Regras deixam mais votados de fora das câmaras de vereadores

Ficar entre os mais votados e ainda assim não ser eleito. Ter até sete vezes mais votos do que um rival mas perder a cadeira na câmara municipal para ele. Mais do que hipóteses, são fatos. Em Recife, o terceiro candidato mais votado de 2012, Edilson Silva (Psol), com 13.661 votos, não ganhou um mandato, […]

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Ficar entre os mais votados e ainda assim não ser eleito. Ter até sete vezes mais votos do que um rival mas perder a cadeira na câmara municipal para ele. Mais do que hipóteses, são fatos. Em Recife, o terceiro candidato mais votado de 2012, Edilson Silva (Psol), com 13.661 votos, não ganhou um mandato, enquanto Eduardo Chera (PTN), com 4.205, garantiu sua entrada no Legislativo da capital pernambucana.

A situação se repete em São Paulo: Marquito (PTB) fez 22.198 votos em São Paulo e não se elegeu, enquanto Toninho Vespoli (Psol) entrou com 8.722. No Rio, Patrícia Amorim (PMDB), com 11.687 votos, perdeu a cadeira da câmara, mas Marcelo Piui (PHS), com 6.015, garantiu a reeleição – aliás, em 2008 o vereador também foi o último a assegurar uma vaga no Legislativo carioca, deixando nomes mais votados para trás.

Essas situações acontecem porque na eleição para vereador não é o número absoluto de votos que conta, ou seja, não são necessariamente os primeiros da lista que se elegem. Chamadas de proporcionais, as eleições para câmara municipais, assembleias estaduais e para a câmara federal, são decididas pelo quociente eleitoral.

O quociente é o número obtido dividindo-se a quantidade de votos válidos pelo número de vagas disponíveis em cada Casa. Ele determina quantos candidatos de cada coligação (ou partido, caso sem alianças) são eleitos.

Em 2012, por exemplo, foram 5.711.166 votos válidos para vereador em São Paulo. Este valor, dividido pelas 55 vagas na câmara, resulta num quociente de 103.843. Ou seja: para cada 103.843 votos de uma coligação, esta coligação elege um vereador. Aí, sim, a ordem dos mais votados conta.

A coligação do PP de Wadih Mutran, em São Paulo, com PT e PSB, somou 1.449.446, ou seja, 13,9 vagas. Os decimais são desconsiderados e usados em uma segunda conta – de média, ou sobras -, que neste ano garantiu mais duas vagas à aliança. Mutran era o 16° da coligação, com 27.429 votos, e ficou de fora. Na mesma capital paulista, a coligação que reunia o Psol de Vespoli com o PCB somou 119.792, ou seja, uma vaga. A cadeira foi para o mais votado da aliança entre os dois partidos: Vespoli.

No caso de Silva, no Recife, a coligação do Psol com o mesmo PCB somou apenas 16.850 no total, ou seja, não atingiu o quociente de 22.574. Por isso, o terceiro mais votado da cidade em 2012 perdeu a vaga. Na capital fluminense, Wagner Montes Filho (PRB) fez 22.597 votos e foi o 23° mais votado entre os 1.715 candidatos a vereador, mas também não entrou porque o quociente de seu partido, não coligado, só garantia duas vagas, e Filho era o terceiro.

Essas situações ilustram os principais modos como o quociente funciona deixando pleiteantes de fora: alguém dos mais votados que não entra porque partidos ou coligações não atingem o valor mínimo, como no caso de Recife, ou porque o número de vagas foi preenchido por candidatos mais bem votados, como no caso de Filho, no Rio.

Por outro lado, o quociente permite também que candidatos que não obtêm votação tão expressiva possam integrar a câmara: o cálculo funciona, então, para evitar que ideologias diversas deixem de ser representadas no Legislativo. O quociente vira o fator de “representatividade” que a sociedade – o eleitor – confere a uma agremiação ou coligação. Em consequência, essa aliança ou legenda “merece” uma vaga.

Em Florianópolis, o vereador Jaime Tonello (PSD) não conseguiu se reeleger porque foi o 7° mais votado, e sua legenda, coligada com o PP, conseguiu seis vagas. Com 2.680 votos, ele perdeu a cadeira, enquanto Guilherme da Silveira (PSDB), com 1.615, garantiu sua entrada no Legislativo.

Situação semelhante viveu a vereadora Léo Kret do Brasil (PR), em Salvador. A 4ª mais votada de 2008, na época com 12.861 votos, neste ano a candidata perdeu a reeleição porque seu partido fez quociente apenas para uma vaga. Léo fez, agora, 7.495 votos, mas a cadeira da coligação PR-PSDC ficou para o correligionário e colega de casa Isnard Araújo (PR) – que, há quatro anos, foi o terceiro com maior número de votos na capital baiana. Edivaldo “Vado” Ribeiro e Silva (DEM), com quase metade da votação da vereadora, 4.059 votos, garantiu o mandato a partir de 1° de janeiro.

Nas capitais brasileiras, a maior diferença percentual entre o primeiro “mais votado” que não entrou no Legislativo e o último a garantir uma vaga via quociente é de Natal. Enquanto Edivan Martin (PV) fez 5.025 votos e não entrou, Marcos Ferreira da Silva (Psol) fez 717 votos e garantiu a vaga na câmara.

É por causa do quociente que muitos partidos apostam nos chamados “puxadores de voto”, candidatos com potencial de angariar muitos votos nominais (para a pessoa, em vez de apenas para a legenda) e aumentar o total da coligação. Tiririca, em 2010, fez 1,3 milhão de votos, e naquele ano o quociente eleitoral era de 304.533 votos: ou seja, o hoje deputado fez, sozinho, votos suficientes para que mais três pleiteantes fossem eleitos. Neste ano, os puxadores de voto não foram tão eficientes. Famosos e celebridades como a Mulher Pêra (PTdoB) e o ex-jogador de futebol Dinei (PDT), em São Paulo, não garantiram vaga nas câmaras. Sem puxadores de voto, partidos menores usam a tática de escolher candidatos com potencial semelhante de votos, para que a coligação atinja e supere o quociente.

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