Novas denúncias revelam: guerra pelo Jogo do Bicho esquenta com policiais e políticos implicados em Campo Grande
De olho na regulamentação, “Banca Br” seria do deputado Neno Razuk e usaria servidores da Sejusp para espantar ‘Banca Kapital’ de Campo Grande
Thatiana Melo –
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Na expectativa da regulamentação do mercado de apostas e jogos on-line no Brasil, a disputa pelo controle do jogo do bicho segue acirrada em Campo Grande. É o que revelam denúncias implicando novamente servidores públicos da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) com a ‘guerra’ pelo controle da contravenção milionária.
Segundo comerciantes que atuam como anotadores de apostas, policiais militares e civis estariam abordando os cambistas para impor a mudança do controle das banquinhas do jogo do bicho para os donos da ‘Banca BR’.
De acordo com a denúncia, a tática, que não é nova, estaria usando a atuação policial na repressão à contravenção como forma de ‘pressionar’ os anotadores e coletores a aceitarem a nova direção, supostamente ligada ao deputado estadual Neno Razuk (PL).
Em troca, os policiais receberiam propina em forma de ‘mesadas’, além de favores políticos dentro das instituições. Os laços entre servidores da segurança pública de MS e o jogo do bicho também não são novidade e já chegaram a ser apontados como pivô de mudanças na Sejusp.
Assim, sete meses atrás, a primeira fase da Operação Sucessione, realizada pelo Gaeco, prendeu 10 envolvidos com o grupo que teria como líder Neno Razuk.
Enquanto as investigações seguem, supostamente a passos lentos, a guerra travada envolveria um grupo ‘de fora’ de MS e Neno Razuk, que estaria de olho no jogo do bicho na Capital após a família Name ser alvo da Operação Omertà e perder o controle da contravenção.
Por outro lado, o ‘grupo’ atual, identificado pelos cambistas como ‘Grupo Kapital’, estaria em estado adiantado de ‘profissionalização’. Segundo eles, os operadores da contravenção contam com a regulamentação das apostas e não usariam ‘táticas antigas’.
A reportagem encontrou empresários que se apresentam como ‘representantes’ do Grupo Kapital. Eles admitem que organizam a atividade contraventora do jogo do bicho em Campo Grande desde o fim do ‘Gato Preto’, banca ligada à família Name.
Segundo um deles, o ‘Grupo Kapital’ está organizado e espera a regulamentação do jogo do bicho para legalizar as atividades em Campo Grande. No entanto, dizem que passaram a ser alvo porque o grupo que identificam como pertencente a Neno Razuk, estaria de olho no mercado.
“Pela regulamentação em discussão, Campo Grande só poderá ter a nossa banca operando legalmente, pois o jogo será proporcional à população. O grupo do deputado Neno Razuk já tentou várias vezes tomar o controle à força, mas estamos muito bem estruturados e não vamos aceitar truculência. A realidade das apostas é outra no Brasil”, diz.
Sobre as reclamações dos funcionários, dizem que oferecerão suporte jurídico e prometem denunciar as supostas implicações de servidores públicos da segurança pública com a ‘guerra’ pela contravenção campo-grandense. “Nós não usamos mais essas táticas da criminalidade”, afirma.
Nas ruas, os funcionários, que atualmente recebem do ‘grupo Kapital’, defendem os patrões.
“Pra nós que trabalhamos nas maquininhas anotando apostas, o pessoal atual está sendo melhor. Acabou aquele clima de crime. Não tem mais nem recolhe armado nas ruas. Tá tudo na tranquilidade, com os pagamentos certinhos. Agora, esse pessoal do deputado já voltou a espalhar o terror”, compara uma dona de lanchonete que mantém anotações no balcão em um bairro de Campo Grande.
Truculência, ameaças e tiro nas ruas com briga pelo jogo do bicho
Assustados, alguns apontadores que trabalham em Campo Grande relatam à reportagem do Jornal Midiamax que estão com medo até de sair de casa. Segundo eles, nas últimas semanas quem trabalha para a banca atual passou a sofrer ameaças para supostamente ‘aceitarem’ o controle de Razuk.
Os relatos envolvem policiais e até o suposto uso de viaturas oficiais nas represálias disfarçadas de abordagens. Um dos apontadores contou ao Jornal Midiamax que faz os jogos, mas que desde a semana passada está com medo.
A reportagem teve acesso a filmagens e fotos que, segundo os denunciantes, revelariam a suposta presença de policiais entre os capangas escalados para ‘visitas’ de coerção. Ademais, os alvos das ameaças afirmam que até abordagens policiais ‘oficiais’ estariam sendo usadas para ‘forçar a barra’.
“Pessoal veio aqui oferecendo as novas maquininhas do jogo do bicho e disseram que quem não aceitar, não vai mais trabalhar em Campo Grande”, revela o apontador.
