A permissão a promotores e procuradores de Justiça de se licenciarem dos cargos e receber salários integrais enquanto disputam as Eleições 2022 voltará a ser assunto do STF (Supremo Tribunal Federal).

A ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) protocolou na quinta-feira (12) uma Reclamação Constitucional no Supremo, na qual pede a cassação da decisão do procurador-geral do Estado de São Paulo, Mario Luiz Sarrubbo, que concedeu licenças remuneradas aos promotores Antonio Domingues Farto Neto (PSC) e Gabriela Manssur (MDB) para disputarem as Eleições 2022.

“Os promotores receberão seus salários pelo período de 6 meses para se dedicarem à disputa eleitoral e, caso não sejam eleitos, voltam para suas funções. Licença essa deferida ao arrepio da Constituição para dois promotores que ingressaram no Ministério Público depois de 5 de outubro de 1988”, explica a entidade, em nota.

Conforme a entidade, a ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 388 determinou que membros do MP não podem ocupar cargos públicos fora da instituição — exceto funções de magistério.

Já a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 2534 proíbe totalmente a atividade político-partidária por membros do MP — mas não se aplica àqueles que entraram na carreira antes da Constituição de 1988 ser promulgada porque, nesse caso, configura adquirido para aqueles antes da mudança de regra.

Promotores que vão receber salários devem ser exonerados, diz ABJD

Para a entidade, as duas ações não deixam dúvidas sobre a ilegalidade da resolução administrativa do procurador-geral paulista — abrindo brecha para a reclamação constitucional. “Se pretendem disputar uma eleição, procuradores e promotores precisam pedir exoneração do cargo”, sustenta a ABJD, contestando o fato de que ambos vão receber salários.

O MP-SP, por seu turno, justifica as licenças na resolução 5/2006, do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), que libera a participação de promotores e procuradores nas eleições, e na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 2.084/2001, que trata da filiação partidária de membros do MP licenciados.

Um promotor de Justiça em início de carreira pode receber salário de cerca de R$ 28,8 mil em São Paulo. Já aqueles que estão no nível máximo antes da promoção a procurador ganham R$ 33,6 mil. O subsídio não inclui outros valores — como gratificações de função.

Procurador de MS

O ato contestado pela associação não é exclusivo de São Paulo. Segundo o site Consultor Jurídico há ao menos um Estado no qual a licença remunerada de membro do MP para disputar as Eleições-2022 já foi autorizada.

Ato do procurador de Justiça Alexandre Magno Benites de Lacerda, do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) autorizou o procurador de Justiça Sérgio Fernando Raimundo Harfouche a concorrer na disputa eleitoral deste ano, continuando a receber salário. Isso depois de, em 2020, ele ter sua candidatura impugnada — em 2018, a intenção de concorrer já havia sido posta em xeque.

Em ambos os casos, o marco temporal da Constituição de 1988 foi destacado. A Emenda Constitucional 45/2004, que exige a renúncia ao vínculo (por exoneração ou aposentadoria) do MP a promotores e procuradores que querem ser candidatos, cria exceções para quem entrou na carreira antes de 1988. Harfouche é membro do MPMS desde 1992.

Em 2018, quando disputou o Senado pelo PSC, Harfouche teve a candidatura questionada na Justiça Eleitoral por conta da licença, concedida pelo MPMS naquele ano. Tanto no (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul) como no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a impugnação da candidatura foi negada.

Contudo, em 2020, quando ele tentou a Prefeitura de pelo Avante, a interpretação foi outra. O registro da candidatura foi negado em primeira e segunda entrâncias, justamente por conta da Emenda Constitucional 45/2004 — ou seja, veto à atividade político-partidária a integrante do MP. Assim, seus votos foram anulados.

Recurso apresentado pelo então candidato ao TRE-MS também foi rejeitado. No caso, o juiz eleitoral Juliano Tannous frisou que o fracasso nas urnas balizava a decisão. O agora ex-prefeito (PSD) havia obtido mais de 50% dos votos e levado a fatura no primeiro turno, tornando sem sentido um recurso por parte do procurador de Justiça.

Em 2020, Harfouche também havia se licenciado com rendimentos para disputar a prefeitura, retornando ao cargo em novembro. De maio a setembro, recebeu mais de R$ 220 mil enquanto se envolveu com a atividade político-partidária, como lembrou o Jornal Midiamax.

Em setembro de 2020 (isto é, antes da desistência no TRE), em nota à redação, Harfouche avaliou não haver ilegalidade na sua candidatura, destacando que teve aval em 2018 para disputar o Senado.

Emenda Constitucional é ‘divisor de águas', avalia advogado

O procurador fez uma contagem diferente para tentar garantir seu direito: usou a emenda de 2004 como marco temporal, apontando que sua carreira no MPMS havia começado 12 anos antes do dispositivo entrar em vigor, estando apto a concorrer a cargo eletivo.

O MPMS alegou ao Conjur que a licença remunerada de Harfouche neste ano vale de 1º de abril até o registro de sua candidatura, também considerando a resolução do MPMS e a Lei Complementar Estadual 72/1994, a Lei Orgânica do MPMS, que em seu artigo 157 trata da licença para disputa eleitoral de seus membros — mas não fala sobre os subsídios.

O Advogado Arthur Rollo, especialista em Direito Eleitoral, destacou ao Conjur que a Emenda Constitucional 45 é tida como um “divisor de águas”: até sua promulgação, seria possível se afastar sem perda de cargo e com os subsídios garantidos. Depois dela, não.

“Já tem entendimento firmado sobre a Emenda Constitucional 45. Então, até a EC 45/2004 eles podem sair candidatos, e quem entrou depois da EC 45/2004 tem que pedir exoneração. Já tem interpretações a esse respeito”, alegou.

Atualmente, um procurador de Justiça tem subsídio bruto de R$ 35,4 mil, também sem incluir eventuais adicionais, como gratificações.

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Caso levado por associação será relatado por Gilmar Mendes. (Foto: Carlos Moura/SCO/STF)

A ABJD salientou que “a ação inadmissível exige que o Supremo Tribunal Federal afirme que existe segurança jurídica no Brasil e que se deve corrigir uma decisão para que se adéque à jurisprudência da mais alta Corte da Justiça brasileira”. O caso será relatado pelo ministro Gilmar Mendes.

A Justiça Eleitoral terá de 15 de agosto até 11 de setembro para decidir se as candidaturas de promotores e procuradores licenciados serão válidas.