Após a Corregedoria Geral da Polícia Civil anunciar que está investigando a conduta do corregedor de trânsito do (Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul), a (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) também garantiu que vai apurar a postura do delegado.

Fernando Villa de Paula afirmou, sem saber que era filmado por um denunciante, que os flagras de terceirizadas fazendo ‘vista grossa' na inspeção veicular seriam montagens ‘para fod**' as vistoriadoras.

Em nota, a Sejusp diz que comunicou o Delegado-Geral da Polícia Civil, Marcelo Vargas Lopes sobre os fatos atribuídos ao delegado do Detran-MS e, ao final do procedimento administrativo a ser instaurado, será emitido um parecer conclusivo sobre a situação.

Flagras para ‘fod**' empresas

Fernando Villa é delegado de Polícia Civil e, como corregedor no órgão estadual, recebeu, em julho, R$ 32,8 mil de remuneração. Uma das atribuições do cargo é justamente receber e investigar denúncias.

Sem saber que era gravado por um denunciante que tem colaborado com as reportagens do Jornal Midiamax sobre falhas no sistema de inspeção veicular em MS, o servidor público não esconde a irritação por causa dos sucessivos casos flagrados e denunciados. Fernando Villa fala alto, gesticula, usa termos agressivos e chega, em determinado momento, a dizer ao cidadão que tenta ajudar: ‘não tem problema nenhum em te colocar em cana'.

O denunciante, um mecânico automobilístico e empresário, é conhecido no Detran-MS por cobrar, há décadas, a adoção de padrão técnico nas vistorias veiculares em Mato Grosso do Sul e punição para responsáveis por erros que causam prejuízo para motoristas e os cofres públicos, segundo ele. Ironicamente, chegou a ser processado pelo MP-MS por ‘denunciação caluniosa', mas provou que estava certo e foi absolvido.

Demora, prescrição e ‘vista grossa'

Sobre as denúncias, no entanto, os resultados geralmente enroscam em tramitações burocráticas que garantem morosidade e adiam indefinidamente a punição. Em muitos casos, os crimes, mesmo provados após longos inquéritos, não geram penas porque prescrevem antes do encerramento.

Recentemente, inclusive, o mesmo Fernando Villa nervoso do vídeo informou em nota oficial da Corregedoria que a empresa Focar, flagrada aprovando em vistoria um carro com motor fundido e sem parte elétrica funcionando, não sofrera ainda qualquer tipo de sanção prevista em lei porque ‘recorreu à Sejusp'. Isso, mesmo após o próprio dono da empresa admitir ‘vista grossa' em algumas vistorias.

A nota oficial do corregedor, em tom bem mais ameno do que o usado pelo delegado para falar com um denunciante sozinho na sala da COTRA, chegou a ser confundida com uma nota da defesa da empresa pela reportagem. Segundo o decreto 13.826, que define a estrutura do Detran-MS, em 3 de dezembro de 2013, no entanto, entre as atribuições da Corregedoria está justamente receber e apurar denúncias.

Mas, no vídeo, o Corregedor de Trânsito do Detran-MS chega a dizer ao denunciante que as denúncias incomodam. “O senhor, dependendo da reclamação que você vem, você está me incomodando”, dispara o servidor público ao cidadão.

Outra atribuição, segundo o artigo 14 do decreto, é propor medidas de prevenção e segurança para eliminar fragilidades que permitam fraude, ilegalidade e impunidade na área de competência do Detran-MS, elaborar planos de correição periódica, além de propor instauração de procedimentos de sindicância ou de processo administrativo disciplinar e apresentar relatórios de sua atividade.

‘Louco e tiros na janela': uma saga contra ilegalidades no Detran-MS

Velho conhecido no Detran-MS, o mecânico que foi alvo da ‘fúria' de Fernando Villa está acostumado a ser tratado como inimigo no órgão estadual. Mesmo assim, ele persiste. Conta que já foi coagido a se calar e tratado como “louco” por inúmeros servidores públicos que teriam por lei, obrigação de investigar cada linha do que ele denuncia.

O ‘recado', em outras épocas, já veio em forma de tiros, cujas marcas continuam na vidraça da oficina, para quem quiser ver. Mesmo assim, ele relata que estranhou a postura agressiva do corregedor em 11 de novembro de 2017.

“Denuncio há muito tempo, acho que já faz bem uns 25 anos. Dessa vez fiquei até amedrontado, é claro. Mas depois, de cabeça fria, isso me motivou ainda mais. Tive a certeza que estava no caminho certo”, analisa.

“Tudo que eu denunciei até hoje tinha o mínimo de pertinência. Nunca inventei nada e também nunca tirei proveito disso. Faço para deitar a cabeça no travesseiro à noite e dormir com a tranquilidade de que sempre tentei fazer o certo. Infelizmente, tem coisas que não dependem só de nós”, lamenta.

“Já denunciei para todas as autoridades possíveis, todos os corregedores que já passaram pelo Detran, todos que já presidiram, delegados, promotores e procuradores de justiça, e tenho tudo registrado, inclusive com muitos vídeos. Muitos deles me tratam mal só de verem a minha cara (sic)”, relata.