Segundo ele, colegas estariam sendo levados até para delegacia onde seriam coagidos a passar informações sobre os atuais ‘patrões’. Estranhamente, ainda segundo os relatos, os dados sobre quem estaria por trás da guerra não constariam nos TCOs (Termo Circunstanciado de Ocorrência) que são obrigados a assinar, já que são flagrados em contravenção.
‘Vai todo mundo responder junto’: contraventores ‘devolvem’ ameaça contra policiais
A situação, além de revelar a influência do crime organizado sobre as estruturas de segurança pública em Mato Grosso do Sul, gera uma situação inusitada: contraventores denunciam os policiais supostamente cooptados por um dos lados da contravenção e ‘devolvem’ ameaças.
“Fizeram um monte de pergunta pro pessoal, mas não deixaram nada no papel. Que interesse a polícia teria nisso, se não vão investigar até os peixes graúdos? Eu sou trabalhador e estou na contravenção, sabendo que neste mês o governo federal já deve até regulamentar o jogo do bicho. Nem crime é, e se não é pra investigar, é pra pressionar”, revolta-se.
Por isso, os anotadores ligam as ‘batidas policiais’ com suposto esquema de amedrontamento e extorsão para impor a suposta chefia do deputado estadual douradense em Campo Grande.
“Está parado faz tempo aí a operação que chegou perto do deputado, não sei porquê, e agora, estão usando policiais corruptos pra forçar a gente a aderir esta Banca BR? Este tempo acabou. Vamos denunciar todo mundo e vai todo mundo responder junto”, revolta-se outro comerciante que mantém uma maquininha dos atuais donos.
No entanto, questionado sobre quem seriam estes donos atuais, ele também desconversa, retomando a ar grave de quem fala sobre algo ilícito.
“Olha… O que eu sei dizer é que é um pessoal bem organizado, que acabou com rolo de criminalidade. Não tem mais violência, não tem mais capanga andando armado. É um grupo já moderno, com a cabeça voltada para a regularização das apostas. Não tenho porque pensar em trocar por um pessoal que já chega na base da pressão, com estes capangas agindo igual bandido”, diz.
De acordo com outro apontador, o ‘pessoal’ que estaria oferecendo as novas máquinas para apontamento do jogo do bicho não esconde que é relacionado ao deputado Neno Razuk.
“Vieram me oferecer e falaram no nome do deputado de Dourados explicitamente. Como eu disse que não queria, usaram violência e até tiro dispararam aqui na frente”, relata. “Eu quero entender porque uma viatura do décimo batalhão estava na esquina, esperando os capangas saírem daqui, para chegarem com uma abordagem toda fora de padrão pra cima da gente”, questiona.
De acordo com o relato, um policial teria chegado a dar tiros em uma das abordagens. O Midiamax entrou em contato com a assessoria da PMMS (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul) para saber sobre possível envolvimento de policiais, e fomos informados que a Corregedoria é o órgão que recebe as denúncias. Segundo a assessoria, a PMMS informa que o canal de denúncias a respeito de condutas de policiais militares é a Corregedoria da PM. Ainda segundo a assessoria, o caso será investigado.
O MPMS mantém um grupo especializado em acompanhar a atividade policial. Teoricamente, o GACEP (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial) tem responsabilidade de investigar suspeitas de abusos por parte de policiais.
A reportagem acionou o órgão, mas não teve resposta até a publicação. Como sempre, o espaço para manifestação por parte do órgão ministerial segue aberto.
Deops: TCOs sem indicar quem são os donos da contravenção
O Deops (Departamento de Ordem e Política Social) é a delegacia que investiga as contravenções penais, como jogos de azar. Mas desde o começo do ano até julho, apenas uma ocorrência da delegacia está visível para jornalistas no sistema da polícia.
Justamente, um TCO por jogo do bicho, com flagrante no bairro Santo Amaro.
O registro é do dia 5 de julho e nele, uma mulher teria sido levada para a delegacia depois de ser flagrada “no passeio público ao lado de um supermercado em posse do material do jogo do bicho”.
Segundo testemunhas, o delegado que assumiu a unidade após as últimas mudanças na cúpula da DGPC (Delegacia-geral de Polícia Civil) teria acompanhado o flagrante in loco.
Os materiais que estavam com a mulher foram apreendidos, bem como, o encaminhamento da mulher para a delegacia.
Levantamento feito pelo Jornal Midiamax descobriu que entre os dias 25 de junho a 5 de julho foram registrados seis boletins de ocorrência por jogo do bicho, sendo um BO no dia 25 de junho em um flagrante no bairro Nova Lima, outro no dia 27 de junho, na região central.
Já no dia 28 de junho outro flagrante foi feito em uma praça no bairro Coophavila, e no dia 2 de julho, um flagrante na Rua 13 de Maio e já no dia 5 de julho foram dois no bairro Santo Amaro.
