O desmembramento da Ação Penal 980 pode ter pelo menos três implicações para os 23 réus, que agora vão responder na Justiça Estadual por denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, dentre outros, em ação decorrente da Operação Vostok.

Assim como decidiu o STJ sobre isolar Reinaldo Azambuja em razão deste estar no cargo de governador, as possibilidades que se abrem também serão determinadas com base no entendimento da Justiça sobre o foro de parte dos denunciados, o que ocorrerá no ato do recebimento dos autos.

Na última semana, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) procedeu com o desmembramento da Ação Penal 980, em atendimento à decisão do relator da ação, ministro Felix Fischer, que isola o governador de MS no STJ. Na ocasião, foi enviado ofício encaminhando cópia dos autos ao TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).

O que ocorre é que, como dois dos denunciados possuem – em tese – foro privilegiado, isso poderá interferir na distribuição. São eles: Marcio Monteiro, conselheiro Estadual de Contas de Mato Grosso do Sul, ex-deputado estadual e ex-secretário de finanças, apontado como responsável por parte das tratativas; e o deputado Zé Teixeira (DEM), que teria emitido notas irregulares, segundo o MPF.

A partir disso, o desembargador que receber o ofício fará análise dos autos para avaliar se a denúncia permanecerá no TJMS, por força do foro dos requeridos; se desmembrará a denúncia conforme o foro (mantendo os requeridos com foto no TJMS e os demais em uma das varas criminais de ); ou se distribui a ação diretamente para a primeira instância.

“O desembargador pode decidir com base no entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), no qual o foro só é aplicado pelo real exercício do mandato e eventual crime cometido durante a vigência do próprio mandato”, detalha o advogado Carlos Marques, que representa Zé Teixeira na ação.

Desta forma, o desembargador pode entender que não seria o caso de aplicar a regra do foro privilegiado, uma vez que os supostos crimes ocorreram quando Marcio Monteiro era secretário de Estado. No caso de Zé Teixeira, acusado de emitir cerca de R$ 1,5 milhão em notas frias para legalizar propina da JBS a Reinaldo, os atos não teriam relação com a atuação parlamentar.

Fora do STJ

À exceção de Reinaldo Azambuja, os 23 demais denunciados já foram excluídos do sistema do STJ e serão julgados pelo TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). Entre eles estão o conselheiro do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado) Márcio Monteiro, o prefeito de Porto Murtinho Nelson Cintra, o deputado Zé Teixeira (DEM) e o próprio filho de Reinaldo, Rodrigo Souza e Silva. Confira a lista completa:

