Sem estrutura para evitar, PMs lamentam jovens se armando na periferia

No Grande Nova Lima, população já se acostumou aos ‘pipocos’

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No Grande Nova Lima, população já se acostumou aos ‘pipocos’

Os casos de violência nos bairros mais pobres revelam que o desarmamento passou longe da região norte de Campo Grande. Somente nos últimos 5 dias, duas ocorrências ligadas ao assassinato de um jovem em praça pública e na frente de câmeras envolveram a apreensão de dois revólveres que estavam nas mãos de garotos com pouco mais de 18 anos.

Nas ruas do bairro Nova Lima, por exemplo, qualquer ‘treta’ é sempre acompanhada da expectativa pelos ‘pipocos’, como os moradores se referem aos disparos de arma de fogo.

“Se rolou uma treta, sempre vai ter um maluco canado e os pipoco faz parte. Daí o bagulho fica louco e a gente faz o que pode. Eu já ralei tudo esse joelho aqui uma vez porque me joguei por cima do capô do carro. Se marcar, você leva”, relata um pintor de paredes de 20 anos que mora no bairro.

Para o jovem, que trabalha só quando consegue ‘um trampo’ e passa o resto do tempo ‘de boa’, tomando tereré com os amigos da região, a solução é se armar também. “Isso aí é igual futebol. Quem não faz leva. Então, os caras acabam fazendo uns corres pra garantir um cano também. Quem tem fica mais sussa”, explica.

Só na confiança

E o dinheiro é a única dificuldade para conseguir os ‘canos’, geralmente revólveres usados e clandestinos com calibre entre 22 e 38. Os preços variam entre R$ 800 e R$ 1500, e os ‘produtos’ são vendidos apenas mediante indicação, ou ‘na confiança’, como explica um interlocutor consultado pela reportagem.

Não existe um ‘fornecedor’ oficial, mas a facilidade para chegar até quem tenha uma arma para vender preocupa os policiais.

“Sabemos que existe um comércio de armas na região, mas não conseguimos chegar até os responsáveis. Principalmente porque o sigilo impera. Mas a quantidade de ocorrências que atendemos envolvendo disparo de armas de fogo mostra muito bem que possuir um revólver é fato comum por lá”, conta um policial que já atuou nas unidades do Grande Nova Lima.

Embora ninguém fale oficialmente, a Polícia Militar reconhecidamente enfrenta precariedade para operações preventivas com maior constância. Para se ter uma ideia da situação, o pelotão que atende a faixa mais crítica da região norte conta com apenas uma viatura para atender as ocorrências.

Mesmo assim, nas operações realizadas, várias armas são apreendidas. Segundo dados do 9º Batalhão, responsável pelo policiamento no Nova Lima, em apenas um ano foram apreendidas 14 armas. Metade eram revólveres 38 e duas eram calibre 32. Mas os flagras incluem até carabina 22 e pistola 9 mm.

Policiais que atuam ou já atuaram nas unidades da região norte contam que, dos casos atendidos pela PM por lá, 20% são de violência doméstica e os outros 80% são assassinatos. Quase todos, causada por acerto de contas entre marginais. Os jovens se armam e acabam matando uns aos outros.

Mas não é só na região norte que o comércio de armas ilegais floresce em Campo Grande. Na área próxima ao Presídio de Segurança Máxima também há indicações de quem ‘conhece um cara que conhece um cara’.

De moto, canados e no ‘cagaço’

Do uso para ‘impressionar’ ou para não sair perdendo nas disputas violentas que integram a vida social nas comunidades pobres, até a ideia de usar o revólver para o crime, é um pulo. “Tinha uns maluco lá que tavam tomando tereré com a gente, daí um mostrou um trintaeoitinho, o outro chamou ele pra fazer uns corre e foram assaltar. Montaram na moto e vazaram. Nem sei o que virou deles depois não”, relata o jovem pintor sem emprego.

O resultado são episódios que viram notícias todos os dias. Jovens armados praticam pequenos assaltos em pontos de ônibus, lojinhas e conveniências da periferia, até serem detidos ou mortos. A empolgação juvenil e a imperícia no uso das armas de fogo torna esses bandidos ainda mais perigosos para as vítimas, para os policiais e para eles mesmos.

A falta de dinheiro, de instrução e de esperança em conseguir qualquer oportunidade para ganhar dinheiro empurra os mais vulneráveis para o crime. “Não dá para a gente endossar que eles são empurrados para o crime porque a maioria lá trabalha, ganha pouco, quebra rola e não sai por aí apavorando. Mas, que a miséria e falta de orientação ajuda muitos a entrarem na bandidagem, eu seria burro se negasse”, diz o policial.

Com a expectativa de levantar dinheiro com pequenos roubos e assaltos, e a dificuldade para a maioria dos jovens da região de juntarem R$ 800 reais, surgem formas criativas de se armar. Alguns compram armas em ‘consórcios’ e dividem o tempo de uso entre os donos. Viram bandidos amadores armados e perigosos.

“A saída para as vítimas é não reagir. E pedir a Deus para um moleque desses não disparar por engano ou cagaço. E eu, como policial, prego o dedo mesmo se é mais jovem e parece estar armado. É triste, porque sou pai também, mas eles são muito mais perigosos. Não dá para esperar e acabar sendo eu no caixão”, conta um policial militar que admite sempre torcer para não atender ocorrências do tipo.

“Quando canta um chamado com dupla de moto tocando o terror, a guarnição já fica tensa. É um papel que a gente não quer cumprir. Infelizmente, enquanto políticos roubam e deixam essas comunidades sem qualquer tipo de assistência, forçam as mães arrumarem trabalho e deixarem os filhos nas ruas sem uma escola decente, sem ocupação, estão jogando na mão da polícia terminar o serviço que eles começam. Toda ocorrência assim me revolta porque a culpa maior é dos corruptos”, lamenta o servidor público militar.

Novas são ‘ostentação’

“Tem uns meninos que a gente pega e vão entregando os outros donos dos revólveres. Eles vão deixando na mão de cada um um tempo para fazerem os corres deles. Se um perde, fica devendo a parte dos outros e isso causa mais confusão ainda”, relata um investigador.

Em raros casos armas novas, adquiridas no Paraguai são introduzidas na região. E a ostentação consumista se aplica ao mercado das armas de fogo. Se mostra mais quem tem a mais cara, a maior e com mais poder destrutivo. Uma pistola (7,65 ou 380) custa entre R$ 2 mil e R$ 2500. Já a considerada por muitos como sonho de consumo, 9 milímetros, é encontrada com preço entre R$ 3 mil e R$ 3500.

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