Em um dos flagrantes, no dia 27 de junho, um dos anotadores do jogo do bicho foram encontradas apostas com os logotipos do grupo MST e Capital.
Também há denúncias de vários TCOs (Termo Circunstancial de Ocorrência) que supostamente estariam sendo assinados em decorrência de flagrantes de apontadores do jogo do bicho.
A reportagem acionou a delegacia para confirmar se houve aumento nos boletins registrados ligados ao jogo do bicho, e sobre a suspeita de que estariam supostamente ligados à pressão sobre os anotadores, cambistas e recolhes.
“Não sei aonde você está querendo chegar com essas perguntas”, questionou o titular da Deops, Francis Freire. Além disso, a assessoria da Polícia Civil também foi acionada.
A resposta oficial da DGPC se limita a afirmar que a PCMS “vem exercendo as funções de polícia judiciária no combate a todo tipo de ilícito” e que a Deops é a delegacia que deve lidar com este tipo de ilícito mesmo.
Confira a nota da DGPC sobre suspeitas de envolvimento na guerra pelo jogo do bicho:
“A Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul, através dos seus respectivos departamentos, vem exercendo as funções de polícia judiciária no combate a todo tipo de ilícito, conforme distribuição em razão do lugar e da matéria.
A DEOPS – Delegacia Especializada de Ordem Política e Social – é a unidade com atribuição para a instauração dos procedimentos investigatórios, notadamente acerca do tipo de contravenção em referência.”
MPMS não informa que fim levou investigação sobre Neno Razuk
O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), ligado ao MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), também foi questionado sobre o desfecho para investigações que implicaram o deputado Neno Razuk com a briga pelo jogo do bicho em Campo Grande.
O MPMS também foi acionado pela reportagem do Jornal Midiamax sobre as novas denúncias que implicam servidores públicos da segurança pública na guerra do jogo do bicho na capital de MS. Até o momento, não houve respostas.
No ano passado, o Gaeco deflagrou a Operação Sucessione, que prendeu de major da PM aposentado a estudante de medicina, em dezembro de 2023. A ação teve três fases, mas ninguém mais informou a quantas andam as investigações ou denúncias.
Neno Razuk nega tudo e diz que denúncias têm ‘caráter político’
O Midiamax também entrou em contato com a assessoria do deputado Neno Razuk, já que o nome do parlamentar havia sido citado por apontadores do jogo do bicho, como também o deputado foi alvo de uma das fases da Operação Sucessione.
Por e-mail, o parlamentar Neno Razuk (PL) garantiu que desconhece os fatos e alegou que as acusações teriam caráter político.
“Quanto ao presente questionamento, tenho a esclarecer que desconheço por completo esses fatos. Vejo que essas imputações tem caráter político, na tentativa de prejudicar minha imagem perante a sociedade com inverdades. Reafirmo minha confiança na justiça e nos meios de investigação, para que essas calunias sejam esclarecidas”, informou em nota.
Major era gerente do jogo do bicho
No entanto, o major aposentado da Polícia Militar, Gilberto Luiz dos Santos, conhecido como ‘Barba’, foi apontado como gerente do jogo do bicho no reduto da organização criminosa, segundo denúncia do Gaeco a qual o Jornal Midiamax teve acesso.
Segundo a denúncia do Gaeco, ‘Barba’ exerce um controle sobre os integrantes do grupo criminoso no que diz respeito às articulações da organização criminosa para a tomada do controle do jogo do bicho em Campo Grande, sempre atendendo aos comandos do suposto líder, o deputado estadual Roberto Razuk Filho, Neno.
Major Gilberto lidava ostensivamente com intermediários, oferecendo treinamento, controlando a ação dos ‘recolhes’ e ‘apontadores’ do jogo do bicho, sem comprometer a imagem do chefe da organização, apontado pelo MPMS como sendo Neno Razuk.
Quando flagrado na casa no Monte Castelo, em outubro de 2023, por policiais do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros), ocasião em que foram apreendidas 700 máquinas do jogo do bicho, o major havia dito que estava na residência jogando com outras pessoas.
O delegado que era titular do Garras também entrou na ‘dança das cadeiras’ promovida na Polícia Civil após a troca do delegado-geral e foi removido.
No entanto, na época, foi apreendida uma agenda que estava com o militar aposentado onde constavam nomes e o esquema de funcionamento atual do grupo de São Paulo, que supostamente está no controle do jogo do bicho em Campo Grande.
Na agenda ainda foram encontrados os nomes de ‘recolhes’ ligados ao grupo de São Paulo, que supostamente estavam na mira do grupo supostamente chefiado por Neno Razuk, seja para deixarem o grupo para o qual trabalhavam ou para serem alvos de nova ação.
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