Entre um corredor e outro do Estabelecimento Penal Feminino Irmã Irma Zorzi, localizado no Bairro Coronel Antonino, em , as histórias de como cada uma das 301 mulheres foram parar ali, naturalmente, variam de cela a cela.

Porém, entre elas estão duas internas mães que tiveram que deixar seus filhos após serem presas. Mesmo que as visitas presenciais voltem após o período pandêmico, elas não poderão ver os filhos, já que eles residem em outras cidades. E muitas nem querem que eles passem por esse momento, considerado constrangedor por algumas.

Aos 29 anos e mãe de duas crianças – de 6 e 9 anos – Camila Zeballos Villa Alta está presa há 1 ano e 2 meses. Na quinta-feira (5) antes do Dia das Mães, ela pode ver os filhos durante a visita virtual de trinta minutos. Os dois moram em , com os avós, cidade natal dela e também onde foi presa por tráfico de drogas em março de 2021.

A profissão de cabeleireira continuou sendo exercida no cárcere, já que Camila fez cursos de barbeiro e cortes modernos, oferecidos pelo Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) para um grupo seleto de internas do presídio feminino de regime fechado.

“Eu tinha meu salão em Ponta Porã e continuo trabalhando aqui, depois que fiquei um mês lá e vim transferida. O bom é que quando sair daqui não vou estar desatualizada”, diz, esperançosa.

Camila está presa há 1 ano e 2 meses. (Foto: Henrique Arakaki – Jornal Midiamax)

Este é o segundo Dia das Mães que Camila passa longe dos filhos. Com pai e mãe analfabetos, a maior preocupação de estar longe dos pequenos é com os estudos deles.

“Nas ligações, eles perguntam quando vou voltar e dizem que estão orando por mim. Eu falo: “a mamãe não está aí, a vovó que vai ficar com vocês, tem que obedecer”, e eles perguntam quando podem vir me visitar”.

Mesmo com a saudade, Camila não quer receber a visita dos filhos enquanto estiver cumprindo . O escuro dos ambientes do presídio e a falta de contato com o mundo exterior, para ela, “não é ambiente para criança”.

Assim como tantas outras, Camila foi acusada de ser batedora de drogas em rodovias. Ela afirma ter sido convencida por um ex-companheiro, homem este que conheceu em Ponta Porã e com quem tinha pouco convívio.

“Estamos aqui por conta de homens que arrastaram a gente. Foi um momento de ilusão. Conhecia o irmão dele e não sabia a fundo o que fazia, mas começaram a vir as promessas de dinheiro, vida boa…”, lembra.

Certa vez, um motorista do ex-companheiro foi buscá-la para fazer o trajeto Campo Grande – Ponta Porã, junto à filha de 9 anos. As viagens começaram a acontecer com maior frequência e, monitorados pela polícia rodoviária, ela foi presa acusada de ser batedora do transporte de drogas feito pelo ex-namorado.

“Eu nunca vou me perdoar”

Em relação à sua mãe, de 61 anos, Camila relata que elas moravam em um sítio juntas, na área rural de Ponta Porã, em casas separadas, mas no mesmo terreno. A união e carinho que tinham, agora, é dedicada integralmente à criação neta. O café da manhã que tomavam juntas é memória diária na cela em que Camila fica.

“Eu nunca vou me perdoar pelo sofrimento que estou fazendo minha mãe passar. O vazio que sinto aqui, nem chorar tira essa dor. Sinto falta de ouvir ‘eu te amo' da minha filha, de dar um abraço e um beijo”, diz.

A saúde dos filhos também é assunto constante nas poucas conversas que tem com a mãe. A filha mais velha, de 9 anos, tem bronquite, e durante os meses de maior incidência de casos de Covid-19, a preocupação foi dobrada. “A gente não pode fazer nada pelos filhos daqui de dentro. Meus pais também já são idosos, meu pai tem 60 anos”, lamenta.

Camila tem o desejo de assistir às filhas competindo nas provas de hipismo e fazendo apresentações de quando terminar de cumprir a pena. “Se eu pudesse falar algo para elas, é que elas possam me perdoar”, finaliza.

‘Mãe precisa ver o sorriso do filho'

Assim como Camila, *Rose, de 32 anos, também tem a oportunidade de fazer remissão da pena por meio dos cursos oferecidos no presídio. Além deles, ela é uma das 25 internas privilegiadas por ter acesso ao grupo de leitura que também reduz os dias no cárcere com estudos na biblioteca da unidade e resenhas produzidas.

