Desembargador estranha pressa do Governo para concluir formação com reprovada em concurso da Polícia

Em decisão, Nélio Stábile mantém suspenso ato administrativa que beneficiou candidata reprovada no concurso de 2017 da Polícia Civil

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Briga foi motivada por ciúmes (Arquivo, Midiamax)

O desembargagor Nélio Stábile, da 2ª Câmara Cível do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), estranhou argumentação presente em agravo civil interno movido pela PGE (Procuradoria-Geral do Estado) no último dia 22, com o objetivo de derrubar decisão monocrática que suspendeu matrícula de uma candidata no curso de formação da Polícia Civil. O estranhamento está relatado em manifestação do desembargador do último dia 27, na qual o pedido foi indeferido.

A decisão que foi alvo de agravo interno da PGE é decorrente de recurso movido pela defesa de candidatos regularmente aprovados no certame e, além de suspender a matrícula da candidata, também determinou o retorno da classificação dos candidatos à situação anterior.

Todavia, para a PGE, tais candidatos não teriam legitimidade para atuar na referida Ação Civil Pública, conforme alegou no agravo interno. A PGE também aponta que o concurso em questão já estaria na fase de finalização dos módulos e que, por isso, a decisão traria insegurança jurídica.

Foram justamente essas argumentações que causaram estranhamento ao desembargador. Ele reconhece que o concurso da Polícia Civil foi tumultuado por responsabilidade do próprio estado, que chegou a ser acionado judicialmente pelos candidatos para iniciar o Curso de Formação, protelado por mais de um ano.

“Agora, depois que incluiu indevidamente candidato(s) reprovado(s), é que busca ‘acelerar’ o término do Curso, pretensamente para criar um inexistente ‘fato consumado’, alegando que a Decisão de minha lavra estaria a causar tumulto no último módulo do referido Curso de Formação, quando, em verdade, o decisum foi proferido apenas para garantir a lisura do Concurso, ante a indevida inclusão de candidata considerada inapta, consoante já salientado’, aponta Stábile antes de indeferir o agravo.

Para Stábile, a decisão deve ser mantida e não suspensa, visto que o Estado “desobedeceu à ordem judicial quando do julgamento das Apelações interpostas na Ação Civil Pública e Ações Populares, apensadas e julgadas conjuntamente”. O relator argumenta que seria exatamente por isso que a alegação de que os Agravantes não teriam legitimidade para atuar na ação não merece prosperar, como já registrado na decisão ora agravada.

“Ademais, ao incluir, administrativamente, candidata excluída do certame, o ente público estatal desobedeceu, também, o julgamento do IRDR pela Segunda Seção Cível deste Tribunal – que suspendeu todas as liminares e cautelares judiciais relativas aos candidatos reprovados – praticando, assim, verdadeiro atentado à ordem judicial. Se até mesmo as decisões judiciais encontram-se suspensas, com maior razão as administrativas”, pontua o desembargador.

Entenda o caso

Após decisão administrativa do governo de Mato Grosso do Sul beneficiar candidata reprovada no concurso de 2017 da Polícia Civil, candidatos regularmente aprovados no certame ingressaram com recurso distribuído à 2ª Câmara Cível do TJMS (Tribunal de Justiça de MS). Em decisão monocrática, o relator, desembargador Nélio Stábile, decidiu pela suspensão da manobra, que havia driblado o resultado de uma das fases do processo seletivo para garantir a matrícula da postulante ao cargo de escrivã no curso de formação.

A interferência administrativa, realizada pela Uems (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), fez com que a candidata passasse à frente de ao menos outros seis candidatos que tiveram matrículas revogadas por decisão judicial no mesmo concurso. A concorrente havia sido reprovada na fase mais polêmica do processo seletivo, a prova de digitação. Uma perícia constatou que praticamente todos os computadores usados na etapa estavam com vírus. Outros teriam teclas muito duras, o que atrapalhou os participantes. O problema provocou uma corrida à Justiça por parte dos prejudicados e o MPMS (Ministério Público Estadual) ajuizou ação civil pública.

Uma decisão liminar de março de 2020 permitiu a participação da candidata em questão nas demais fases do concurso. Porém, um mês depois, uma nova sentença, desta vez em segunda instância, determinou a suspensão de todas as liminares expedidas no bojo da seleção da Polícia Civil. Assim, sua matrícula no curso de formação policial foi anulada.

A revogação acabou revertida pelo edital de 18 de dezembro passado, após decisão do reitor da Uems, Laércio Alves de Carvalho. A manobra incluiu a candidata na lista de aprovados para o curso e levou à sua convocação para matrícula no curso de formação. Com isso, ela desistiu da ação que movia na Justiça Estadual.

A interferência da reitoria da Uems contou com o aval de SAD (Secretaria de Estado de Administração e Desburocratização), Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) e DGPC (Delegacia-Geral da Polícia Civil), signatários do edital.

Para desembargador, decisão administrativa causou ‘lesão grave’ e feriu ordem judicial

Então, os candidatos prejudicados pela decisão administrativa do governo estadual recorreram à Justiça, que, em primeira instância, rejeitou a investida. Mas, em segundo grau, o desembargador Nélio Stábile acatou o pedido liminar dos candidatos. Em decisão proferida no último dia 31 de março, o magistrado viu “lesão grave e de difícil reparação” aos que foram ultrapassados na classificação.

Além disso, Stábile entendeu que a interferência administrativa provocou “flagrante desrespeito” à ordem judicial de novembro de 2019 – em acórdão relatado por ele -, que determinou o prosseguimento do concurso apenas com os candidatos aprovados da prova de digitação.

Na ocasião do edital de dezembro passado, a SAD defendeu à reportagem que não houve “atropelo” à decisão judicial, pois “o direito ao recurso administrativo está previsto no edital que rege o certame”. Sejusp, DGPC e Uems também haviam sido procurados, mas não se manifestaram.

Com a suspensão do edital, a sentença do desembargador também anulou a matrícula da candidata antes beneficiada. Consequentemente, restabeleceu a classificação anterior dos demais participantes do concurso. Stábile ainda deu dez dias de prazo para manifestação da comissão organizadora do processo seletivo. Além disso, convocou SAD, Sejusp e DGPC a, no mesmo prazo, prestarem esclarecimentos sobre a manobra para contemplar a candidata.

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