Na falta de criatividade, tempo ou habilidade, vereadores dispostos a “turbinar” o mandato têm à disposição serviços de compra de projetos de lei pela internet e consultores que prometem trabalho “personalizado” para elaborar as propostas.

Na página criada pelo ex-vereador de Campo Mourão (PR) José Gilberto de Souza, cerca de mil projetos de lei estão catalogados por temas como educação, idoso, mulher, saúde e esporte. Cada seção tem uma lista de projetos, cada um com um resumo de uma ou duas linhas e número de referência. Basta anotar os números e enviar um pedido. O pacote mínimo, de dez projetos, custa R$ 200, e o maior, com 100 projetos, R$ 1,2 mil.

Souza diz que não vê problemas em vender os projetos desde que o vereador utilize seu salário para pagar o pacote, e não verbas da câmara. E argumenta que o serviço acaba beneficiando a população. “Ele está comprando, mas se não apresentar nada, não está nem fazendo a função dele”, diz.

Quem compra, no entanto, deve manter o sigilo, segundo ele. “Tem pessoas que acham que não pode porque o vereador está comprando. Lógico, se o vereador lá na cidade tal divulgar que ele comprou projeto, vira chacota”, ressalva.

O ex-parlamentar não revela quanto vende por mês, mas garante que tem clientes em todos os estados, inclusive em capitais. Segundo ele, nos anos em que há eleição, as vendas aumentam 30%.

“No ano eleitoral, chove de vereador querendo projeto. E não é o ideal né? Acho que o vereador tem que fazer seu trabalho no mandato. Quando chega na eleição, ele vai ter o retorno de votos pelo trabalho que ele fez”, diz. Um dos “best sellers” é o projeto que cria a Câmara Mirim. “O vereador cria novas lideranças. O aluno vai para a câmara, fica sabendo como funciona e no futuro pode ser um vereador”, explica.

Clube do vereador

O consultor Luiz Roberto Dalpiaz Rech criou o “Clube do Vereador”. Pela internet, quem se associa tem orientações sobre apresentação de projetos, emendas, discursos, marketing, slogan do mandato e “simbologia” do mandato. Em alguns casos, são feitos projetos “personalizados”.

“Muitos vereadores, candidatos, me solicitam. Eles têm idéias, me mandam a lei orgânica do município e informações e eu elaboro projeto de lei já dentro da realidade do município, principalmente na área da juventude, na área ambiental”, conta.

Há alguns anos, Rech lançou um “Banco de Ideias”, um CD com cerca de 500 projetos de lei. Atualmente, ele conta que distribui gratuitamente o CD e o comercializa “com valor simbólico” de R$ 50 pela internet.

‘Amoral’

Para o presidente da União dos Vereadores do Estado de São Paulo (Uvesp), Sebastião Misiara, não há necessidade de os vereadores comprarem projetos de lei. Segundo ele, há diversos órgãos, como associações de vereadores, entidades que representam municípios, prefeituras e secretarias que disponibilizam modelos de projetos de interesse público sem cobrar nada por isso.

“Recentemente, lançamos uma cartilha com modelos de lei para proteção ao meio ambiente no município. Nosso objetivo é fazer com que o ecossistema seja protegido. São projetos sobre lixo, projetos que criam a semana de conscientização ambiental, a comissão municipal do meio ambiente, leis que penalizam pessoas com a torneira ligada lavando calçada”, conta.

Para ele, a venda de projetos de lei não chega a ser ilegal, mas é “amoral”. “Você precisa conhecer quem são as pessoas que estão oferecendo consultoria, qual é o currículo delas, se são do ramo, se a empresa que ela tem é de notória especialização. (…) Ilegal não é porque a pessoa está aí pra vender, se tiver trouxa pra comprar, tudo bem. Agora, acho amoral. Acho também que o vereador que compra isso está fadado ao insucesso.”

‘Receita pronta’

Já o presidente da União dos Vereadores do Brasil (UVB), Bento Batista da Silva, contemporiza. “Um dia desses respondi para um amigo meu que, se você for hoje em uma banca de revista, numa livraria, você compra centenas de petições advocatícias, compra receitas de remédio naturais. Todos os meios profissionais utilizam muito passar sua experiência através de livro”, diz.

Para ele, o uso de projetos de lei como “subsídio” para a elaboração de outros é “natural”. Já a “receita pronta”, a entidade “abomina”, afirma.

“Nesses municípios menores, tem apenas um diretor da câmara, um assessor jurídico. O vereador não tem assessor, gabinete. Tem muitas câmaras que apenas trabalham a telefonista e um diretor. O vereador é representante da comunidade, ele se filia, se elege e não tem base jurídica, técnica e tributária para formular um projeto”, diz.

Participar de congressos e seminários, diz o presidente da Uvesp, Sebastião Misiara, é uma boa forma de o vereador se atualizar e ter acesso a bons projetos. Mas há ressalvas.

“Por que um congresso para vereadores do estado de São Paulo tem que ser na Bahia, em Porto Seguro, ou em Florianópolis, na praia de Jurerê? Quando vem uma empresa particular e faz um congresso levando para outros estados, você já vê que aí tem marmelada. Então, somos contra congressos dessa natureza”, diz.