Mãe de dois filhos – uma menina de 14 anos e um menino de 2 – ela está presa há 1 ano e 6 meses, acusada de ser mandante do homicídio do ex-marido, pai da mais velha. Quando foi condenada – 9 anos após o crime, apontada como mandante – o caçula tinha seis meses e Rose ainda amamentava.

Aos 17 anos, ela engravidou pela primeira vez. Longe de se arrepender da maternidade, ela não mudaria sua história como mãe, mas garante que nos poucos contatos que tem com a filha adolescente, procura explicar que ela deve traçar destinos diferentes da mãe.

Ao contrário da gravidez da primeira filha, o bebê que hoje vive com os pais de Rose foi planejado e ela prometeu que aproveitaria a segunda gestação para, definitivamente, aprender a ser mãe, já que com a mais velha diz não ter tido escolhas.

“Essas visitas virtuais, graças a Deus, acalentam um pouco o coração. Mas, mãe precisa ver o sorriso dos filhos, não é a mesma coisa por uma tela. Eu sei que é dolorido para minha mãe também ficar sem mim”, analisa, enquanto os olhos enchem de lágrimas.

Com fala rápida e uma agitação diferente da calmaria de Camila, a pressa de Rose se estende para o cumprimento da pena, arbitrada em 12 anos de em regime fechado, o mínimo para o crime de homicídio. Enquanto fala da filha, ela reduz o tempo em segundos, na expectativa de receber outra foto do filho no mês seguinte.

“Eu recebo foto dele uma vez por mês, mas é uma sensação diferente, parece que é uma pessoa estranha, tanto que meus sonhos com ele é de quando ele era pequeno. E eu sei que ele não vai conseguir me reconhecer, também”, diz Rose.

Quatro anos após o julgamento, Rose foi presa por força de mandado de prisão, e está há 1 ano e 7 meses na penitenciária feminina de Campo Grande. Entretanto, os pais dela e o casal de filhos permanecem na sua cidade natal, Dourados, a 225 quilômetros. O filho caçula, por estar longe, aprendeu a falar, mas não sabe que a mãe está presa.

“Para ele, minha mãe fala que eu estou trabalhando, e quando ele liga fala “mamãe, vem embora, para de trabalhar um pouco””, afirma com lágrimas nos olhos. Já a filha maior, passou por outros momentos importantes sem a mãe ao lado, mas é a relação de confiança entre as duas que faz Rose secar as lágrimas.

Internas têm a oportunidade de fazerem cursos de formação. (Foto: Henrique Arakaki – Jornal Midiamax)

“Minha filha menstruou e eu não estava lá com ela. Eu fiquei sabendo que o remédio que ela toma para depressão não está funcionando. Para minha mãe, isso é tudo coisa de adolescente, mas ela fala ‘mamãe, eu acredito em você', e ela sabe o quanto eu gostaria de estar ao lado dela”, lembra.

Rose trabalhava há mais de cinco anos na mesma empresa, como técnica de segurança do trabalho, antes de ser presa. Ela viu sua vida mudar de um dia para o outro e, hoje, consegue enxergar o “mal necessário” que a levou até a cela.

“A gente trabalha, só pensa em ganhar bem, crescer profissionalmente. Aqui dentro fui entender que o mais importante, primeiro, é Deus. Depois, a família. E só depois o emprego. Eu viajava a trabalho e deixava meus filhos, achava que tudo o que eu não tive eu tinha que dar para eles, plano de saúde. E olha onde estou. Eu precisava passar por aqui para entender isso”, reflete. Além da remissão por leitura, Josiane também trabalha na cozinha da unidade.

Remissão de pena

Há 12 anos na Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), a coordenadora pedagógica do presídio feminino Ana Lúcia Coinete afirma que um dos objetivos dos cursos é fazer com que as internas não sofram tanto preconceito ao término da pena.

“Elas estão com a vara para pescar. A gente sabe que tem preconceito e ninguém quer contratar uma ex-detenta, então, pelo menos, elas saem com cursos para trabalhar em diversas áreas”, afirma.

Outros cursos do setor educacional são oferecidos em parceria com universidades privadas, escolas estaduais e empresas que incluem aulas de cabeleireiro, manicure, jazz, empreendedorismo, direito e higienização.

*Rose foi um nome fictício utilizado para preservar os filhos da entrevistada