Nova regra de divulgação do MP quebra princípio da transparência, diz procurador

Enquanto isso, em MS a proibição já está valendo

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Enquanto isso, em MS a proibição já está valendo

Após a aprovação da nova política de comunicação do Ministério Público (MP) pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) no último dia 9, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) entrou com embargo por discordar de pontos aprovados no texto.

Para o delegado da ANPR em Mato Grosso do Sul e procurador federal na cidade de Dourados, Pedro Gabriel Siqueira Gonçalves, as novas regras de divulgação de informações quebram princípio da transparência, que norteia o trabalho do MP.

“Questiona-se por conta da contradição com o princípio da transparência, que, claro, deve ser ressalvado quando eventualmente possa prejudicar alguém, mas quem pode avaliar isso é um membro responsável, o promotor natural”, explica ele.

Pedro também criticou as mudanças, que, de acordo com ele, dão a impressão de que todas as investigações do MP correm em sigilo. “Além disso passa a impressão que toda investigação é sigilosa, que até o final tudo é sigiloso, passa ser a regra o sigilo e não a transparência”.

Apesar de estar sendo questionada pela Associação, a regra que restringe a divulgação sobre casos em investigação já será colocada em prática pelo MPE-MS (Ministério Público Estadual), segundo orientação repassada durante reunião mensal do colégio de procuradores, que aconteceu na semana passada na sede da instituição na Capital. 

As mudanças

Uma das alterações se refere à relação entre os membros do MP e a imprensa. Com a mudança, os jornalistas só podem acessar o órgão via assessoria de comunicação. Além disso, determinou-se que a comunicação institucional deverá ser feita e divulgada somente pela assessoria de comunicação, “a fim de manter a unidade e o caráter impessoal”.

A ANPR pediu a revisão de dois pontos: a orientação de que as comunicações sejam feitas por meio do setor de comunicação oficial; e a orientação rígida acerca de qual seria o momento “oportuno” para a comunicação. Para o procurador, as novas regras entram em contradição com dois princípios básicos do MP: o princípio da ‘independência funcional’ e do ‘promotor natural’.

“A independência funcional afirma que é reconhecido a um membro do MP a prerrogativa da independência, ele atua de acordo com as leis e sua convicção jurídica, a independência protege o membro quanto a eventuais interferências de superiores ou outras influências de qualquer natureza”, explica.

Já o ‘promotor natural’, conforme explicou o delegado da ANPR, é “a prerrogativa para que a sociedade conheça quem é aquela pessoa responsável pela investigação”, explica. Para ele, as mudanças ‘quebram’ esse princípio, ao reservar a divulgação de informações apenas ao setor de comunicação.  

“Não é que tenha estar fora [setor de comunicação], mas que ele não seja o único, ele tem que prestar o auxílio com sua expertise pra que venha atingir as suas finalidades, que passe uma mensagem clara”, afirma.

Um dos pontos criticados pela Associação é o artigo que estabelece os ‘momentos oportunos para a divulgação de informação’. Na resolução, os momentos seriam oportunos “quando houver denúncia; ação com alcance nacional, regional ou local; em que se obtenha liminar ou antecipação da tutela; ou, ainda, que possui efeito paradigmático ou que funcione pedagogicamente como exemplo”.

“Um membro pode ter receio de comunicar. Isso pode desestimular que ele se comunique com a sociedade. Retira a independência funcional, porque é o membro que pode ter a noção de qual é o melhor momento”, pontua.

O procurador acredita que a resolução tenha surgido como uma reação a possíveis ‘abusos’ de promotores ou procuradores. Ainda assim, ele afirma que já existem mecanismos que regulamentam as funções.

“Eu cito, por exemplo, a lei complementar 75/1993 que rege o estatuo do MPF [Ministério Público Federal], cito o artigo 8º também. Já existem leis e, da mesma forma, o novo código de processo civil, cito o artigo 181. Então é fundamental que se reserve ao membro a prerrogativa de falar à população quando ele julgue importante falar. Ele apenas deve contar com o apoio do setor da comunicação pra tornar a mensagem profissional”.

As novas regras também alteram a relação entre a publicação de notícias e as investigações em si.  As informações que disserem respeito a procedimentos investigatórios só serão divulgadas após a conclusão das investigações. A única exceção diz respeito ao interesse público ou às finalidades da investigação que demandarem a divulgação antecipada de informações. Os veículos de comunicação, segundo a proposta, devem ter acesso “às informações de interesse público”.

No embargo, a ANPR questionou o CNMP, afirmando que não cabe ao MP ‘ter controle sobre o interesse público’. “Com efeito, o Ministério Público não tem e não pode pretender ter controle sobre o interesse público e jornalístico sobre determinado tema. É mais do que comum que um caso em que nada esteja ocorrendo de especial torne-se notícia em razão da declaração de alguém – inclusive de eventual investigado ou de sua defesa – ou de alguma data especial (aniversário do fato, por exemplo) ou ainda devido à ocorrência de outros fatos semelhantes ou relacionados”.

Com a mudança, as investigações de corrupção no Brasil, como a Lava Jato – que busca ‘destrinchar’ o esquema de corrupção dentro da estatal Petrobrás e outras instituições públicas, envolvendo grandes legendas como PT, PMDB e PSDB -, podem ganhar outros contornos. Isso porque a divulgação e interesse público em torno das operações acabam pressionando a celeridade em torno das investigações.

Um exemplo é a operação Zelotes, que busca elucidar um esquema que pode ter mais de R$ 19 bilhões como prejuízo aos cofres públicos. Deflagrada em março de 2015, a investigação busca esquemas de fraudes nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). A operação, no entanto, não ganhou o mesmo destaque da Lava Jato, e chegou a receber críticas pelo ‘ritmo mais lento’ comparada com a Lava Jato.

O procurador afirma que a transparência e a divulgação de informações fazem com que a sociedade conheça melhor o trabalho do MP. Ele concorda que o processo de ‘noticiamento’ das operações influem no interesse que as mesmas geram. Para ele, a Lava Jato é um exemplo claro de como a divulgação de informações mobiliza a população.

“A população tem o direito de ser informada pelo MP, que é uma instituição pública, agora, quem é a pessoa mais habilitada pra divulgar um fato ou detalhe e o momento adequado é o promotor. No caso da lava jato, a Força Tarefa criou inclusive um site pra divulgar quais eram os passos, o que estava sendo feito, e é uma forma de prestar contas, e a população passa a ver o resultado. O próprio termo Procurador da República era pouco conhecido e agora as pessoas conhecem mais”, comentou.

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