Lei do Stalking completa dois anos com aumento de 42% nos crimes em Mato Grosso do Sul
Entre os anos de 2021 e 2022, os números de registros de ocorrências pelo crime aumentaram cerca de 42% em Mato Grosso do Sul, englobando vítimas do sexo masculino e feminino
Mirian Machado –
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Em casa, na família ou em qualquer relação íntima de afeto, o crime de Stalking tem sido cada vez mais frequente em Mato Grosso do Sul, conforme revelam os dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública). Entre os anos de 2021 e 2022, os números de registros deste tipo de crime aumentaram cerca de 42%.
Neste sábado (1º), a lei completa dois anos de criação com certo ‘alívio’ para as vítimas, já que com a mudança de contravenção penal para crime, as penas são mais rigorosas. Atualmente, o stalking pode render até três anos de cadeia e multa.
“O stalking é percebido a partir de um sentimento, um sinal de alerta de que determinada pessoa lhe persegue, importuna, assedia, vigia com frequência, de forma tão insistente e inconveniente a ponto de causar medo ou restringir a liberdade e a privacidade”.
As mulheres são as vítimas mais comuns e o ‘motivo’ na maior parte dos casos é o de ruptura de relacionamento, diante do sentimento de posse e da desigualdade nas relações de poder entre homens e mulheres.
“Há casos ainda correlacionados a transtornos mentais com sintoma delusório, outros a transtornos parafílicos sádico-coercitivos”, afirma Ana Lara Camargo de Castro, procuradora de Justiça do Ministério Público de MS e autora do livro Stalking e Cyberstalking.
Ela ainda explica que o fenômeno é pouco estudado no Brasil e que por conta disso as vítimas e as autoridades ainda não identificam precisamente esse tipo de conduta. “Dificulta o entendimento da população em geral e, também, dos atores da rota crítica institucional (saúde, assistência social, segurança, justiça). Nas etapas iniciais, por exemplo, há muitas atitudes irritantes, quanto mais por conta da repetição, mas aparentemente inofensivas em conteúdo. Envio de cartas, bilhetes, flores, presentes, abordagens elogiosas em redes sociais que, só depois de um tempo, diante da recusa de resposta, contato ou retribuição de afeto, escalonam para comportamentos agressivos e invasivos. Muitas vezes a vítima acha que está exagerando, que com o tempo a situação tende a melhorar, e familiares e amigos, da mesma forma, reagem desprezando a gravidade dos fatos”, explica.
Conforme explica a delegada titular da Deam (Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher), Elaine Benicasa, a lei fala que o crime de perseguição geralmente cuida de autores e vítima que mantêm ou mantinham entre si uma relação amorosa, seja de casamento, convivência, namoro, ou até troca de mensagens com esse intuito.
“No caput do artigo traz situações que podem ocorrer sem a necessidade dessa relação amorosa entre as partes, então chegamos à conclusão que o crime também pode se dar em relações, por exemplo, em que o autor deseja cobrar uma dívida da vítima e passa a persegui-la das mais variadas formas sem que exista entre eles um relacionamento amoroso ou algo parecido”, explicou, lembrando que neste caso, então o crime é investigado pela delegacia de área e não pela especializada, como é a Deam, que apura quando as vítimas são mulheres.
Conforme os dados da Sejusp, em 2021, primeiro ano da lei, foram registrados 1.102 casos de perseguição no Estado, sendo 928 só de mulheres e 174 de homens como vítimas. Em 2022, o número subiu para 1.571, sendo 1.325 de mulheres e 246 homens. Já este ano, até o dia 20 de março foram 334 casos de perseguição registrados em Mato Grosso do Sul, sendo 280 de mulheres como vítimas e 54 homens.
A Deam também apresentou um balanço que mostra somente janeiro e fevereiro de 2022 e 2023, onde em 2022 foram 214 casos no Estado e 99 em Campo Grande. Já em 2023, foram 197 em MS e 65 na Capital.
Stalking em Mato Grosso do Sul
Moradora de Costa Rica, Verlinda Robles, foi a mulher que inspirou a criação da lei, de autoria da senadora Leila Barros (PSB-DF). Ela dedicou a aprovação do projeto à radialista sul-mato-grossense, que foi vítima de um caso em 2018. Na época, Verlina chegou a mudar de estado.
