Justiça Trabalhista de MS valida história que torna cidadão homem com 57 anos de idade

Alípio Gaspar, trabalhador rural, acha que nasceu entre 1951 a 1955. Não lembra o nome da mãe e nunca teve qualquer documento que o identificasse; decisão da justiça trabalhista sul-mato-grossense o tornou cidadão agora, aos 57 anos de idade

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Alípio Gaspar, trabalhador rural, acha que nasceu entre 1951 a 1955. Não lembra o nome da mãe e nunca teve qualquer documento que o identificasse; decisão da justiça trabalhista sul-mato-grossense o tornou cidadão agora, aos 57 anos de idade

Alípio Gaspar da Silva não sabe em que dia nasceu. Talvez numa sexta-feira ou num domingo do mês de janeiro, dezembro ou maio. E o ano? Ele também não se recorda, mas tem uma pista: entre os anos de 1951 e 1955, na cidade de Passos, Minas Gerais.

Um dado correto sobre o senhor Alípio: ele sempre atuou como trabalhador rural, em Mato Grosso do Sul.

A peregrinação de Alípio por algum papel que o tornasse cidadão brasileiro teve início em 1998, quando trabalhava numa região conhecida como Quebra Coco, distrito de Terenos, localidade distante uns 30 km de Campo Grande.

Eis a história de Alípio, narrada em texto produzido pela assessoria de imprensa do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região.

Além de solucionar os conflitos decorrentes das relações de trabalho, a Justiça do Trabalho tem também como missão contribuir para o fortalecimento da cidadania e da paz social. E foi assim, por meio de um processo trabalhista, que um brasileiro tornou-se cidadão aos 57 anos, adquirindo só então seu registro de certidão de nascimento e, por conseguinte, a carteira de trabalho, RG, CPF e título de eleitor e ainda obtendo uma moradia.

A história do trabalhador rural Alípio Gaspar da Silva confunde-se com a de milhares de brasileiros que vivem às margens dos direitos que lhe são garantidos pela Constituição Federal. Mas sua inexistência documental tomou outros rumos depois que sua vida entrou para os registros processuais da Justiça do Trabalho em Mato Grosso do Sul.

O primeiro processo envolvendo Alípio data de 25 de setembro de 2007 (1222/2007-007-24-00.8-RT.O). Trata-se de uma consignação de pagamento do patrão contra o empregado, para depósito de valores devidos.

Entenda o caso

O trabalhador realizava diversos serviços em fazendas na região do Quebra Coco, em Terenos. Em 1998, ele pediu ao fazendeiro (autor da primeira ação) para ocupar uma casa de madeira existente perto da sede de sua fazenda.

Em 2006, o trabalhador teve agravado um grave problema crônico em uma das suas pernas. O fazendeiro propôs então ao peão que trabalhasse exclusivamente em sua fazenda, com vínculo de emprego, o que lhe possibilitaria o tratamento de saúde.

O trabalhador informou então que sequer possuía registro de nascimento e que já havia ajuizado “ação de registro tardio”, no ano de 2005, mas ainda não havia resultado. Em junho de 2007, o empregador optou por encerrar o vínculo de trabalho entre as partes devido a problemas de convivência com a família do trabalhador e pediu que o peão deixasse a fazenda.

O empregado desapareceu por um tempo e ao reaparecer estava com a perna direita amputada. Impedido de trabalhar, o trabalhador tampouco poderia receber benefício previdenciário diante da ausência de seus documentos.

Audiências

Na primeira audiência, marcada para 8 de outubro de 2007, o trabalhador informou a Juíza do Trabalho Dalma Dimante Gouveia, Titular da 7ª Vara do Trabalho de Campo Grande, que possuía sérios problemas de saúde e que era proveniente de Passos (MG). Disse que teria nascido entre 1951 e 1955, apresentou o nome do pai, mas não sabia ao certo o da mãe.

“Eu tinha um problema social muito grande nas mãos. Considerando a necessidade que ele tinha de receber uma assistência e eventual aposentadoria por invalidez pelo INSS, determinei que se oficiasse o Cartório de Registro Civil de Passos, para que nos informasse sobre seu registro de nascimento e as Secretarias de Assistência Social dos Municípios de Terenos e Campo Grande para que apresentassem representantes com poder de decisão”, expôs a Juíza Dalma.

Segundo a magistrada, o empregador, em seu direito, não mais o queria em sua fazenda por motivos de problemática convivência com a esposa do peão. “Ao mesmo tempo, eu não tinha como jogá-lo na rua, doente, sem emprego e sem documentos”, afirmou a juíza.

Em nova audiência, no dia 25 de outubro de 2007, o Diretor do Departamento de Promoção Social do Município de Terenos assumiu o compromisso de efetuar doação de um imóvel residencial de aproximadamente 40 m2, que seria construído pelo Programa de Moradia no Município de Terenos.

Na mesma audiência, o trabalhador apresentou ação trabalhista contra o patrão requerendo verbas rescisórias, reintegração ao serviço, entre outros pedidos, que resultou em imediato acordo com o pagamento líquido de R$ 8 mil e a determinação de que deixaria a fazenda até 15 de novembro de 2007.

A magistrada mandou oficiar ainda o Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente no Município de Terenos, bem como ao Ministério Público Estadual já que o filho do Sr. Alípio, com nove anos, estudava em escola municipal apenas na condição de “ouvinte” devido ao fato de não ter registro civil. “Isso o impossibilitava de exercer a sua cidadania, inclusive para fins de recebimento, pelos pais, de bolsa escola”, expôs.

Somente em 11 de dezembro de 2008, no Município de Terenos, foi lavrado o assento de nascimento de Alípio, datado de 1º de abril de 1951. Em abril de 2009, o trabalhador obteve outros documentos como RG, CPF e título de eleitor. A demora para conseguir a documentação também atrasou a entrega da moradia.

“Por diversas vezes precisei solicitar esclarecimentos sobre a efetivação do trabalhador no Programa de Moradia Popular e concretização da doação. Até que determinei a realização de uma audiência junto à Prefeitura Municipal de Terenos, realizada em 6 de dezembro de 2010, quando fui informada que a unidade habitacional, em construção, seria entregue em 2011, o que foi definitivamente realizado no dia 7 de maio deste ano”.

Para a Juíza Dalma, a Justiça do Trabalho tem um forte papel social. “Tínhamos um processo trabalhista que acabou por resolver a situação social e a cidadania de um trabalhador”, afirmou.

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