nova Central de Regulação Única foi pactuada entre Estado e municípios, homologada em instâncias colegiadas como a CIB e a CIR (Comissão Intergestores Regional). O modelo, segundo a SES, já é adotado em outros estados e visa garantir acesso igualitário da população aos atendimentos de urgência e emergência, sem comprometer a autonomia dos municípios.
A SES ainda afirmou que acompanha com atenção os relatos de dificuldades nos atendimentos pediátricos e atua de forma articulada para garantir a assistência necessária, “respeitando as competências estabelecidas e os pactos do SUS”.
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*Texto ajustado às 11h53, 06/06, para correção de informação e incremento de posicionamento da Sesau
*Texto ajustado às 08:15, 10/06, para incluir o posicionamento da SES