“Mãe, você precisa fazer isso. Se a gente voltar para casa o pai vai te matar”. Essas foram as palavras da menina de 11 anos, filha de uma vítima de violência doméstica que na última quarta-feira (22) conseguiu denunciar o marido. Uma hora depois, após dizer que acionaria os ‘amigos da polícia’, o marido já estava sabendo de todo o teor do registro policial.
O caso, que já foi oficiado à Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), seccional de Mato Grosso do Sul, expõe caso de vazamento de informação. A maior suspeita é de que um policial tenha repassado a informação sigilosa ao marido da vítima, autor da violência doméstica.
Em relato ao Jornal Midiamax, uma das advogadas que atua no caso, Carla Carvalho, afirmou que a vítima só conseguiu procurar a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) a pedido da filha. “Era uma cena de chorar. A filha falava para a mãe ‘vamos, você já está aqui, você vai conseguir fazer isso. Se a gente voltar para casa o pai vai te matar’”.
Segundo a advogada, por várias vezes, a vítima teve medo e dizia que o marido entraria na delegacia atirando em todos, muito assustada. Amparada pela filha, ela conseguiu denunciar as agressões e a violência psicológica que sofria já há tempos. No domingo antes da denúncia, dia 19, a vítima sofreu várias agressões. Na quarta, ela tinha vários hematomas pelo corpo.
“Recebi um chamado, ela estava desesperada e sem saber o que fazer. Ela tinha medo porque o marido dizia que se ela denunciasse, de qualquer forma, ele iria descobrir”, contou a advogada. Encorajada pela filha, a mulher conseguiu registrar o boletim de ocorrência, solicitou medida protetiva e pediu abrigo na Casa da Mulher Brasileira, com orientação das advogadas.
Uma hora depois, após saber que a mulher o denunciaria, o marido já sabia de todo o teor do boletim de ocorrência. Um caso de violação de sigilo funcional, crime previsto no artigo 325 do Código Penal Brasileiro.
Como soube da denúncia
Segundo a advogada Carla, após o registro da denúncia, o marido da vítima telefonou para um familiar, que a acompanhava. Esta pessoa então atendeu a ligação no viva voz e disse que não sabia onde a mulher estava, apenas que ela faria uma denúncia. “Vou achar ela, vou ligar para meus amigos da polícia e vou saber onde ela está”, teria dito o acusado.
Aproximadamente meia hora depois, o familiar encaminhou para as advogadas da vítima a mensagem do suspeito. Ele contava todo o teor do boletim de ocorrência a que teve acesso, de maneira irregular, uma vez que o registro foi feito de forma sigilosa, com acesso restrito. Para a advogada, a informação não ‘vazou’ pela Deam.
“A gente confia muito no trabalho da Deam, é um trabalho muito correto”, disse a advogada. “Nós como profissionais, muitas vezes, temos dificuldade de ter acesso às informações de clientes. Como alguém que não é do meio, não é funcionário público, tem acesso assim tão rápido? Essa é nossa indignação”, constatou.
Ainda conforme a advogada de defesa da vítima, outros advogados se sensibilizaram com a causa e hoje são cinco que acompanham o caso.
Providências
Logo após saberem do vazamento da informação, já no dia 23, as advogadas fizeram um relato ao presidente da OAB-MS, Mansour Elias Karmouche, que fez um ofício para a Sejusp. Ainda não houve resposta por parte da secretaria, mas a Polícia Civil assegurou que o caso já é apurado pela Corregedoria.
“O ofício relata justamente o perigo da violação de sigilo, do vazamento de informação sigilosa, isso não pode acontecer”, pontua Carla. “Como alguém acessa uma informação dessas e repassa para o próprio agressor? A gente sabe que muitas mulheres sofrem caladas e essa vítima só conseguiu denunciar a pedido da filha, chorando. Isso gera insegurança para outras mulheres e não pode acontecer, as mulheres precisam denunciar”, afirmou a advogada.
O caso de violência doméstica segue em investigação pela Deam e foi denunciado, inclusive, que o acusado teria em casa armas de fogo, sendo que usou uma delas para ameaçar a vítima. Não há informação até o momento se as armas foram encontradas e apreendidas.