  • Rodrigo de Souza e Silva – filho do governador Reinaldo Azambuja, é também acusado pelos três promotores do Patrimônio Público de Campo Grande, Adriano Lobo Viana de Resende, Marcos Alex Vera de Oliveira e Humberto Lapa Ferri por ser o mandante de um de propina que deu errado e por ter supostamente encomendado uma execução.
  • João Roberto Baird – Dono de empresa de informática em Mato Grosso do Sul e pecuarista, Baird é investigado na Operação Lama Asfáltica e teriam também lavado dinheiro de propina no Paraguai, segundo as investigações.
  • José Roberto Teixeira – Deputado Estadual pelo DEM e primeiro-secretário da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.
  • Marcio Campo Monteiro – Conselheiro Estadual de Contas de Mato Grosso do Sul, ex-deputado estadual e ex-secretário de finanças, apontado como responsável por parte das tratativas.
  • Nelson Cintra Ribeiro – ex-secretário estadual de Turismo de Reinaldo Azambuja (PSDB) e ex-prefeito de Porto Murtinho. Pecuarista, teria emitido notas acima dos R$ 296 mil, mas garante que vendeu o gado para o abate e que já regularizou a situação junto à Receita Federal.
  • Osvane Aparecido Ramos – ex-deputado estadual, tem fazenda em Dois Irmãos do Buriti e teria emitido notas de R$ 847 mil à JBS.
  • Zelito Alves Ribeiro –Pecuarista, é ex-coordenador regional do governo tucano, responsável pela interlocução de alguns municípios com o , e teria emitido notas fiscais para a JBS que somam pouco mais de R$ 1,7 milhão e que seriam frias, usadas para, segundo a delação da multinacional, esquentar a propina paga a integrantes da atual gestão do Governo do Estado.
  • Élvio Rodrigues – Dono da Fazenda Santa Maria, em Corumbá, esteve com o advogado Gustavo Passareli, do mesmo escritório que também acompanhou o irmão do governador Reinaldo Azambuja (PSDB), Roberto Oliveira Silva, conhecido como Beto Azambuja, em depoimento na terça. Élvio teria usado dinheiro de propina para comprar as terras, segundo a investigação.
  • Francisco Carlos Freire de Oliveira – Pecuarista que, segundo os depoimentos dos irmãos Wesley e Joesley Batista, teria emitido R$ 583 mil em notas fiscais falsas, em 3 de novembro de 2016.
  • Ivanildo da Cunha Miranda – Delator da Operação Lama Asfáltica, procurou a Polícia Federal em 2017 com intuito de celebrar o acordo. É apontado como suposto operador das propinas envolvendo o ex-governador André Puccinelli (MDB) no esquema. Ele relatou à Polícia que recebia entre os anos de 2007 a 2010 valores mensais entre R$ 60 mil a R$ 80 mil, e após 2011 até 2013, esse valor, em alguns meses, chegava a R$ 220 mil.
  • Cristiane Andréia de Carvalho dos Santos Barbosa – Chefe de gabinete de Reinaldo Azambuja, acusada de ser responsável pelo recebimento de parte das propinas. Teve aumento salarial significativo na segunda gestão de Reinaldo, após deflagração da Vostok.
  • Miltro Rodrigues Pereira – Da Agropecuária Duas Irmãs, é acusado de emitir notas frias no valor de R$ 1.032.229,80, supostamente transferidos ao governador Reinaldo Azambuja (PSDB), segundo decisão pela prisão dele no ano passado assinada pelo ministro Félix Fischer.
  • Daniel de Souza Ferreira – Administrador da Duas Irmãs, acusado de emitir notas frias
  • Rubens Massahiro Matsuda – Dono da Safra Agropecuária, de Dois Irmãos do Buriti, que teria emitido R$ 383 mil em notas frias.
  • Pavel Chramosta – dono do Frigorífico Buriti, em Aquidauana. É apontado como o maior emissor de notas do suposto esquema, somando R$ 12,9 milhões em notas sob suspeita emitidas entre março e julho de 2015. Os delatores indicaram pagamentos a Reinaldo Azambuja por notas frias, além da entrega de R$ 10 milhões em mãos.
  • Daniel Chramosta – Filho de Pavel, é diretor da Buriti Comércio de Carnes, que também fica em Aquidauana. Junto com o pai, comanda a distribuidora de alimentos na cidade.
  • José Ricardo Guitti Guímaro, o Polaco – Responsável por receber a propina entre pecuaristas.
  • Gabriela de Azambuja Silva Miranda – Sobrinha de Reinaldo Azambuja.
  • Leo Renato Miranda – Cunhado de Reinaldo Azambuja e pai de Gabriela.
  • Roberto de Oliveira Silva Junior – Irmão de Reinaldo Azambuja.
  • Antônio Celso Cortez – Empresário, dono da Mil Tec Tecnologia e da PSG Tecnologia da Informação.
  • Joesley e Wesley Batista – Proprietários da JBS. Foram incluídos na denúncia por decisão da PGR, que sustenta que os empresários descumpriram cláusulas da delação premiada que implicou Reinaldo Azambuja.

Mais celeridade

Relator da Ação Penal 980, o ministro justificou que a jurisprudência passou a adotar a cisão como regra em relação a coinvestigados ou coautores sem foro privilegiado. Além disso, Fischer pregou a “racionalização dos trabalhos, a fim de se garantir a celeridade e a razoável duração do processo, além de tornar exequível a própria instrução processual da presente ação penal”.

O relator completou que o desmembramento “não representará nenhum prejuízo à compreensão dos fatos ou à instrução probatória” e “em nada prejudicará os interesses da Justiça”.

Com o desmembramento, portanto, só Reinaldo será julgado pelo STJ, uma vez que ele é o único com foro privilegiado, com prerrogativa de função perante o tribunal. A corte pode decidir pelo afastamento do governador, como fez recentemente com o Wilson Witzel no Rio de Janeiro.

Reinaldo tenta suspender ação por corrupção com habeas corpus no STF

Reinaldo e mais 23 pessoas foram denunciados pelo MPF ao STJ com base nas investigações da Polícia Federal no bojo da Operação Vostok. O governador é apontado como chefe de uma organização criminosa e teria recebido R$ 67,7 milhões em propina do grupo JBS, entre 2014 e 2016, por meio de doações de campanha e emissão de notas fiscais falsas de venda de carne e gado – os “bois de papel”. Em troca, a JBS foi beneficiada com incentivos fiscais que desfalcaram os cofres do governo do Estado em R$ 209,7 milhões.

A investigação foi desencadeada pelas delações de executivos da JBS, principalmente dos irmãos Joesley e Wesley Batista. A denúncia pede a decretação da perda de cargo público dos envolvidos e a restituição dos valores.

O governador de Mato Grosso do Sul recorre ao STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar suspender a Ação Penal 980. Os advogados do tucano argumentam contra seu foro privilegiado, uma vez que os crimes implicados a Reinaldo teriam começado em 2014, quando ainda não era governador. Para sua defesa, Reinaldo deveria ser julgado pela Justiça Estadual, como se o foro iniciado em 2015 fosse interrompido após a reeleição de 2018.

Quem relata o habeas corpus no STF é o ministro Edson Fachin, que já negou o pedido em caráter liminar. Antes disso, a defesa do governador empilhou derrotas em recursos para tirar o processo das mãos de Fachin.