‘O que eu tenho com isso?': pergunta de um corregedor

O tom da última conversa com o delegado corregedor do órgão, Fernando Villa de Paula, foi estarrecedor. Com laudos em mãos, o cidadão tentou cobrar providências de um antigo caso, tocado pela corregedora anterior, cuja resolução, segundo ele, ninguém viu acontecer.

“Eu não tenho que saber disso daqui”, diz o corregedor, complementando: “eu não era corregedor, não era presidente do órgão, não era nada disso… (…) então, antes de ler, eu já sabia o que o senhor vinha fazer. Isso aqui não me interessa”.

No entanto, como corregedor, segundo o próprio Detran-MS confirma, Fernando Villa tem a ‘obrigação' funcional de investigar, sim, casos que possam envolver denúncias de fatos anteriores à chegada dele ao cargo, inclusive se implicarem até mesmo o diretor do órgão, e mesmo que haja apenas indícios de crimes que não tenham prescrito.

‘(…) prá levar lá e foder com as empresas'…

O mecânico insiste, desta vez sobre um outro caso, onde um carro foi transferido com visíveis sinais de adulteração, segundo ele. “Ô Xavier, pega lá pra (sic) mim aquele procedimento que apurou aquelas placas, inclusive a placa que ele prepara os carros pra (sic) levar lá e foder (sic) com as empresas, vê pra (sic) mim a sindicância e tira uma cópia e fornece pra (sic) ele”, diz Fernando Villa na frente de outro servidor público estadual.

Cobrando resultados de um segundo caso, onde há, inclusive, laudos do Instituto de Perícias, apresentado ao corregedor, comprovando que um veículo com várias adulterações foi aprovado em vistoria por uma empresa terceirizada, Fernando Villa recusa o pedido de informações e, ainda, afirma que vai abrir uma representação contra o perito que forneceu cópia do laudo ao mecânico, primeiro a ter contato com o carro adulterado.

“Quem te autorizou a pegar essa cópia lá no IC?”, questiona o delegado. “É um documento público, qualquer um pode ter acesso”, responde o denunciante. “Negativo, meu amigo. Negativo. Vou representar o perito que te deu a cópia. Você não tem interesse, o carro não é seu. Isso não é um problema seu, vou representar o perito”, brada o delegado se projetando na direção do denunciante.

A conversa continua, outros casos onde houve transferência irregular são apresentados, um deles, onde um outro veículo que supostamente teve os números sequenciais adulterados grosseiramente, é acolhido pelo Corregedor, que garantiu seguir investigando, mas outros são rapidamente rejeitados por serem antigos, mesmo diante de documentação que comprovaria a fraude ou, ao menos, grave irregularidade nos procedimentos administrativos de vistoria.

‘Não adianta'…

“Eu vou te falar o seguinte. Não adianta você sair por aí garimpando problema aí e trazer pra (sic) mim que você não é representante legal dessas pessoas e eu não vou aceitar”, antecipa Fernando Villa. Na verdade, no entanto, entre as atribuições do Corregedor de Trânsito, definidas pelo próprio Detran-MS, o item IV é ‘receber e apurar denúncias', sem especificar se o denunciante precisa ou não ser representante legal.

A reportagem conversou com Fernando Villa sobre o episódio. Desconcertado, o corregedor admitiu o teor das imagens. Questionado sobre o que ele, como Corregedor de Trânsito do Detran-MS, quis dizer com a expressão ‘foder as empresas', já que o papel dele não é atuar em defesa das credenciadas, mas sim investigar todas as denúncias que recebe, o delegado se limitou a dizer que “quis se referir às situações montadas”.

Diretor marcou horário, mas não atendeu

Sentindo-se coagido pelo corregedor, o denunciante, então, tentou levar o caso até o diretor-presidente do Detran-MS, Roberto Hashioka, que chegou a agendar um horário no gabinete, mas, na última hora, desistiu de receber o mecânico.

O diretor, autoridade máxima do Detran-MS, que também teria por obrigação apurar a situação reportada pelo denunciante, já que a corregedoria é apenas um órgão de assessoramento da presidência, envia um recado por sua assessora, que diz que se o denunciante deseja fazer uma queixa sobre a condução das denúncias por parte da corregedoria, lá não seria o lugar apropriado.

“Se a corregedoria não lhe atende, o senhor deve procurar um órgão diferente. A corregedoria da PM, corregedoria da Polícia Civil, o senhor vai em outro órgão”, recomenda a servidora. “Denúncia só é recebida na corregedoria”. O mecânico, então, questiona como seria possível denunciar o corregedor para o próprio corregedor, insistindo para falar com o Roberto Hashioka.

A servidora nega, novamente, a possibilidade. “Senhor [mecânico], se o senhor não se sente atendido pelo corregedor, aí o senhor procura a corregedoria dos delegados. Se o senhor acha que ninguém resolve, então senhor procura a corregedoria da polícia. Dentro desse órgão [Detran-MS] só quem recebe denúncia é a corregedoria, o presidente não vai receber”, encerra.

A reportagem tentou contato direto com o diretor-presidente do Detran-MS, Roberto Hashioka, mas as ligações não foram atendidas e o jornal aguarda manifestação do órgão.