Um homem travestido de ouvinte da rádio a perseguiu e a fez mudar de endereço diversas vezes, incluindo períodos de ausência no exterior. Quando a lei completou um ano, Verlinda falou com o Midiamax e disse que a lei significa que os gritos de socorro foram ouvidos.
“Quando você tem o amparo da lei, em qualquer que seja a situação, tem a segurança de que não está sozinha e que seus gritos de socorro foram ouvidos. Falando do que eu vivi, embora muitas vezes fui motivo de chacota, já que, infelizmente, existe esse lado também. Não é todo mundo que entende e respeita o que você está passando, tem aquela porcentagem de pessoa que vê exagero em tudo, ainda mais que não está em sua pele”, disse na época. “Hoje, respiro aliviada por mim e por muitas outras mulheres”, concluiu.
Uma semana após a criação da lei, um homem de 59 anos foi o primeiro a ser preso pelo crime de stalking. Morador de Dourados, o autor estava separado há 12 anos da vítima, uma mulher de 53 anos e desde então a perseguia.
Embriagado, ele invadia a casa dela, quebrava objetos e fazia ameaças. No dia da prisão, o homem havia retornado à casa da vítima e uma equipe da Guarda Municipal foi acionada. Ele foi autuado em flagrante pelo crime.
Situação parecida viveu uma mulher de 40 anos, em Campo Grande. Em julho do ano passado, ela procurou a delegacia após um veículo VW Gol de cor prata com dois homens passar por diversas vezes em frente a sua residência, em certo momento ele teria parado em frente a casa e no banco de trás, havia um homem abaixado, ela acredita ser seu ex-marido. A vítima estava chorando quando a polícia chegou ao local, pois acredita que ele poderia estar armado.
A mulher viveu por 14 anos com o homem e estava separada há 6 meses, mas ele não aceitava o término. Disse que já tinha presenciado ele com arma de fogo e que era agredida fisicamente.
Ela, inclusive, havia largado tudo que construiu tentando se esconder dele e se livrar das ameaças, mas sem saber como o homem descobriu seu novo endereço. Durante registro de ocorrência, ela manifestou interesse de representar contra ele e pediu medidas protetivas.
Em setembro do ano passado, outra mulher foi perseguida, dessa vez pelas redes sociais, por um homem, de 32 anos, que, inclusive, se matriculou na mesma academia que a vítima e passava na frente da casa dela. À polícia ela contou que o suspeito passou a segui-la nas redes sociais e mandava vídeos e mensagens insistentemente.
Mesmo ela dizendo que não tinha interesse, ele continuava. A vítima o bloqueou, mas o homem passou a usar perfis fakes e, inclusive, se matriculou na mesma academia que a mulher, a perturbando pessoalmente. Mais ainda, ele descobriu o endereço da vítima e foi até a casa dela, mais de uma vez. Ele foi preso em flagrante pelo crime.
Visibilidade
Há inúmeros casos de stalking, principalmente por meio da internet, sejam ligados a algum relacionamento amoroso, como também derivados de inconformismo com agenda política ou ideológica, de discriminação a grupos minoritários na relações de poder, raça, etnia, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, deficiência, entre muito outros.
A procuradora de Justiça afirma que para o combate do crime é preciso maior divulgação, campanhas educativas acessíveis à sociedade e capacitação dos profissionais que atuam na rota crítica institucional.
As autoridades alertam que é preciso estar atento ao comportamento, que começa aparentemente inocente, vai se tornando provocador e hostil. “Ademais, nota-se a incapacidade do ofensor de lidar com a rejeição, a recusa, a frustração do contato ou da aproximação. Desde o começo, é necessário documentar, anotar testemunhas, elementos probatórios, preservar vestígios digitais”, frisa Ana Lara.
A Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021, conhecida como a lei do Stalking, foi sancionada em abril de 2021 e entrou em vigor no dia 1º. Na ocasião, o projeto foi aprovado no senado federal, por decisão unânime. A pena varia de seis meses a dois anos e multa, podendo chegar a três anos quando o crime é praticado contra a mulher.
Como denunciar:
Disque Denúncia 181
Polícia Militar 190
Polícia Civil – http://www.devir.pc.ms.gov.br
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